Nosso presente

Quarta, 19 Abril 2017 14:16 Escrito por  Pe. Marcos Sandrini, SDB
Nosso presente iStock
Quando Einstein visitou a Índia, um mestre de espírito perguntou-lhe: “Em que seus estudos ajudaram as pessoas a serem mais felizes?”. Não sabemos a resposta. Apesar da bomba atômica construída por outros, certamente a pesquisa e o compromisso científico do mestre Einstein muito ajudaram as pessoas a serem felizes.

Na mesma linha, as pessoas se deparam hoje com tanta podridão moral e com tanta mediocridade, com tanta injustiça e tanta mesquinharia, e se perguntam: “Tem saída para este mundo?”. Na verdade, o mundo anda tão alucinado que parece que nada mais tem lógica e nem futuro.

Imanência e transcendência

Estamos acostumados a ler uma frase que é atribuída a Dom Bosco: “A vida é um presente que Deus nos deu (imanência) e o que fazemos dela é nosso presente a ele” (transcendência). A mesma coisa acontece na parábola dos talentos relatada no Evangelho de Mateus 25, 14-30. Os talentos foram dados, o que fazemos com eles é nosso trabalho e nosso empenho.

É sobre isso que vamos refletir. Tem duas palavrinhas simples, mas, ao mesmo tempo, complexas: imanência e transcendência. Na realidade, a imanência significa o ser humano enquanto dado, isto é, aquilo que ele é. Estamos situados no mundo, nascemos num certo tempo e lugar e trazemos nossa bagagem natural e social. Atranscendência é a tarefa que realizamos para superar e transformar o dado apontando para o futuro e para o outro.

O maior desejo de todo ser humano é ser feliz. Na cultura atual, ser feliz é viver no bem-estar, ter conforto, possuir bens. A experiência nos mostra, porém, que possuir bens por si só não traz felicidade. Quem possui bens também sofre tédio e infelicidade. O problema é que o bem-estar se fixa nas coisas e se “imanentiza” na situação adquirida. Na realidade, só é feliz quem tem projetos. A felicidade está no transcender-se e não no contentar-se no recebido e no adquirido.

Todos nós já nascemos num mundo dado, que tem a sua história e a sua conformação sociocultural. Mas o ser humano não é puro reflexo do seu ambiente. Duas realidades fazem com que seja possível superar o dado: o outro e o futuro. O outro é o diferente de mim e, portanto, é aquele que pode me desacomodar e me despertar para outros valores. O futuro é que dá sentido ao presente. Se as pessoas tivessem ficado apenas com o seu presente, ainda estaríamos na idade da pedra lascada. É preciso viver em profundidade o presente, mas é preciso abri-lo para o futuro, para novas possibilidades.

 

Educar-se para transcender

Não se estuda apenas para melhorar de vida no sentido econômico. Não se estuda apenas para se ter mais. Estuda-se para ser mais, para desenvolver nossas potencialidades, para abrir horizontes, para enxergar o futuro, para projetar nossa vida. Aliás, a palavra pro-jeto é composta e significa duas coisas: pro = para a frente; jeto = lançar. Projetar, então, significa lançar para a frente, enxergar mais além. Eu sou o que sou, mas também o que posso ser. Nós somos o que somos, mas também o que poderemos ser.

Muitas vezes nosso agir é um retrocesso. Nas questões ecológicas, por exemplo, em vez de avançar, podemos retroceder. Ao derrubar nossas florestas, ao não transformarmos o lixo em resíduos sólidos para reciclagem, nós estamos entregando o mundo pior do que recebemos. Ao contrário, ao defendermos nossas florestas, ao cuidarmos dos resíduos, estamos melhorando o presente e projetando um futuro de ouro para todos.

Estudar não é acumular conhecimentos para acumular poder. Estudar é conhecer para conviver melhor. Por isso, a UNESCO, que é o órgão da ONU responsável pela educação e cultura, diz que é preciso “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, a aprender a ser”. Estes são os quatro pilares para a educação no século XXI. Educar é mais que treinar. Educar é crescer em conhecimento, em habilidades, em convivência e em ser. A vida não se relaciona apenas com o que é necessário para se reproduzir. Já dizia uma música dos Titãs: “A gente não quer só dinheiro. A gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só dinheiro. A gente quer inteiro e não pela metade”.

 

Educar também é sonhar

Recebi há muito tempo um conselho de um professor que me animou a ler ao menos dois ou três romances por ano. Ler romances aprimora nossa capacidade criativa, nossa imaginação. Os sonhos podem se tornar realidade. Quem lê as obras de Júlio Verne fica impressionado com a visão que ele teve em relação ao futuro. Muito do que sonhamos hoje se torna realidade amanhã. Agora, sonhar com os pés no chão e o olhar no horizonte futuro.

As primeiras páginas da Bíblia apresentam o Paraíso Terrestre, uma terra sem males. Terra dos sonhos. Quando Carlos Mesters, grande estudioso da Bíblia, lançou um livro cujo título era uma pergunta, causou muito alvoroço. O título do livro era: “Paraíso Terrestre: saudade ou esperança?”. No fundo a pergunta é: o paraíso terrestre retrata o que aconteceu no passado ou o que estamos construindo para o futuro?

A argumentação de Mesters era que estamos construindo o futuro e este é cheio de esperança. Quando se vai construir uma casa a primeira coisa que fazemos é a planta. Ela é a primeira na cabeça e a última na realização. A planta só estará pronta no final de tudo. Assim, o relato da criação é a planta do mundo. É para esse projeto que somos lançados.

É um projeto que pode dar certo e pode dar errado. Como a planta foi feita por Deus, ela está certa. Ele a entregou em nossas mãos. Então, depende de nós dar certo ou errado. Ele, como bom projetista, nos vai influenciando e iluminando para entender seu projeto. A Bíblia inteira é uma luta entre bem e mal, entre realização e destruição, entre animação e desânimo.

 

Concluindo...

Dom Bosco sempre sonhou com a felicidade dos jovens com os quais conviveu e a quem ajudou a educar-se. Recebeu em sua casa, o Oratório de Turim, jovens em situações muito difíceis. Mais que jovens difíceis, eram jovens vivendo situações muito pesadas e desafiadoras para sua idade. Colocou-se ao seu lado. Não deixou que desanimassem e se contentassem com pouco. Abriu seus olhos, possibilitou-lhes uma profissão, construiu com eles projetos de vida. Muitos deles (a maioria) se tornaram honestos cidadãos, outros também bons cristãos. Alguns até atingiram o cume da santidade. Sem projeto ninguém caminha.

O presente está muito desesperador, mas é a partir deste presente que podemos construir um mundo mais justo, transparente, solidário, equânime. Um educador verdadeiro é quem é capaz de fazer uma análise crítica da situação atual e de propor projetos a serem perseguidos pelas novas gerações. Educar não é treinar, não é repetir. Educar é conhecer o passado vivendo no presente e construindo o futuro.

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Última modificação em Sábado, 14 Março 2020 13:39

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Quarta, 19 Abril 2017 14:16 Escrito por  Pe. Marcos Sandrini, SDB
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Quando Einstein visitou a Índia, um mestre de espírito perguntou-lhe: “Em que seus estudos ajudaram as pessoas a serem mais felizes?”. Não sabemos a resposta. Apesar da bomba atômica construída por outros, certamente a pesquisa e o compromisso científico do mestre Einstein muito ajudaram as pessoas a serem felizes.

Na mesma linha, as pessoas se deparam hoje com tanta podridão moral e com tanta mediocridade, com tanta injustiça e tanta mesquinharia, e se perguntam: “Tem saída para este mundo?”. Na verdade, o mundo anda tão alucinado que parece que nada mais tem lógica e nem futuro.

Imanência e transcendência

Estamos acostumados a ler uma frase que é atribuída a Dom Bosco: “A vida é um presente que Deus nos deu (imanência) e o que fazemos dela é nosso presente a ele” (transcendência). A mesma coisa acontece na parábola dos talentos relatada no Evangelho de Mateus 25, 14-30. Os talentos foram dados, o que fazemos com eles é nosso trabalho e nosso empenho.

É sobre isso que vamos refletir. Tem duas palavrinhas simples, mas, ao mesmo tempo, complexas: imanência e transcendência. Na realidade, a imanência significa o ser humano enquanto dado, isto é, aquilo que ele é. Estamos situados no mundo, nascemos num certo tempo e lugar e trazemos nossa bagagem natural e social. Atranscendência é a tarefa que realizamos para superar e transformar o dado apontando para o futuro e para o outro.

O maior desejo de todo ser humano é ser feliz. Na cultura atual, ser feliz é viver no bem-estar, ter conforto, possuir bens. A experiência nos mostra, porém, que possuir bens por si só não traz felicidade. Quem possui bens também sofre tédio e infelicidade. O problema é que o bem-estar se fixa nas coisas e se “imanentiza” na situação adquirida. Na realidade, só é feliz quem tem projetos. A felicidade está no transcender-se e não no contentar-se no recebido e no adquirido.

Todos nós já nascemos num mundo dado, que tem a sua história e a sua conformação sociocultural. Mas o ser humano não é puro reflexo do seu ambiente. Duas realidades fazem com que seja possível superar o dado: o outro e o futuro. O outro é o diferente de mim e, portanto, é aquele que pode me desacomodar e me despertar para outros valores. O futuro é que dá sentido ao presente. Se as pessoas tivessem ficado apenas com o seu presente, ainda estaríamos na idade da pedra lascada. É preciso viver em profundidade o presente, mas é preciso abri-lo para o futuro, para novas possibilidades.

 

Educar-se para transcender

Não se estuda apenas para melhorar de vida no sentido econômico. Não se estuda apenas para se ter mais. Estuda-se para ser mais, para desenvolver nossas potencialidades, para abrir horizontes, para enxergar o futuro, para projetar nossa vida. Aliás, a palavra pro-jeto é composta e significa duas coisas: pro = para a frente; jeto = lançar. Projetar, então, significa lançar para a frente, enxergar mais além. Eu sou o que sou, mas também o que posso ser. Nós somos o que somos, mas também o que poderemos ser.

Muitas vezes nosso agir é um retrocesso. Nas questões ecológicas, por exemplo, em vez de avançar, podemos retroceder. Ao derrubar nossas florestas, ao não transformarmos o lixo em resíduos sólidos para reciclagem, nós estamos entregando o mundo pior do que recebemos. Ao contrário, ao defendermos nossas florestas, ao cuidarmos dos resíduos, estamos melhorando o presente e projetando um futuro de ouro para todos.

Estudar não é acumular conhecimentos para acumular poder. Estudar é conhecer para conviver melhor. Por isso, a UNESCO, que é o órgão da ONU responsável pela educação e cultura, diz que é preciso “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, a aprender a ser”. Estes são os quatro pilares para a educação no século XXI. Educar é mais que treinar. Educar é crescer em conhecimento, em habilidades, em convivência e em ser. A vida não se relaciona apenas com o que é necessário para se reproduzir. Já dizia uma música dos Titãs: “A gente não quer só dinheiro. A gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só dinheiro. A gente quer inteiro e não pela metade”.

 

Educar também é sonhar

Recebi há muito tempo um conselho de um professor que me animou a ler ao menos dois ou três romances por ano. Ler romances aprimora nossa capacidade criativa, nossa imaginação. Os sonhos podem se tornar realidade. Quem lê as obras de Júlio Verne fica impressionado com a visão que ele teve em relação ao futuro. Muito do que sonhamos hoje se torna realidade amanhã. Agora, sonhar com os pés no chão e o olhar no horizonte futuro.

As primeiras páginas da Bíblia apresentam o Paraíso Terrestre, uma terra sem males. Terra dos sonhos. Quando Carlos Mesters, grande estudioso da Bíblia, lançou um livro cujo título era uma pergunta, causou muito alvoroço. O título do livro era: “Paraíso Terrestre: saudade ou esperança?”. No fundo a pergunta é: o paraíso terrestre retrata o que aconteceu no passado ou o que estamos construindo para o futuro?

A argumentação de Mesters era que estamos construindo o futuro e este é cheio de esperança. Quando se vai construir uma casa a primeira coisa que fazemos é a planta. Ela é a primeira na cabeça e a última na realização. A planta só estará pronta no final de tudo. Assim, o relato da criação é a planta do mundo. É para esse projeto que somos lançados.

É um projeto que pode dar certo e pode dar errado. Como a planta foi feita por Deus, ela está certa. Ele a entregou em nossas mãos. Então, depende de nós dar certo ou errado. Ele, como bom projetista, nos vai influenciando e iluminando para entender seu projeto. A Bíblia inteira é uma luta entre bem e mal, entre realização e destruição, entre animação e desânimo.

 

Concluindo...

Dom Bosco sempre sonhou com a felicidade dos jovens com os quais conviveu e a quem ajudou a educar-se. Recebeu em sua casa, o Oratório de Turim, jovens em situações muito difíceis. Mais que jovens difíceis, eram jovens vivendo situações muito pesadas e desafiadoras para sua idade. Colocou-se ao seu lado. Não deixou que desanimassem e se contentassem com pouco. Abriu seus olhos, possibilitou-lhes uma profissão, construiu com eles projetos de vida. Muitos deles (a maioria) se tornaram honestos cidadãos, outros também bons cristãos. Alguns até atingiram o cume da santidade. Sem projeto ninguém caminha.

O presente está muito desesperador, mas é a partir deste presente que podemos construir um mundo mais justo, transparente, solidário, equânime. Um educador verdadeiro é quem é capaz de fazer uma análise crítica da situação atual e de propor projetos a serem perseguidos pelas novas gerações. Educar não é treinar, não é repetir. Educar é conhecer o passado vivendo no presente e construindo o futuro.

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