Dom Bosco e o carnaval

Sexta, 05 Fevereiro 2016 17:15 Escrito por  Pe. Marcos Sandrini, SDB
Dom Bosco e o carnaval Escola de Samba Dom Bosco - São Paulo
Em tudo o que há de humano sempre há excessos e faltas. Excesso de alegria e de rigor e falta de alegria e de rigor. Na tradição salesiana de Dom Bosco não há uma fuga do carnaval, mas sua aceitação. Não se aceitam os excessos, mas se vive intensamente este tempo.

A palavra “carnaval” está relacionada à ideia de vivência dos prazeres da carne, marcada pela expressão carnis valles, que acabou por formar a palavra carnaval. Em latim, carnis significa carne e valles significa prazeres. Há outras etimologias para esta palavra, mas para nosso objetivo vamos ficar com a assinalada acima. Após o Carnaval vem o período da Quaresma, que são 40 dias de “jejum, penitência e abstinência de carne”.

O carnaval é o final de um período. Em tudo o que há de humano sempre há excessos e faltas. Excesso de alegria e de rigor e falta de alegria e de rigor. Aristóteles já dizia que a “virtude está no meio”. Para muitas pessoas, carnaval é sinônimo de excesso de tudo o que não presta. Como consequência, fogem dele e criam uma mentalidade anti-carnaval. Na tradição salesiana de Dom Bosco não há uma fuga do carnaval, mas sua aceitação. Não se aceitam os excessos, mas se vive intensamente este tempo. No oratório de Dom Bosco o carnaval sempre foi celebrado com festa e alegria.

 

Festa e gratuidade

A festa não é tempo de eficácia e de eficiência, mas de gratuidade. Festeja-se porque “ninguém é de ferro”. Em uma mentalidade demasiadamente eficientista, para quem “tempo é dinheiro”, o carnaval é perda de tempo. Não há necessidade de criar alternativas para o carnaval. Tem gente que não participa do carnaval e aproveita este tempo para serenar, descansar, conviver... Tem gente que participa do carnaval e o vive na alegria, na dança, na fantasia, no bloco. Não é fácil viver a medianidade – a virtude está no meio, mas também não se pode viver a vida como eterna Quaresma. Há tempo para tudo, já dizia o livro do Eclesiastes. Carnaval é festa. Quaresma é outra coisa... Estruturalmente, festa e alegria não são, mas podem se transformar em pecado. O primeiro milagre de Jesus foi realizado em uma festa, nas Bodas de Caná da Galiléia.

Um ex-aluno salesiano, hoje sacerdote jesuíta, Francisco Taborda, escreveu um livro muito interessante intitulado Sacramentos, práxis e festa. Em uma das passagens, ele afirma que para viver intensamente uma festa são necessários três elementos básicos: um fato valorizado, uma expressão significativa, uma intercomunhão solidária. Tudo isto acontece no carnaval. Há um fato: adeus à carne. Há símbolos: fantasias, músicas, blocos, carros alegóricos. Há comunidade: ninguém celebra sozinho porque há o bloco, há a escola de samba.

 

Festa e anti-festa

Agora, uma festa pode se transformar em anti-festa. Há festas que não são festas, mas sim manifestação do vazio. A vida perdeu seu sentido mais profundo, perdeu seu encanto e seu mistério. Então, para festejar é preciso encontrar refúgios e fugas. Nessas festas temos o excesso de álcool, a droga rolando solta, o sexo sem compromisso. A consequência é a ressaca no dia seguinte. Festejar intensamente também cansa, mas não é preciso ter ressaca. Pessoas cheias de vida, de sentido, com um projeto de vida forte, sabem que festejar é importante. Afinal, até o rei Davi dançou diante da Arca da Aliança.

O carnaval também pode ser uma anti-festa quando se transforma em manifestação de poder. Os romanos já diziam que para o povo é necessário fornecer “pão e circo”. Assim, não pensam na vida e não questionam os projetos diabólicos dos poderosos. Nada acontece no ano novo antes do carnaval. Isto se chama alienação. O certo é que só pode festejar em profundidade quem vive em profundidade. Há festas que não pegam porque não brotam da vida do povo. Elas são criações artificiais dos poderosos.

Finalmente, há a festa do esbanjamento e da ostentação. É possível, sim, celebrar a vida de maneira simples, sóbria e austera. Há festas que no final só deixam dívidas e dor de cabeça. As grandes redes de televisão gostam do fausto, do brilho, das lantejoulas “para inglês ver”. Há pessoas que participam de determinadas festas e depois caem em outra festa porque a primeira só foi ostentação, formalismo e luxo.

 

Festa como manifestação da pessoa toda

A festa e a alegria são absolutamente necessárias na vida das pessoas e das comunidades. Há uma visão de pessoa humana que só a enxerga como uma cabeça a ser enchida de ideias e mãos que produzem lucros. Descartes, pensador francês do século XVII, tem uma expressão que ficou famosa: “ Penso, logo existo”. A pessoa humana e a vida são mais que isso. Poderíamos dizer também: “Sinto, logo existo”. “Amo, logo existo”. “Alegro-me, logo existo”. “Choro, logo existo”. Dom Bosco é mestre nesta arte. Ele afirma que não é possível educação sem cabeça (razão), sem coração (amorevolezza), sem religião (joelhos) e, também, sem mãos (caridade).

Só é capaz de celebrar a vida, viver intensamente o carnaval, quem tem seus sentimentos bem educados. O povo sabe que “só é capaz de rir, quem é capaz de chorar” e vice-versa. Reservar alguns dias para viver a festa e a alegria é importante e faz parte da vida. Depois, entramos no roxo da quaresma também com intensidade não para chorar o carnaval que se foi, mas para aprofundar nossa dinâmica de partilha de vida com os nossos semelhantes com “jejum, penitência e abstinência de carne”.

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Última modificação em Sábado, 14 Março 2020 13:42

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Dom Bosco e o carnaval

Sexta, 05 Fevereiro 2016 17:15 Escrito por  Pe. Marcos Sandrini, SDB
Dom Bosco e o carnaval Escola de Samba Dom Bosco - São Paulo
Em tudo o que há de humano sempre há excessos e faltas. Excesso de alegria e de rigor e falta de alegria e de rigor. Na tradição salesiana de Dom Bosco não há uma fuga do carnaval, mas sua aceitação. Não se aceitam os excessos, mas se vive intensamente este tempo.

A palavra “carnaval” está relacionada à ideia de vivência dos prazeres da carne, marcada pela expressão carnis valles, que acabou por formar a palavra carnaval. Em latim, carnis significa carne e valles significa prazeres. Há outras etimologias para esta palavra, mas para nosso objetivo vamos ficar com a assinalada acima. Após o Carnaval vem o período da Quaresma, que são 40 dias de “jejum, penitência e abstinência de carne”.

O carnaval é o final de um período. Em tudo o que há de humano sempre há excessos e faltas. Excesso de alegria e de rigor e falta de alegria e de rigor. Aristóteles já dizia que a “virtude está no meio”. Para muitas pessoas, carnaval é sinônimo de excesso de tudo o que não presta. Como consequência, fogem dele e criam uma mentalidade anti-carnaval. Na tradição salesiana de Dom Bosco não há uma fuga do carnaval, mas sua aceitação. Não se aceitam os excessos, mas se vive intensamente este tempo. No oratório de Dom Bosco o carnaval sempre foi celebrado com festa e alegria.

 

Festa e gratuidade

A festa não é tempo de eficácia e de eficiência, mas de gratuidade. Festeja-se porque “ninguém é de ferro”. Em uma mentalidade demasiadamente eficientista, para quem “tempo é dinheiro”, o carnaval é perda de tempo. Não há necessidade de criar alternativas para o carnaval. Tem gente que não participa do carnaval e aproveita este tempo para serenar, descansar, conviver... Tem gente que participa do carnaval e o vive na alegria, na dança, na fantasia, no bloco. Não é fácil viver a medianidade – a virtude está no meio, mas também não se pode viver a vida como eterna Quaresma. Há tempo para tudo, já dizia o livro do Eclesiastes. Carnaval é festa. Quaresma é outra coisa... Estruturalmente, festa e alegria não são, mas podem se transformar em pecado. O primeiro milagre de Jesus foi realizado em uma festa, nas Bodas de Caná da Galiléia.

Um ex-aluno salesiano, hoje sacerdote jesuíta, Francisco Taborda, escreveu um livro muito interessante intitulado Sacramentos, práxis e festa. Em uma das passagens, ele afirma que para viver intensamente uma festa são necessários três elementos básicos: um fato valorizado, uma expressão significativa, uma intercomunhão solidária. Tudo isto acontece no carnaval. Há um fato: adeus à carne. Há símbolos: fantasias, músicas, blocos, carros alegóricos. Há comunidade: ninguém celebra sozinho porque há o bloco, há a escola de samba.

 

Festa e anti-festa

Agora, uma festa pode se transformar em anti-festa. Há festas que não são festas, mas sim manifestação do vazio. A vida perdeu seu sentido mais profundo, perdeu seu encanto e seu mistério. Então, para festejar é preciso encontrar refúgios e fugas. Nessas festas temos o excesso de álcool, a droga rolando solta, o sexo sem compromisso. A consequência é a ressaca no dia seguinte. Festejar intensamente também cansa, mas não é preciso ter ressaca. Pessoas cheias de vida, de sentido, com um projeto de vida forte, sabem que festejar é importante. Afinal, até o rei Davi dançou diante da Arca da Aliança.

O carnaval também pode ser uma anti-festa quando se transforma em manifestação de poder. Os romanos já diziam que para o povo é necessário fornecer “pão e circo”. Assim, não pensam na vida e não questionam os projetos diabólicos dos poderosos. Nada acontece no ano novo antes do carnaval. Isto se chama alienação. O certo é que só pode festejar em profundidade quem vive em profundidade. Há festas que não pegam porque não brotam da vida do povo. Elas são criações artificiais dos poderosos.

Finalmente, há a festa do esbanjamento e da ostentação. É possível, sim, celebrar a vida de maneira simples, sóbria e austera. Há festas que no final só deixam dívidas e dor de cabeça. As grandes redes de televisão gostam do fausto, do brilho, das lantejoulas “para inglês ver”. Há pessoas que participam de determinadas festas e depois caem em outra festa porque a primeira só foi ostentação, formalismo e luxo.

 

Festa como manifestação da pessoa toda

A festa e a alegria são absolutamente necessárias na vida das pessoas e das comunidades. Há uma visão de pessoa humana que só a enxerga como uma cabeça a ser enchida de ideias e mãos que produzem lucros. Descartes, pensador francês do século XVII, tem uma expressão que ficou famosa: “ Penso, logo existo”. A pessoa humana e a vida são mais que isso. Poderíamos dizer também: “Sinto, logo existo”. “Amo, logo existo”. “Alegro-me, logo existo”. “Choro, logo existo”. Dom Bosco é mestre nesta arte. Ele afirma que não é possível educação sem cabeça (razão), sem coração (amorevolezza), sem religião (joelhos) e, também, sem mãos (caridade).

Só é capaz de celebrar a vida, viver intensamente o carnaval, quem tem seus sentimentos bem educados. O povo sabe que “só é capaz de rir, quem é capaz de chorar” e vice-versa. Reservar alguns dias para viver a festa e a alegria é importante e faz parte da vida. Depois, entramos no roxo da quaresma também com intensidade não para chorar o carnaval que se foi, mas para aprofundar nossa dinâmica de partilha de vida com os nossos semelhantes com “jejum, penitência e abstinência de carne”.

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