Em um mundo hiperconectado todos querem falar, ter voz, escrever aquilo que pensam, sentem, sabem, acreditam. Multiplicam-se as formas de redes sociais, há espaço para quem quer escrever um texto inteiro ou apenas algumas palavras que não ultrapassem os 140 caracteres; ou para quem quer emitir um símbolo, uma imagem, um ícone daquilo que está pensando. Milhares de vozes que querem ser ouvidas em meio ao rumor do mundo moderno.
Muitas palavras, muito a ser dito e pouco a ser ouvido. Todos querem falar, mas poucos estão dispostos a ouvir ou a colocar-se em atitude de escuta.
Escutar com atenção
Escutar vem do latim ausculto e significa escutar com atenção, ou seja, refere-se não apenas ao processo de decodificar algumas palavras, vai além. Para escutar é necessário fazer silêncio e ouvir o que o outro tem a dizer. Escutar exige sair do próprio mundo para mergulhar no mundo do outro. É uma atitude de alteridade, de altruísmo, que necessita coragem e convicção das próprias opiniões.
Segundo o Papa Francisco: “Escutar é muito mais do que ouvir. Ouvir diz respeito ao âmbito da informação; escutar, ao invés, refere-se ao âmbito da comunicação e requer a proximidade. A escuta permite-nos assumir a atitude justa, saindo da tranquila condição de espectadores, usuários, consumidores. Escutar significa também ser capaz de compartilhar questões e dúvidas, caminhar lado a lado, libertar-se de qualquer presunção de onipotência e colocar, humildemente, as próprias capacidades e dons ao serviço do bem comum”.
Sem escuta não há diálogo, há apenas barulho, sons emitidos sem nada a dizer. Monólogo de quem é incapaz de silenciar o próprio eu. Em um mundo em que não há diálogo cresce a violência, porque o outro, a opinião diferente, se torna um perigo ao meu próprio eu. Uma sociedade violenta é uma sociedade surda, incapaz de ouvir a dor do outro, incapaz de olhar a realidade a partir de outra perspectiva. É uma sociedade doente!
Jesus não tem medo de escutar
Jesus, o nosso modelo de comunicador, muitas vezes começou um diálogo perguntando: “O que queres de mim?”, “Quem dizeis que eu sou?”, “Tu me amas?”. Outras vezes, simplesmente deixava que as pessoas se aproximassem e que o questionassem sobre algo. Jesus, mesmo sabendo muitas coisas, ou, talvez, sabendo tudo o que queria ouvir, colocava-se à escuta, deixava que a palavra do outro soasse em seu coração. Ouvia, inclusive, aqueles que lhe queriam fazer o mal ou que procuravam fazer com que suas palavras o condenassem. Jesus não tem medo de escutar e por isso consegue dar a palavra certa e na hora certa.
É preciso que olhemos para a prática de Jesus como comunicador, como pessoa e, assim, nos deixemos interpelar. Num contexto em que crescem os fundamentalismos, em que grupos de esquerda e de direita se encolerizam por pequenas coisas, em que um não tolera a opinião do outro sem reagir com agressividade, é necessário repensar o modelo de comunicação que estamos vivendo.
Se não conseguimos escutar o que o outro tem a dizer, como conseguiremos escutar os sinais dos tempos? Há um mundo em constantes mudanças, os apelos para a humanidade surgem de todos os lados, se estamos dispostos a ouvir. A escuta da realidade só acontece se deixamos nossos desejos egoístas e limitados de lado.
Escuta e discernimento
Que dizer então da escuta dos apelos de Deus? Deus fala através dos homens e mulheres de hoje, fala através dos fatos, das situações cotidianas, fala também no silêncio do próprio coração. Para ouvir Deus é necessário despojar-se de todas as pretensões e desejos particulares, para ouvir o grande Outro. Se não somos capazes de escutar, também não somos capazes de falar, de comunicar aquilo que vem de Deus. Corremos o risco de nos tornarmos, como diz o Papa Bento XVI, cristãos mudos, que nada têm a dizer sobre o mundo a sua volta.
O mundo precisa de escuta e só na escuta seremos capazes de dizer palavras acertadas e assertivas, sem violência e sem imposição. Que possamos seguir o discipulado de Jesus assim como fez Maria, que escutava e guardava todas as coisas em seu coração. Que ela nos ensine a arte da escuta e do discernimento na hora de falar.
Irmã Márcia Koffermann, FMA, é diretora-executiva da Rede Salesiana Brasil de Comunicação (RSB-Comunicação).