Há muito tempo, pais e educadores vêm se preocupando com o controle do acesso à internet pelas crianças, adolescentes e jovens. Em uma situação normal, a internet era tida como um meio de acesso ao conhecimento, da qual a educação poderia se beneficiar.
Com a chegada da pandemia da Covid-19, este panorama mudou completamente e a internet passa a ser o “meio” praticamente exclusivo por onde se dá a educação no Brasil e em grande parte do mundo. Isso traz consequências diretas para a forma como educadores e pais encaram a realidade virtual e, também, sobre como se dá a relação das próprias crianças, adolescentes e jovens com o ambiente on-line.
Muitos educadores já estavam acostumados a trabalhar com o ambiente digital e já vinham buscando maneiras para que seus alunos pudessem exercer a cidadania nos espaços on-line. Porém, antes da pandemia, o professor, enquanto mediador, tinha um maior controle sobre a acessibilidade de seus alunos à internet, ao menos em seu contexto escolar. Com os alunos em sala de aula, era mais fácil abordar as problemáticas oriundas do ambiente digital, pois elas passavam pelo ambiente comum da sala de aula. Com a implantação do ensino remoto, o próprio contato dos educadores com os alunos se dá pelo ambiente virtual, o que exige um maior nível de autonomia e consciência dos estudantes.
Nesse contexto, os alunos tiveram que se adaptar a uma forma de estudo muito mais isolada, sem o contato direto com educadores e colegas e, embora, muitos já tivessem familiaridade com os ambientes virtuais, agora tiveram que reaprender a organizar-se a partir de uma agenda virtualizada.
Autonomia e trabalho colaborativo
A completa imersão nos ambientes virtuais está exigindo dos estudantes o desenvolvimento de novas estratégias e habilidades para aprender, que passam pela autonomia e pelo trabalho colaborativo.
A autonomia precisa ser pensada não apenas enquanto capacidade de resolver determinado problema, mas também em relação a como se resolve determinada questão partindo de um ponto de vista ético e humano. É necessário que o estudante se perceba como membro ativo e responsável do espaço em que habita, seja ele físico ou virtual. Assim também o trabalho colaborativo deve ser encarado como oportunidade para a vivência de direitos e deveres em vista do bem comum.
É interessante perceber que esta mudança na forma de agir de educadores e educandos, embora já se acenasse para uma educação nesta direção, deu-se de forma muito rápida com o avanço da pandemia.
Os professores, pais e alunos se defrontaram inesperadamente com a necessidade do ensino remoto, sem que tivessem tido tempo para fazer um processo de adaptação de um estado para o outro. De modo que a sala de aula se tornou um grande laboratório em que erros e acertos certamente foram se somando na construção de uma nova realidade.
Construção do “hoje”
Neste tempo em que o educador foi se reinventando novas oportunidades também foram se abrindo. Mais do que nunca, se percebe que a educação não é um “preparar para o amanhã”; mas sim a construção do hoje.
É no “hoje” que o educando precisa agir com ética diante de um conteúdo que é necessário produzir, e não copiar. É no “hoje” que ele precisa saber se uma notícia é falsa ou verdadeira, se aquela informação deve ou não ser compartilhada, se um comentário é ou não construtivo para o outro. É no “hoje” que ele pode se engajar em movimentos de solidariedade e de construção do bem comum. Há um mundo repleto de escolhas e possibilidades disponíveis a um clique de distância; um mundo no qual cada um pode participar, interagir, comprometer-se.
Um dos legados que certamente a pandemia deixará é a forma como vivemos a nossa cidadania digital. Os ambientes on-line passaram a fazer parte direta de nossa vida e, querendo ou não, isso está exigindo de todos um comprometimento universal não apenas para conter a pandemia, mas também para construir um mundo saudável e habitável em que cada um é responsável pelo bem comum.
Irmã Márcia Koffermann, FMA, é diretora-executiva da Rede Salesiana Brasil de Comunicação (RSB-Comunicação).