O padre Miguel Rua, quando ainda era jovem, escreveu uma pequena ata, relatando a reunião que fizeram com Dom Bosco, quando passaram a se chamar com o nome de “salesianos”: “Na noite de 26 de janeiro de 1854 nos reunimos no aposento do senhor Dom Bosco, presentes: o mesmo Dom Bosco, Rocchietti, Artiglia, Cagliero e Rua e nos foi proposto fazer, com a ajuda do Senhor e de São Francisco de Sales, uma experiência de exercício prático da caridade para com o próximo, a fim de chegar, com o tempo, a uma promessa e em seguida, se parecer possível e conveniente, fazer um voto ao Senhor. A partir daquela noite foi dado o nome de “salesianos” aos que se propuseram e se proporão tal exercício”.
São muitas as congregações religiosas que seguem a espiritualidade originária de São Francisco de Sales. Nós estamos inseridos nesta grande Família Salesiana, somos conhecidos na Igreja como “Salesianos de Dom Bosco.” E o nome oficial da nossa Congregação é Sociedade de São Francisco de Sales.
Encontro de Dom Bosco com São Francisco de Sales
Surge, então, a curiosa pergunta: como foi o encontro de Dom Bosco com São Francisco de Sales? Não temos uma resposta exata, principalmente no tempo em que Bosco era seminarista e padre novo. Em primeiro lugar, tanto Francisco de Sales como João Bosco eram conterrâneos. Nasceram na Sabóia, que na época do primeiro era um Ducado e, na época do segundo, um Reino. Portanto, os dois são saboianos.
São Francisco de Sales era um santo nacional e padroeiro do Piemonte. Muitas igrejas tinham alguma imagem ou pintura do santo. Todos os seminários do Piemonte têm como titular São Francisco de Sales. Ainda hoje, o seminário de Turim é dedicado a ele. No site do seminário lemos o seguinte: “É o santo padroeiro do nosso seminário de Turim; a ele confiamos o nosso caminho comunitário e o vemos como modelo de vida segundo o espírito”. Na Igreja de São Filipe Néri, em Chieri, havia uma capela dedicada a São Francisco de Sales. Nela está o quadro em frente ao qual Dom Bosco rezou, pedindo a Francisco que o orientasse na escolha da sua vocação. Dom Bosco também fez os retiros em preparação às ordens e ao presbiterato no antigo mosteiro da Visitação de Turim, que era dirigido pelos Vicentinos, seguidores da espiritualidade de São Francisco de Sales.
Seguidor de Francisco de Sales
Os estudos sobre Dom Bosco afirmam que ele conhecia, admirava e se inspirava em São Francisco de Sales, do seminário de Chieri até a sua formação no Colégio Eclesiástico de Turim. Os santos protetores deste colégio eram São Carlos Borromeu e São Francisco de Sales, apresentados aos alunos como modelos de pastores-bispos que tiveram muita relevância na Igreja. O padre Lemoyne afirma que Dom Bosco tinha lido a biografia de São Francisco de Sales escrita pelo padre Pedro Jacinto Gallizia.
Durante o retiro de preparação para a ordenação sacerdotal, Dom Bosco escreveu nove propósitos. No 4º, lemos o seguinte: “A caridade e a doçura de São Francisco de Sales guiar-me-ão em tudo”. Esta seria, com certeza, a chave do seu sistema educativo.
Logo após a sua ordenação, Dom Bosco frequentou o Colégio Eclesiástico, onde um dos diretores era o padre José Cafasso. Com ele, Dom Bosco superou uma espiritualidade centrada em práticas ascéticas e de devoção do temor para uma espiritualidade baseada no amor de Deus e na caridade pastoral pelo próximo: uma espiritualidade salesiana! Segundo Eugênio Valentini, o padre Guala e o padre Cafasso foram os canais pelos quais o espírito de São Francisco de Sales passou para Dom Bosco.
O Oratório de São Francisco de Sales
Quando Dom Bosco iniciou a obra do oratório, ele o chamou de “Oratório de São Francisco de Sales”. Explicou isso nas Memórias do Oratório: “Começou a chamar-se de São Francisco de Sales por duas razões: primeira, porque a marquesa Barolo tencionava fundar uma congregação de sacerdotes sob esse título, e com essa intenção encomendara o quadro do santo que ainda hoje se pode ver à entrada do local; segunda, porque, como tal ministério exige grande calma e mansidão, havíamo-nos colocado sob a proteção deste santo, para que nos alcançasse de Deus a graça de imitá-lo em sua extraordinária mansidão e na conquista das almas. Outra razão era a de colocar-nos sob sua proteção a fim de que do céu nos ajudasse a imitá-lo no combate aos erros contra a religião, especialmente do protestantismo, que começava a insinuar-se insidiosamente nos nossos povoados e sobretudo na cidade de Turim”.
A Obra do Oratório se expandiu e, em 1859, foi fundada a Sociedade de São Francisco de Sales, os Salesianos de Dom Bosco. Até o final da sua vida, Dom Bosco se preocupou em colocar no coração dos seus filhos o espírito salesiano. Em 1880, no 2º Capítulo Geral da Congregação, Dom Bosco lamentava a diminuição desse espírito salesiano nas suas casas, e afirmava: “Também devemos fazer um esforço e encontrar a forma de cultivar o espírito de caridade e de doçura de São Francisco de Sales. Este espírito está enfraquecendo entre nós”.
Afinidades salesianas
Olhando para a figura desses dois grandes santos que se encontraram na história, São Francisco de Sales e São João Bosco, vemos algumas “afinidades”: têm a mesma paixão e caridade pastoral; são infatigáveis anunciadores da Palavra, usando uma linguagem simples, imaginosa e popular; são catequistas convictos; confessores e diretores espirituais, através da santa amizade e do educar e dirigir cristãmente. Ambos foram fundadores e tiveram dificuldades para suas fundações, pois estavam à frente do seu tempo, eram inovadores! Estavam envolvidos na política da sua terra e do seu tempo, realizando tudo com calma interior, igualdade de humor, tranquilidade sorridente. Nunca os obstáculos os desanimaram.
Colocaram no centro de sua atuação apostólica e educativa o amor de Deus. Um amor que é sempre ativo. Para eles, a caridade, antes de ser ação apostólica, é relação pessoal de amor. Por isso exaltaram os valores e as “virtudes” humanas, abriram espaço para a afetividade, a alegria, a cultura e o progresso. Estavam convencidos de que toda pessoa é educável e apelaram ao máximo para os seus dotes interiores: inteligência, liberdade, coração, fé, razão, religião, bondade, com a paciência que sabe esperar e recomeçar. Não pretenderam uma santidade imediata e rígida, e ensinaram uma ascese moderada e a fidelidade cotidiana. Colocaram sua pena a serviço da evangelização, escrevendo obras que ficaram para a posteridade. Valorizaram tudo o que é positivo, nas pessoas, nas coisas e na história.
Tudo isso criou uma visão otimista da vida e do mundo, que se expressou num conjunto de virtudes humanas. Assim, a imagem de São Francisco de Sales contemplada por Dom Bosco, com seu espírito e seu humanismo, é transmitida para a Família Salesiana por ele criada.