Que Jesus foi um homem de grande religiosidade não temos dúvidas. Mas Ele não se limitou aos princípios religiosos de seu tempo. Algumas vezes, não obedeceu a lei do sábado, não realizou cultos nem ritos sagrados; Jesus viveu à margem da religião oficial de seu tempo. O que isto importa para nós?
A fé em jesus precede a religião
A fé em Jesus foi difícil de ser compreendida, os discípulos tinham dúvidas. Marcos nos diz que eles tinham dificuldade para crer nEle (Mc 4,40). Pelas ações de Jesus podemos perceber como a fé foi sendo vivenciada entre os 12. Jesus cura um paralítico não porque a pessoa não tinha fé, mas porque já a experimentava e recorreu a ele (Mc 2,1-12; Mt 9, 1-8; Lc 5,17-26). Outro relato nos garante que a fé já professada era fundamental para suscitar em Jesus a compaixão, por exemplo, na mulher que sofria de hemorragia como também na filha de Jairo (Mc 5,21-43; Mt 9, 19-26; Lc 8, 41-56).
Quando Jesus cura o cego Bartimeu, que gritava à margem do caminho, ali também já existia fé (Mc 10, 46-52; Lc 18, 35-43). Outra narrativa bastante interessante é a cura do servo do centurião romano (Mt 8, 5-13; Lc 7, 1-10), um soldado que horrorizava a todos porque a guarda pretoriana era terrível. No entanto, naquele homem Jesus encontrou fé. Então, a fé daqueles que sofrem precede, nestes casos, a ação de Jesus e Ele, vendo que tinham fé (Mc 2,5; Mt 9,2; Lc 5,12), realiza o milagre. Assim também se fundamenta a ressurreição da filha de Jairo (Mc 5,36; Lc 8, 50), quando Jesus diz: “Não temas; basta a tua fé”.
Em todos esses relatos fica claro que a fé não está prisioneira de uma religião, mas da conduta da pessoa, do seu comportamento. A religião, ou seja, o que nos relaciona com o divino, pode nos ajudar a fazer um caminho de abertura a Deus, como também pode nos afastar quando se torna um comércio, uma negociação, um jogo de interesses.
Fé não é produto
Não podemos praticar a religião sem que a fé preceda nossas condutas. Por isso Jesus nos diz que é preciso amar ao próximo e a Deus como a si mesmo (Jo 15,12ss). E João, radicalizando este mandamento, afirma: “O que odeia o seu irmão está nas trevas, caminha nas trevas, e não sabe aonde vai” (1 Jo 2,11). O fundamental para João é o amor, porque Deus é amor (1 Jo 4,16b).
Quem não ama, não conhece Deus verdadeiramente. Portanto, não é possível praticar um verdadeiro culto a Deus, uma religião, um rito sagrado sem amar o próximo, porque “Se alguém disser: amo a Deus, mas odeia o seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4,20). Portanto, somente a fé é capaz de vencer as ciladas do mundo (1 Jo 5,5). A religião, por sua vez, pode ser uma boa prática e até muito louvável. Porém, sem amor ela é vazia.
A vocação se alimenta da fé
Os fariseus, os publicanos e os sacerdotes do tempo de Jesus praticavam a religião. No entanto, apontavam com o dedo os pecadores, excluíam os doentes e matavam os profetas. Essa prática religiosa não condiz com a fé, não se alimenta da fé e não faz frutificar a fé. Eis um dos grandes dilemas vocacionais de hoje.
Às vezes o chamado de Deus pode ser interpretado como um convite à observância religiosa puramente ritualista e jurídica, esquecendo de que é preciso a fé para iluminar as escolhas, os caminhos e as conquistas. Deus não é um legislador, mas Pai; não é um destruidor, mas criador; não é aquele que manda para o inferno, purgatório ou céu, mas aquele que prepara um lugar e vem buscar os seus para o abraço definitivo (Jo 14,1-11).
Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB,é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.