Sussurrando Deus

Quarta, 05 Dezembro 2018 11:19 Escrito por 
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Em seu artigo para os leitores do Boletim Salesiano neste mês de dezembro, o Reitor-mor afirma que “A grande mensagem de Natal, destinada a mudar a face da terra e enchê-la de alegria, é na aparência insignificante: um recém-nascido colocado numa manjedoura. Também nós, com tantos sinais pequenos e delicados, diariamente anunciamos Deus”.  

“Que devo fazer?”, perguntava Dom Bosco ao bom padre Cafasso.

“Anda comigo e vê!”, respondia-lhe o amigo e mestre.

Assim, Dom Bosco foi ao encontro dos jovens na prisão. Aquela experiência perturbou-o: “Dizia comigo mesmo: Estes rapazes deveriam encontrar fora daqui um amigo que se ocupasse deles, que os assistisse, os instruísse, os conduzisse à igreja nos dias festivos…”. Levava pequenos presentes, boas palavras, procurava fazê-los refletir; prometiam ser melhores. Mas quando voltava a encontrar-se com eles, estava tudo como antes. Uma vez, Dom Bosco desatou a chorar.

“Por que chora aquele padre?”, perguntou um dos jovens presos.

“Porque nos quer bem. Também a minha mãe choraria se me visse aqui dentro”.

Era assim o coração de Dom Bosco.

 

Afeto paterno

Para quem não tinha família, para quem se sentia só no mundo, para quem tinha perdido o afeto de alguém que lhe queria bem, para quem nunca tinha conhecido amor e tinha sempre se sentido rejeitado, encontrar-se no afeto paterno de Dom Bosco, materno de mãe Margarida e fraterno da comunidade oratoriana, era reviver ou viver pela primeira vez. Os rapazes não vinham à procura de um padre; vinham à procura do pai, do irmão, do amigo. Uma presença profundamente humana, boa e generosa, de paciência inesgotável, que lhe permitia colocar-se ao serviço do último que chegasse, a qualquer hora do dia ou da noite.

Testemunhou o padre Felice Reviglio: “... permitia-lhes que estivessem sempre ao pé dele, de modo que, mesmo antes de terminar o seu frugal almoço ou jantar, os rapazes entravam no seu pequeno refeitório e rodeavam-no. Apesar do incômodo que devíamos causar-lhe, tolerava com bondade os desabafos do nosso reconhecimento. E eu, talvez porque mais necessitado do seu zelo, pude muitas vezes, reanichando-me debaixo da mesa, colocar a minha cabeça nos seus joelhos”.

E o padre Paolo Albera: “Dom Bosco educava amando, atraindo, conquistando e transformando. Envolvia-nos a todos e por inteiro quase numa atmosfera de contentamento e de felicidade, da qual eram excluídas penas, tristezas, melancolias… Tudo nele tinha para nós uma poderosa atração: o seu olhar penetrante e por vezes mais eficaz do que uma prédica; o simples mover da cabeça; o sorriso que lhe aflorava sempre nos lábios, sempre novo e variadíssimo e, no entanto, sempre calmo; a flexão da boca, como quando se quer falar sem pronunciar as palavras; as palavras mesmas cadenciadas de uma forma em vez de outra; o porte da pessoa e o seu andar ligeiro e ágil: tudo isto exercia influência nos nossos corações juvenis como se fosse um imã a que não era possível furtar-se; e, mesmo que pudéssemos, não o faríamos por todo o ouro do mundo, de tal forma nos sentíamos felizes com este seu singularíssimo modo ascendente sobre nós, que nele era a coisa mais natural, sem intenção nem esforço algum”.

O livro da pedagogia de Dom Bosco é a sua vida.

 

Coragem para testemunhar

Os educadores não se tornam “vigilantes”: são pais, irmãos e amigos que ensinam a pensar, refletir, avaliar. A chave de tudo é a presença no meio dos jovens. Na mente de Dom Bosco a educação transmite-se através do contacto pessoal, quase num intercâmbio de energia. Enquanto pôde, Dom Bosco deixava tudo para estar presente no pátio com os seus rapazes. Para ele era simplesmente o modo de viver a Eucaristia: “Até o meu último suspiro, tudo será para vós”.

No Sínodo em que participei, a voz dos jovens despertou-nos. Com cortesia pediram-nos que tivéssemos mais coragem para testemunhar com a vida aquilo que proclamamos e aquilo em que verdadeiramente acreditamos. Há necessidade de adultos testemunhas e não só dos homens da Igreja, porque no mundo há uma grande falta de paternidade e de maternidade. Devemos continuar a dar respostas, não só nas paróquias, nas escolas, nos oratórios, nos centros juvnenis, nas casas de acolhimento para rapazes da rua… A visão é mais ampla: nestes espaços, que me são familiares como salesiano, pode realizar-se uma verdadeira e autêntica, madura e sã, maternidade e paternidade. Por vezes um educador é amigo, ou deve ser um irmão para os rapazes, mas ser um verdadeiro pai ou mãe para os rapazes é um dos grandes dons que se deve continuar a oferecer. É transmitir a sabedoria da vida.

Na festa de Natal, celebramos a maravilhosa revelação da natureza do Pai, com o qual Jesus é um só. Jesus é Deus e mostra que a sua pessoa é como um menino. Nunca na história sucedeu algo assim. Deus com o rosto de um menino. No centro da nossa fé não há uma ideia, mas verdadeira ternura para com os pequenos, os simples, os espezinhados.

 

Queremos partilhar

Os nossos jovens deveriam ouvir-nos dizer que lhes queremos bem, e que queremos fazer um percurso de vida e de fé juntamente com eles. Devem ouvir que não queremos nem dirigir as suas vidas, nem impor como deveriam viver, mas que queremos partilhar com eles o melhor que temos: Jesus Cristo, o Senhor. Devem ouvir que estamos aqui para eles e, se nos permitirem, para compartilhar a sua felicidade e as suas esperanças, as suas alegrias, as suas dores e as suas lágrimas, a sua confusão ou a sua busca de sentido, a sua vocação, o seu presente e o seu futuro.

Como se demonstra a existência de Deus?

Um menino perguntou à mãe: “Acreditas que Deus existe?”

“Sim”.

“Como é?”.

A mulher apertou o filho a si, abraçou-o com força e disse: “Deus é assim”.

“Compreendi”, disse o menino.

Os jovens devem sentir que estamos a sussurrar-lhes Deus. Talvez não consigamos uma ortodoxia e uma ortopráxis extraordinárias, mas sentirão, através da nossa pequena intermediação, que Jesus os ama e os acolhe sempre.

Então, como Dom Bosco naquelas últimas Missas na Basílica do Sacro Cuore, compreenderemos que terá valido a pena.

 

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Última modificação em Quarta, 05 Dezembro 2018 14:35

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Quarta, 05 Dezembro 2018 11:19 Escrito por 
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Em seu artigo para os leitores do Boletim Salesiano neste mês de dezembro, o Reitor-mor afirma que “A grande mensagem de Natal, destinada a mudar a face da terra e enchê-la de alegria, é na aparência insignificante: um recém-nascido colocado numa manjedoura. Também nós, com tantos sinais pequenos e delicados, diariamente anunciamos Deus”.  

“Que devo fazer?”, perguntava Dom Bosco ao bom padre Cafasso.

“Anda comigo e vê!”, respondia-lhe o amigo e mestre.

Assim, Dom Bosco foi ao encontro dos jovens na prisão. Aquela experiência perturbou-o: “Dizia comigo mesmo: Estes rapazes deveriam encontrar fora daqui um amigo que se ocupasse deles, que os assistisse, os instruísse, os conduzisse à igreja nos dias festivos…”. Levava pequenos presentes, boas palavras, procurava fazê-los refletir; prometiam ser melhores. Mas quando voltava a encontrar-se com eles, estava tudo como antes. Uma vez, Dom Bosco desatou a chorar.

“Por que chora aquele padre?”, perguntou um dos jovens presos.

“Porque nos quer bem. Também a minha mãe choraria se me visse aqui dentro”.

Era assim o coração de Dom Bosco.

 

Afeto paterno

Para quem não tinha família, para quem se sentia só no mundo, para quem tinha perdido o afeto de alguém que lhe queria bem, para quem nunca tinha conhecido amor e tinha sempre se sentido rejeitado, encontrar-se no afeto paterno de Dom Bosco, materno de mãe Margarida e fraterno da comunidade oratoriana, era reviver ou viver pela primeira vez. Os rapazes não vinham à procura de um padre; vinham à procura do pai, do irmão, do amigo. Uma presença profundamente humana, boa e generosa, de paciência inesgotável, que lhe permitia colocar-se ao serviço do último que chegasse, a qualquer hora do dia ou da noite.

Testemunhou o padre Felice Reviglio: “... permitia-lhes que estivessem sempre ao pé dele, de modo que, mesmo antes de terminar o seu frugal almoço ou jantar, os rapazes entravam no seu pequeno refeitório e rodeavam-no. Apesar do incômodo que devíamos causar-lhe, tolerava com bondade os desabafos do nosso reconhecimento. E eu, talvez porque mais necessitado do seu zelo, pude muitas vezes, reanichando-me debaixo da mesa, colocar a minha cabeça nos seus joelhos”.

E o padre Paolo Albera: “Dom Bosco educava amando, atraindo, conquistando e transformando. Envolvia-nos a todos e por inteiro quase numa atmosfera de contentamento e de felicidade, da qual eram excluídas penas, tristezas, melancolias… Tudo nele tinha para nós uma poderosa atração: o seu olhar penetrante e por vezes mais eficaz do que uma prédica; o simples mover da cabeça; o sorriso que lhe aflorava sempre nos lábios, sempre novo e variadíssimo e, no entanto, sempre calmo; a flexão da boca, como quando se quer falar sem pronunciar as palavras; as palavras mesmas cadenciadas de uma forma em vez de outra; o porte da pessoa e o seu andar ligeiro e ágil: tudo isto exercia influência nos nossos corações juvenis como se fosse um imã a que não era possível furtar-se; e, mesmo que pudéssemos, não o faríamos por todo o ouro do mundo, de tal forma nos sentíamos felizes com este seu singularíssimo modo ascendente sobre nós, que nele era a coisa mais natural, sem intenção nem esforço algum”.

O livro da pedagogia de Dom Bosco é a sua vida.

 

Coragem para testemunhar

Os educadores não se tornam “vigilantes”: são pais, irmãos e amigos que ensinam a pensar, refletir, avaliar. A chave de tudo é a presença no meio dos jovens. Na mente de Dom Bosco a educação transmite-se através do contacto pessoal, quase num intercâmbio de energia. Enquanto pôde, Dom Bosco deixava tudo para estar presente no pátio com os seus rapazes. Para ele era simplesmente o modo de viver a Eucaristia: “Até o meu último suspiro, tudo será para vós”.

No Sínodo em que participei, a voz dos jovens despertou-nos. Com cortesia pediram-nos que tivéssemos mais coragem para testemunhar com a vida aquilo que proclamamos e aquilo em que verdadeiramente acreditamos. Há necessidade de adultos testemunhas e não só dos homens da Igreja, porque no mundo há uma grande falta de paternidade e de maternidade. Devemos continuar a dar respostas, não só nas paróquias, nas escolas, nos oratórios, nos centros juvnenis, nas casas de acolhimento para rapazes da rua… A visão é mais ampla: nestes espaços, que me são familiares como salesiano, pode realizar-se uma verdadeira e autêntica, madura e sã, maternidade e paternidade. Por vezes um educador é amigo, ou deve ser um irmão para os rapazes, mas ser um verdadeiro pai ou mãe para os rapazes é um dos grandes dons que se deve continuar a oferecer. É transmitir a sabedoria da vida.

Na festa de Natal, celebramos a maravilhosa revelação da natureza do Pai, com o qual Jesus é um só. Jesus é Deus e mostra que a sua pessoa é como um menino. Nunca na história sucedeu algo assim. Deus com o rosto de um menino. No centro da nossa fé não há uma ideia, mas verdadeira ternura para com os pequenos, os simples, os espezinhados.

 

Queremos partilhar

Os nossos jovens deveriam ouvir-nos dizer que lhes queremos bem, e que queremos fazer um percurso de vida e de fé juntamente com eles. Devem ouvir que não queremos nem dirigir as suas vidas, nem impor como deveriam viver, mas que queremos partilhar com eles o melhor que temos: Jesus Cristo, o Senhor. Devem ouvir que estamos aqui para eles e, se nos permitirem, para compartilhar a sua felicidade e as suas esperanças, as suas alegrias, as suas dores e as suas lágrimas, a sua confusão ou a sua busca de sentido, a sua vocação, o seu presente e o seu futuro.

Como se demonstra a existência de Deus?

Um menino perguntou à mãe: “Acreditas que Deus existe?”

“Sim”.

“Como é?”.

A mulher apertou o filho a si, abraçou-o com força e disse: “Deus é assim”.

“Compreendi”, disse o menino.

Os jovens devem sentir que estamos a sussurrar-lhes Deus. Talvez não consigamos uma ortodoxia e uma ortopráxis extraordinárias, mas sentirão, através da nossa pequena intermediação, que Jesus os ama e os acolhe sempre.

Então, como Dom Bosco naquelas últimas Missas na Basílica do Sacro Cuore, compreenderemos que terá valido a pena.

 

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