Na verdade, vivenciamos fragilidades, em nosso corpo, em nossos vínculos, em nossas práticas relacionadas ao cuidado do outro, em nossas formas de pensar e de viver o desenvolvimento econômico e social. Essa experiência de vulnerabilidade gera inevitavelmente medo e preocupação com o futuro.
É tempo de decidir se vamos formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e da diversidade da vida (Carta da Terra).
O apelo da Encíclica Laudato Si para “ouvir o grito da terra e o grito dos pobres” (LS 91) não visa amplificar o medo, mas, antes propor um caminho de conversão. Como sabemos, esse caminho só existe por meio de quem o percorre. Por isso, somos chamados a percorrer, juntos, um caminho para cuidar da Terra e das pessoas.
Trata-se de deixar de ser um mero leitor e/ou ouvinte para se posicionar como testemunhas protagonistas de um novo futuro. Entendemos, aqui, por testemunhas aqueles que transmitem, propõem, decidem e agem na cotidianidade da vida.
Podemos nos perguntar: Quem são essas testemunhas? São os protagonistas da vida econômica e política, são as comunidades locais, o trabalhador, pais e mães de família, com a sua memória e as suas esperanças, são as Igrejas, são os jovens e também os idosos porque, como afirma o Papa Francisco, “...para que os jovens possam sonhar com o mundo de amanhã, é necessário que os idosos também continuem a sonhar com o mundo de hoje” (CV 197).
Lembremos de que somos terra
Dentro de cada ser humano existe uma sede profunda do transcendente que nos direciona a um estado de comunhão com todas as coisas que nos permitem viver uma grande fraternidade universal. Para isso, necessitamos resgatar o que, em nome do progresso e do desenfreado desenvolvimento econômico, nos foi tirado: o verdadeiro sentido da ecologia.
A ecologia é uma espécie de escola doméstica da Casa Comum; uma verdadeira teia de relações entre os seres entre si e entre os seus entornos físicos e materiais. Portanto, podemos afirmar que tudo é relação e está em contínuo e perene processo de relação com todo o criado existente sobre a face da Terra.
Nas palavras do Papa Francisco, significa dizer que “tudo está interligado” (LS 91), desde a florzinha do campo, as bactérias, a formiga até o ser humano e Deus.
Por isso, devemos constantemente fazer memória de nossa origem. Somos terra, não todo o planeta, mas a pequena parte da Terra que pensa, sente, age e cria. Temos inteligência (LS164), verdadeiro dom de Deus, tantas vezes utilizada de forma irracional para a produção de armas químicas e biológicas, para estabelecer estratégias de guerra, para prejudicar o irmão com uma fofoca e até para escolhas baseadas no imediatismo, colocando-nos em dívida com os mais pobres (LS 30) sem pensar na herança que deixaremos às novas gerações (LS 160).
Ao lembrar-nos de que somos terra, trazemos à consciência a crise socioambiental que vivemos e damos espaço para que a inteligência cordial seja reavivada em nós, nos levando a um processo de profunda conversão ecológica (LS 217).
Cultivar a inteligência cordial
Os dados científicos apresentados pela cosmologia e pela física quântica nos revelam que, se continuarmos utilizando os recursos do planeta da mesma forma que temos feito até agora, a humanidade estará, cada vez mais, sob o perigo de ser extinta. O fato é que o planeta continuará a existir, porém, sem a espécie humana.
É preciso levar em consideração que “cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos. Mas, precisamos de nos constituirmos como um ‘nós’ que habita a Casa Comum” (Fratelli Tutti – FT 17).
Por isso, devemos alimentar a paixão pelo cuidado, permitir que o amor, a compaixão, a solidariedade, a amizade, a ternura, a sensibilidade, a ética, a capacidade de sentir nas pessoas e, em tudo o que é criado, aquela energia do alto e presença misteriosa que nos sustenta e nos move ao encontro do outro, sobretudo aos mais pobres.
A inteligência do coração (cordial) deve ser cultivada por meio de gestos cotidianos concretos. O Papa Francisco nos mostra o caminho que necessitamos trilhar: “Precisamos reconhecer a tentação que nos cerca de se desinteressar dos outros, especialmente dos mais frágeis. Digamos que crescemos em muitos aspectos, mas somos analfabetos no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis das nossas sociedades desenvolvidas. Habituamo-nos a olhar para o outro lado, passar à margem e ignorar as situações...” (FT 64).
Precisamos desenvolver, em nós, o cuidado e a compaixão atentos em nos “fixarmos ao modelo do bom samaritano ressaltando que essa passagem bíblica nos convida a fazer ressurgir a nossa vocação de cidadãos do próprio país e do mundo inteiro, construtores dum novo vínculo social” (FT 66), ou seja, ser “bom cristão e honesto cidadão”, como nos diz Dom Bosco.
Reencontrando a harmonia
Os tripés do Sistema Preventivo – razão, religião e amorevolezza – nos impulsionam a buscar sempre esse equilíbrio harmônico da criação. Um amor esclarecido, declarado, cativante, repleto de alegria e bondade permite que as relações fluam naturalmente, pois, também como afirmava Dom Bosco, “quem sabe que é amado, ama” indistintamente.
Dessa forma, permitimos que se estabeleça um diálogo entre a inteligência cordial e a inteligência racional que tende ao encontro da harmonia. É aqui que Deus encontra abertura para olhar e perceber que tudo o que criou é bom. Temos a recuperação do equilíbrio do instante da criação, harmonia e paz oriundos do coração de Deus.
Ir. Celene Couto Rodrigues, FMA, é graduada em Geografia pela Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro, Animadora Laudato Si credenciada pelo Movimento Católico Global pelo Clima e Green Líder da Don Bosco Green Alliance no Brasil. Atualmente é Coordenadora de Pastoral da Obra Social Recanto da Cruz Grande em Itapevi, SP.