Boletim Salesiano: Irmã, poderia primeiro falar um pouco da história da senhora?
Ir. Mariluce dos Santos Mesquita: Eu sou da etnia Bará, nasci na fronteira da Colômbia com o Brasil. Meu nome de nascimento é Diatoh, que significa “fonte da água”. Desde pequena eu tinha contato com as Filhas de Maria Auxiliadora, meus pais já foram alunos salesianos e beberam na fonte do carisma, do Sistema Preventivo. Foram interlocutores para nós, os filhos; nos ensinaram o que aprenderam. E quando fui estudar, fiz primeiro o ensino fundamental e o ensino médio precisou ser em São Gabriel da Cachoeira, porque eu queria fazer o magistério, queria ser professora, e não tinha curso de ensino médio onde eu morava.
Naquela época já não havia mais o internato, mas eu precisava de um lugar, então fiquei na casa das Irmãs onde tinha um grupo de dez vocacionadas. Participava de tudo, acompanhava e sentia aquela inquietação. Mas tinha medo de me enganar, de enganar as Irmãs, de que não fosse aquele o projeto de Deus. Quando terminei o ensino médio voltei para minha aldeia, fui ser professora, fiz a minha casa. Realizei o que era o meu projeto de vida, mas eu não era feliz, porque sentia que faltava algo e fui falar com as Irmãs. Elas me deixaram a liberdade, propuseram fazer a experiência para descobrir se minha vocação era para ser religiosa ou para casar. Assim, minha caminhada vocacional foi uma opção, porque descobri que o meu projeto de vida, sem o projeto de Deus junto, não valeu. Em 2001 fiz minha primeira profissão religiosa e sou feliz, é o meu lugar.
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BS: Em relação à presença missionária das FMA na Amazônia: quais são os pontos positivos? E quais são os desafios atuais?
Ir. Mariluce: Esse ano completamos 97 anos de presença na área do Rio Negro. O que vejo como principal é a doação, o testemunho que as Irmãs semearam, e também muita alegria. Eu me lembro da Ir. Catarina, ela falava tukano. Ela era paulista, mas aprendeu o tukano e nós nos aproximamos muito dela, porque ela conversava conosco e ensinava falando na nossa língua.
Vejo como positiva a missão de servir incansavelmente, com muito amor, porque lá é um sacrifício, não tem carro nem ônibus. Mas as Irmãs missionárias e nós estamos lá, juntas. Com nosso jeito de ser indígenas, com nossa espiritualidade e características, nos integramos com as missionárias e vivemos o carisma salesiano. E não é difícil, porque somos respeitadas e respeitamos. Vivemos as nossas tradições, não as esquecemos. E vivemos com equilíbrio, com tranquilidade.
Hoje são dez irmãs de origem indígena, temos as vocacionadas, que estão estudando, e tem também as jovens que estão no discernimento. Eu acompanho sete meninas no encontro vocacional e, quando elas crescerem, se tiverem vocação para serem Irmãs, vão seguir esse caminho; se não, vão servir a Igreja como catequistas, nas pastorais. Recebem uma formação que vão viver e praticar, na sua realidade.
BS: A senhora foi convidada como colaboradora do sínodo. Qual foi até o momento a contribuição da senhora? E durante a reunião sinodal, qual será a sua participação?
Ir. Mariluce: A minha primeira contribuição foi na consulta que foi feita nas comunidades e chegou ao nosso distrito de Taracuá, AM, no Alto Rio Negro. Trabalhamos o tema central na comunidade, de acordo com o método do “ver, julgar e agir”. Estudamos, debatemos, redigimos junto com os professores e os jovens, e enviamos nossa reflexão para a diocese. O pároco fez o mesmo, nas comunidades ribeirinhas.
Lá onde eu moro não tem internet, telefone também não tem, então eu não sabia sobre a convocação do Papa. Quando teve o encontro de vocações autóctones (em agosto) eu desci até Manaus e foi quando fiquei sabendo. Como auditora, vou ouvir, escutar. E se tiver momento para falar, vou falar também. É o caminho que Deus está colocando para mim, não é uma escolha minha. Há esse sentimento de gratidão a Deus e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade muito grande, de representar o Triângulo Tukano, a região do Alto Rio Negro. Me sinto desafiada e disposta a colaborar, dentro das minhas possibilidades.
BS: Na opinião da senhora, qual é a importância de a Igreja realizar esse Sínodo para a Amazônia?
Ir. Mariluce: No meu ponto de vista é muito importante esse Sínodo que o Papa está convocando para ouvir, escutar mesmo o povo da Amazônia, os nativos que estamos nessa realidade. E ele fazendo isso já começa a mudar o jeito da Igreja de servir e de evangelizar na Amazônia, porque ele quer nos levar para perto dele, para sermos porta-vozes dos nossos parentes que estão com muita esperança. O Sínodo vem fazendo uma história diferente, com novas ideias e novos jeitos de servir a Deus. Espero que seja um momento de transformação mesmo da Igreja. Todos nós somos Igreja, para poder ajudar, evangelizar, testemunhar com nossa vida e com nossa fé, como protagonistas onde nós estamos, inseridos na missão.
BS: O que o Sínodo pode trazer de positivo para as presenças indígenas cristãs na região?
Ir. Mariluce: Pode trazer esperança, um novo jeito de evangelização, mais protagonismo juvenil. Junto conosco, com os jovens, com os leigos, pode trazer mais formação. No nosso campo indígena não tem a figura do diácono permanente, para poder somar com os padres. Só tem um padre na paróquia e ele não dá conta de chegar em todas as comunidades, é tudo muito difícil, muito distante, muito caro. O Instrumento de Trabalho tem um dos pontos positivos que é falar do diácono permanente, porque tem famílias que são fiéis, que dão bom testemunho, são pessoas casadas que vivem com fidelidade e poderiam se doar mais à Igreja.
Nós temos muita esperança no Sínodo, que vai ajudar e ser algo positivo mesmo para toda Igreja. Com o espírito verde, que nem a Amazônia: assim é a nossa esperança!