“No dia solene da Imaculada Conceição de Maria, 8 de dezembro de 1841, estava, à hora marcada, vestindo-me com os sagrados paramentos para celebrar a santa missa. O sacristão José Comotti, vendo um rapazinho a um canto, convidou-o a ajudar-me a missa. - Não sei - respondeu o garoto (...). Então o sacristão tomou o espanador e começou a desferir golpes nas costas e na cabeça do pobrezinho. Enquanto ele fugia gritei em voz alta: Que está fazendo? (...) Ele é meu amigo.”
Retirado das Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, este encontro de Dom Bosco com Bartolomeu Garelli, narrado pelo próprio Santo, marca o início do Oratório. Após a missa, com uma simples Ave Maria, se inicia uma obra que irá trabalhar pela salvação das almas de muitos adolescentes e jovens à margem de uma sociedade opressora e desigual, que não valoriza e nem dignifica o ser humano.
Podemos relacionar esse encontro com uma passagem bíblica retirada do Evangelho de São João: é a passagem do encontro de Jesus com a mulher samaritana (Jo 4, 4-26).
A samaritana e Bartolomeu Garelli
No início do relato bíblico, São João narra que Jesus estava se dirigindo para a Galileia e, para isso, teria de atravessar a Samaria.
A relação entre os samaritanos e os judeus não era muito positiva. Os samaritanos se viam hostilizados pelos judeus, que não os consideravam integrantes do seu povo, por diversas desavenças que cruzaram suas histórias. No caso do relato bíblico, a samaritana ainda estava em uma situação pior, pois, além de pertencer aos samaritanos, sofria com o preconceito de ser mulher em um mundo machista.
Bartolomeu Garelli era um menino pobre, órfão, sem estudos e sem perspectivas de um futuro. Era um menino desprotegido, que procurava um sentido para a sua vida, mesmo que inconscientemente.
Tanto a samaritana quanto Garelli estavam em situações semelhantes na sociedade. Cada um em sua época, viviam em sociedades nas quais eram marginalizados, desconsiderados e tratados como seres descartáveis.
O encontro no poço
São João narra que no momento em que Jesus estava tranquilamente sentado junto ao poço, chega uma mulher samaritana para tirar água. Para a sua surpresa, é Jesus quem lhe pede água para beber. Ela o interroga, perguntando-lhe por que ele, sendo judeu, pedia água a ela, que era uma samaritana.
Depois do desastroso encontro de Garelli com o sacristão, Dom Bosco inicia um diálogo com aquele garoto, que talvez, estivesse se perguntando de forma parecida à samaritana: “Por que ele, sendo um padre, estaria me dando atenção?”.
Rapidamente aquele diálogo, em meio àquela situação inesperada, gerou uma confiança que repentinamente brotou nos corações: tanto no da samaritana, quanto no coração de Garelli. Uma confiança que fez acender uma centelha de esperança para a mudança de suas vidas.
O poço também pode ser pensado como um lugar místico, como um oásis, o lugar em que se depositava um dos elementos vitais para a vida. Para Garelli, aquela Igreja onde ele se refugiava no canto deveria ser o seu oásis em meio aos perigos e descontroles de Turim. Mesmo inconscientemente, ele estava em um lugar místico, a morada do próprio Senhor que dá a vida.
Naquele encontro, por meio do diálogo, é oferecida à samaritana uma água que mataria a sua sede eternamente e isso a deixa maravilhada. Para Garelli, Dom Bosco oferece o catecismo, que seria a possibilidade de seu encontro pessoal com Jesus e que, por meio dele, receberia essa água-vida.
O anúncio
Depois do encontro com Jesus, a mulher samaritana vai até a sua aldeia, anuncia que o Messias já está entre eles e conta todas as maravilhas ditas a ela. Garelli, da mesma forma, vai contar aos seus amigos que havia conhecido um padre que tinha dito coisas maravilhosas a ele e que havia lhe oferecido condições de resgatar a sua dignidade.
Com aquela “propaganda”, logo acorreram muitas pessoas ao poço de Samaria e muitos meninos ao “poço de Turim”, a fim de constatar se o que aqueles anunciadores haviam dito correspondia com a verdade. Contudo, em seus corações já sentiam que haviam encontrado Aquele que há muito tempo esperavam, o tão esperado Messias, o Filho do Deus Altíssimo, Jesus Cristo.
Os frutos do encontro
Nessa relação entre Garelli e a samaritana percebemos como Dom Bosco conseguiu imitar Jesus em suas atitudes e, por meio dele, muitos jovens encontraram de fato Aquele que é o único sentido de suas vidas e que somente com Ele e por Ele extinguirão a sua sede.
Depois daquele encontro, nem a samaritana e nem Bartolomeu Garelli seriam mais os mesmos, pois a samaritana teve um encontro pessoal com Jesus, e Garelli, com um homem que prefigurava a figura do Bom Pastor, aquele que se inclina para cuidar de suas ovelhas. Assim como nos diz padre Pascual Chávez no prólogo do livro de Juan Bartolomé, Místicos, profetas e servos: “(Nos tornamos) místicos, porque nos encontramos pessoalmente com Cristo Jesus e como Ele e junto a Ele, viveremos testemunhando o primado absoluto de Deus”.
Jefferson Castro é noviço da Inspetoria Salesiana do Nordeste do Brasil, residindo atualmente no Noviciado da Imaculada Conceição, em Curitiba, PR