A ausência de uma educação sexual adequada de nossos jovens torna ainda mais vulnerável a vivência da sexualidade. Na escola formal eles não recebem esta educação e muito menos em nossa catequese. Aliás, dá-se a entender que a sexualidade é coisa suja, tabu, não se pode falar. Será isto verdade?
O ser humano é um mistério para ele mesmo. Na tentativa de entender o ser humano na sua complexidade, as antropologias foram ressaltando uma dimensão ou outra, às vezes até contraditórias. Todos querem a realização do ser humano, mas os caminhos são também muito diversificados. Para chegar nele há atalhos e muitas veredas.
Então, o corpo biológico assumiu diferentes compreensões. Ora é muito exaltado, com o famoso dito: “Faço do meu corpo o que eu quiser”; ora menos, com outra sentença: “Corpo é o templo de Deus”, portanto, intocável. Estas, como outras concepções, nos levam a pensar que precisamos reinventar o sentido biológico do corpo dando a ele a devida liberdade responsável.
Superar o dualismo corpo e alma
A primeira luta contra a ideia de corpo será a nossa cristã. Doutrinados pela teologia paulina somos facilmente levados a desprezar o corpo e exaltar a alma. O dualismo não consegue unir na mesma pessoa a vitalidade do corpo e a da alma. São energias antagônicas que lutam dentro de nós o tempo todo. Uma luta marcada pela dor, pelo flagelo, pela frustração e até por uma certa dose de masoquismo. Há que desprezar o corpo e fazê-lo sofrer para manter a alma pura.
Então, o corpo é uma jaula que nos mantém prisioneiros dos mais impuros desejos. É preciso libertar a alma desta jaula de promiscuidade. Para justificar a luta interna surge o mal, o demônio, o maior inimigo de nós mesmos. Pintamos o demônio com mais cor do que ele realmente possa ter, com mais poder do que ele realmente tem. Surgem então as compreensões filosóficas do agir humano: ora a culpa dos males e das fraquezas é do demônio, ora a superação dos males vem de nossa luta espiritual contra ele.
Assim, encontra-se um culpado, um agente fora de nós mesmos, a serpente que fala (Gn 3,1) e nunca conseguimos superar o que é tão profundamente humano, ou seja, ser gente cuidando do Éden interior que Deus plantou dentro de nós. Portanto, voltar ao Éden é superar a dualidade do mito da serpente e reencontrar-se com o ser humano que se perdeu entre as moitas com vergonha de si mesmo (Gn 3,10).
O desprezo da matéria e exaltação do espírito
Platão, o grande filósofo grego, é o autor da dualidade corpo e alma. O corpo como instrumento da alma e, de certa forma, na contramão da sua beleza. Essa concepção foi criando outras formas de expressão no maniqueísmo, estoicismo e gnosticismo. Todas estas correntes desprezam o corpo humano e formam um espiritualismo desencarnado, fortemente presente ainda hoje e, porque não dizer, gerador de mutilações, medo de amar e de compromisso; em termos mais modernos, numa liquidez do amor humano, cuja consequência é a repressão dos sentimentos e um sentido de castidade morbosa e neurotizante.
O esforço de negar o desejo, o impulso e o amor para viver a castidade santa no namoro, no casamento, na vida religiosa e no presbiterado, está formando pessoas frias, desumanizadas e liquidas, porque não conseguem humanizar o desejo.
A exaltação da matéria e a negação do espírito
O radicalmente oposto é a exaltação da matéria. Os radicais liberais querem uma forma de pensar e agir que supera a vontade e a corporeidade, o espírito e a matéria, o racional e o biológico. Para alguns só existe a matéria, por conseguinte, a estética é tudo e mostrar o corpão sempre sarado, malhado e jovem é a meta sonhada.
Para outros, o corpo é um instrumento de produção e consumo. Ele é colocado à venda, é um produto a ser comercializado. O corpo torna-se objeto de desejo, impulso e satisfação, um pedaço de carne na vitrine dos olhos consumistas. Consequentemente, a indústria do culto ao corpo ganha mais e mais adeptos. Estamos na era da performance sexual, corporal e sensual. É o retorno ao Olimpo e não ao Éden. Continuaremos ainda refletindo outras dimensões.