Uma noite memorável
Recordo com emoção, como se fosse hoje, a noite de 26 de janeiro de 1854. Após as orações, eu tinha reunido em meu pobre quarto quatro jovens (entre 16 e 20 anos) que há tempo estavam comigo. Estava para lhes propor “uma prova de exercício prático da caridade para com o próximo”. Não podia ir além disso. Se lhes tivesse manifestado a minha intenção de fundar uma congregação religiosa não teria alcançado a finalidade. Eram tempos nos quais, com uma simples canetada, muitos grupos de frades e monjas foram cancelados. Era mais prudente perguntar se queriam ficar comigo para ajudar-me no trabalho com os jovens. Eu seguia o exemplo de Jesus, que aos primeiros discípulos só tinha dito: Venham e vejam. A partir daquela noite chamaram-se “salesianos” pela primeira vez. E com o olhar fixo em São Francisco de Sales, o campeão da bondade e da mansidão evangélica, começamos. Quando estava para ser ordenado, 18 anos antes, eu escolhera entre os propósitos: “A caridade e a doçura de S. Francisco de Sales me guiarão em tudo”. Anos depois, eu confessava: “Se, antes, eu soubesse que fundar uma Sociedade religiosa, custasse tantas dores, cansaços, oposições e contradições, talvez não tivesse a coragem de dar início à obra”.
Um coração a 360º
“O exercício prático da caridade”, que propusera àquele pequeno grupo não ficou no ar. O Sistema Preventivo não era simplesmente o sistema da bondade, mas “a bondade erigida como sistema”. Esta última expressão foi escrita por um salesiano que conheci ainda menino e que eu atendia regularmente em confissão nos últimos anos de minha vida. A base era o amor de Deus revelado por Jesus. Eu amava os jovens porque sabia que Deus os amava. Eu não podia me deter no jovem que tinha diante de mim, mas nele eu devia ver o homem de amanhã. Eis porque o preparava para ser capaz de renúncias e sacrifícios a fim de chegar a ideais elevados e nobres, mas exigia o melhor de cada um. Também porque tinha uma confiança inabalável em suas potencialidades. E sempre me sustentava a esperança; eis porque encorajava os meus colaboradores: “Talvez pareça a alguns de vocês lançarem ao vento os próprios cansaços e desperdiçar os seus suores. No momento, talvez seja assim, mas não o será sempre, nem para aqueles que lhes parecem mais indóceis. Os traços de amorevolezza que usam para com eles, permanecerão impressos em sua mente e em seu coração. Virá o tempo em que a boa semente brotará, lançará suas flores e produzirá seus frutos”.
Nos últimos anos de minha vida, sentia-me recompensado ao ver como conseguira formar um ‘time’ de salesianos, muito diferentes entre si, mas unidos e sintonizados na mesma paixão educativa. Assim, soubera valorizar o entusiasmo ardente e irrequieto de Cagliero, a fidelidade de aço do padre Rua, a afabilidade de Francesia, o vigor jornalístico de Bonetti, a tranquilidade aplacadora de Alasonatti, a fidelidade granítica de Buzzetti, o gênio intelectual de Cerruti, o espírito empreendedor de um ex-garibaldino como Fagnano... Como anos antes, eu soubera canalizar para um novo e inimaginável caminho de santidade juvenil a impetuosidade fogosa de Miguel Magone, o candor de Francisco Besucco, o ascendente apostólico de Domingos Sávio. Rodeara-me de jovens aos quais não tive medo de indicar o caminho fascinante e exigente do compromisso cristão, da honestidade, do amor ao trabalho executado “com nobre precisão”, da alegria serena e contagiante, do sorriso e da paixão pela vida.
Uma educação personalizada
Embora trabalhasse com muitos jovens, a minha pedagogia era sempre personalizada. Eu costumava usar um caderno especial: nele, anotava o perfil de cada garoto, sua índole, as suas reações, alguma falta leve, mas daquelas que fazem o homem prudente ficar alerta, os progressos feitos no estudo e na conduta. Servia-me desse caderno para o acompanhamento pessoal de cada jovem. Eu aconselhava o mesmo método àqueles que eram encarregados do catecismo. Era o Caderno da Experiência. Nele, os catequistas deviam registrar os inconvenientes, as imperfeições acontecidas em todos os lugares. Recomendava-lhes que lessem de vez em quando as observações feitas, as medidas tomadas e os resultados obtidos. Era um trabalho de revisão constante que exigia atenção e presença contínua. Por isso, no Pequeno Tratado sobre o Sistema Preventivo, eu definira o educador como “um indivíduo consagrado ao bem de seus alunos, pronto a enfrentar qualquer contrariedade, qualquer cansaço para obter o seu fim, que é a educação cívica, moral e científica de seus alunos”.
Eu sonhava o educador como “assistente”, aquele que ‘está ao lado’ do jovem, que conhece cada um e pede que cada um o conheça pessoalmente. Justamente como o bom pastor, aquele que conhece as suas ovelhas e é perfeitamente conhecido por elas.