Depois do tsunami

Sexta, 15 Outubro 2021 19:29 Escrito por  Pe. Ángel Fernández Artime
A pandemia mudou a forma como nos relacionamos com o mundo, com os outros e com nós mesmos. Precisamos reconstruir e renascer com mais solidariedade e consciência para nos refazermos de uma calamidade silenciosa, marcada pela dor, pelo confinamento, pelo luto, pelo medo. O que faria Dom Bosco hoje?    

Começo com um pequeno conto sapiencial: Um equilibrista havia esticado uma corda, a uma altura considerável, no amplo mercado. Antes haviam se exibido alguns malabaristas, mas o seu espetáculo havia durado mais do que o previsto e a praça ficara envolvida pela obscuridade. A exibição do equilibrista realizar-se-ia sob a luz de um refletor.

 

Na penumbra, o artista não percebeu que um rapazinho o havia tranquilamente seguido para cima pela escadinha e, quando deu os primeiros passos na corda, encontrou-o atrás de si.

 

“Que fazes aqui?”, perguntou-lhe. “Quero andar contigo na corda”. “Não tens medo?” “Enquanto estiver contigo, não”. Os espetadores suspendiam a respiração.

 

O equilibrista pôs o pequeno sobre os ombros e, para o distrair da altura, da obscuridade e do perigo das vertigens, disse-lhe: “Olha como são belas as estrelas lá em cima! Põe os olhos bem fixos nas estrelas!” E enquanto o menino contemplou a luz das estrelas cintilantes, não pensou no perigo dos passos hesitantes sobre a corda fina, na profundidade por baixo deles e deixou-se transportar na corda por toda a largura da praça.

 

Dom Bosco seria o primeiro a “subir à corda” com os adolescentes e os jovens. Seria o primeiro a estar presente, fazendo uso de toda a sua criatividade, capacidade, competências para mover, preventivamente, os jovens na direção da esperança, acreditando neles, dando-lhes protagonismo, falando a cada um da alegria de viver e de crescer em harmonia, formando-os no compromisso corajoso com e para os outros, sobretudo os mais necessitados.

 

Eis a esperança neste tempo: a oportunidade de crescer e aprender juntos como grupos de estudantes, famílias, docentes e especialistas. Devemos valorizar o que ganhamos com esta crise (ambiente melhor, vida mais lenta, estar juntos como família) e como foram criativos e inovadores tantos professores ao responder rápida e eficazmente, por exemplo com o digital.

 

As coisas serão diferentes e nós queremos que sejam. Nada é como antes: a vida, os laços, o espaço e o tempo. Não queremos voltar para onde estávamos, mas queremos mudar para melhor, inovar, criar, acreditar em nós mesmos, nos nossos recursos, na educação como fator de mudança.

 

Precisamos de criatividade para criar novos paradigmas e novas respostas. A audácia de uma vida que é portadora de algo verdadeiramente novo. Precisamos sonhar uma nova vida que se torne realidade, porque a tarefa é árdua e durará muito tempo. Não bastam improvisações, mas a segurança de um testemunho, a alegria da nossa esperança, a segurança do nosso acreditar. Mais do que nunca, a nossa presença e o nosso testemunho são necessários. E mais do que nunca há os jovens que não podemos deixar sós (nunca, mas ainda menos agora!): esperam-nos de braços abertos, para viver mais uma vez a sua vida, com a força de um amor capaz de superar tudo, porque em tudo isto, só o amor pode triunfar! Devemos sonhar de novo o sonho dos jovens.

 

Espero que tenhamos aprendido a estar mais conscientes da conexão humana, mais determinados a educar bem todas as crianças e os jovens, mais conscientes do poder da amabilidade humana e mais concentrados em trabalhar com as famílias e as organizações para educar para o futuro.

 

Com método salesiano, isso significa:

 

Acolhimento completo e cordial

Os diálogos de Dom Bosco com os jovens revelam a sua capacidade de acolhimento pleno e cordial, elemento fundamental da relação educativa salesiana. Num modelo de comunicação informal, situacional e amigável, Dom Bosco chega ao coração, superando as barreiras de “distanciamento social” (“Faz com que todos aqueles que falam contigo se tornem teus amigos” - MB X, 1085) e deste modo todos se sintam acolhidos e amados (“cada rapaz sentia-se o preferido de Dom Bosco”). No crescimento humano, o importante é que o indivíduo seja protagonista da sua vida e da sua história.

 

Sintonia e abertura empática

Dom Bosco recomenda aos seus salesianos a proximidade aos jovens, rica de atenções e de gentileza.

 

Conhecimento do jovem e das suas possibilidades

Segundo a pedagogia de Dom Bosco, o jovem pode sempre encontrar dentro de si recursos pessoais que, postos em jogo, juntamente com a “graça”, o levam a propor e atingir novas metas de melhoria e conquista de si.

 

Experiência educativa e pastoral na vida cotidiana

O acompanhamento educativo realiza-se na vida cotidiana do pátio, por exemplo, o espaço (informal) por excelência para conhecer e acompanhar os jovens. O extraordinário acontece no ordinário. Nos momentos de trabalho e de diversão, é numa relação de conhecimento recíproco, muitas vezes também de intensa amizade, que se prepara para a confiança, para a dedicação e para a docilidade (“Faz-te amar, não temer”).

 

Ambiente educativo e estilo familiar

Procurando imitar aquilo que experimentava na sua família, Dom Bosco quis transferir este espírito familiar para a vida cotidiana de Valdocco. A convivência entre os educadores e as crianças devia ser semelhante à dos pais com seus filhos.

A tecnologia não pode substituir os docentes; a educação continuará (como deveria ser) uma atividade de alta intensidade e de interação humana. No futuro, o desafio principal será, portanto, o de encontrar o justo equilíbrio entre sustentar a adoção de instrumentos digitais e continuar a investir no fator humano.

 

A prevenção como sistema

O conceito de “prevenção” adotado por Dom Bosco não é de natureza puramente “assistencial” e “protetora”. É “promocional”, visa o “aumento de potência” para superar os fatores negativos que podem destruir a pessoa.

No caso da Covid-19, são necessárias novas estratégias educativas para sensibilizar e preparar os estudantes, que serão os futuros cidadãos, para buscar soluções que tenham em conta o respeito pela vida, pelo desenvolvimento sustentável e pelo compromisso ético.

 

O acompanhamento pessoal como direção espiritual: a santidade

O educador de Dom Bosco não se limita ao humano, mas vai ao espiritual. O seu fim é a felicidade total (“o Paraíso”). E para este fim vai “até à temeridade”: andar na corda bamba é sempre difícil e arriscado, mas, sobre os ombros de Dom Bosco, avançamos sem medo para o futuro. Tendo os olhos bem fixos nas estrelas do céu.

Avalie este item
(0 votos)
Última modificação em Quarta, 03 Novembro 2021 19:32

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.


Depois do tsunami

Sexta, 15 Outubro 2021 19:29 Escrito por  Pe. Ángel Fernández Artime
A pandemia mudou a forma como nos relacionamos com o mundo, com os outros e com nós mesmos. Precisamos reconstruir e renascer com mais solidariedade e consciência para nos refazermos de uma calamidade silenciosa, marcada pela dor, pelo confinamento, pelo luto, pelo medo. O que faria Dom Bosco hoje?    

Começo com um pequeno conto sapiencial: Um equilibrista havia esticado uma corda, a uma altura considerável, no amplo mercado. Antes haviam se exibido alguns malabaristas, mas o seu espetáculo havia durado mais do que o previsto e a praça ficara envolvida pela obscuridade. A exibição do equilibrista realizar-se-ia sob a luz de um refletor.

 

Na penumbra, o artista não percebeu que um rapazinho o havia tranquilamente seguido para cima pela escadinha e, quando deu os primeiros passos na corda, encontrou-o atrás de si.

 

“Que fazes aqui?”, perguntou-lhe. “Quero andar contigo na corda”. “Não tens medo?” “Enquanto estiver contigo, não”. Os espetadores suspendiam a respiração.

 

O equilibrista pôs o pequeno sobre os ombros e, para o distrair da altura, da obscuridade e do perigo das vertigens, disse-lhe: “Olha como são belas as estrelas lá em cima! Põe os olhos bem fixos nas estrelas!” E enquanto o menino contemplou a luz das estrelas cintilantes, não pensou no perigo dos passos hesitantes sobre a corda fina, na profundidade por baixo deles e deixou-se transportar na corda por toda a largura da praça.

 

Dom Bosco seria o primeiro a “subir à corda” com os adolescentes e os jovens. Seria o primeiro a estar presente, fazendo uso de toda a sua criatividade, capacidade, competências para mover, preventivamente, os jovens na direção da esperança, acreditando neles, dando-lhes protagonismo, falando a cada um da alegria de viver e de crescer em harmonia, formando-os no compromisso corajoso com e para os outros, sobretudo os mais necessitados.

 

Eis a esperança neste tempo: a oportunidade de crescer e aprender juntos como grupos de estudantes, famílias, docentes e especialistas. Devemos valorizar o que ganhamos com esta crise (ambiente melhor, vida mais lenta, estar juntos como família) e como foram criativos e inovadores tantos professores ao responder rápida e eficazmente, por exemplo com o digital.

 

As coisas serão diferentes e nós queremos que sejam. Nada é como antes: a vida, os laços, o espaço e o tempo. Não queremos voltar para onde estávamos, mas queremos mudar para melhor, inovar, criar, acreditar em nós mesmos, nos nossos recursos, na educação como fator de mudança.

 

Precisamos de criatividade para criar novos paradigmas e novas respostas. A audácia de uma vida que é portadora de algo verdadeiramente novo. Precisamos sonhar uma nova vida que se torne realidade, porque a tarefa é árdua e durará muito tempo. Não bastam improvisações, mas a segurança de um testemunho, a alegria da nossa esperança, a segurança do nosso acreditar. Mais do que nunca, a nossa presença e o nosso testemunho são necessários. E mais do que nunca há os jovens que não podemos deixar sós (nunca, mas ainda menos agora!): esperam-nos de braços abertos, para viver mais uma vez a sua vida, com a força de um amor capaz de superar tudo, porque em tudo isto, só o amor pode triunfar! Devemos sonhar de novo o sonho dos jovens.

 

Espero que tenhamos aprendido a estar mais conscientes da conexão humana, mais determinados a educar bem todas as crianças e os jovens, mais conscientes do poder da amabilidade humana e mais concentrados em trabalhar com as famílias e as organizações para educar para o futuro.

 

Com método salesiano, isso significa:

 

Acolhimento completo e cordial

Os diálogos de Dom Bosco com os jovens revelam a sua capacidade de acolhimento pleno e cordial, elemento fundamental da relação educativa salesiana. Num modelo de comunicação informal, situacional e amigável, Dom Bosco chega ao coração, superando as barreiras de “distanciamento social” (“Faz com que todos aqueles que falam contigo se tornem teus amigos” - MB X, 1085) e deste modo todos se sintam acolhidos e amados (“cada rapaz sentia-se o preferido de Dom Bosco”). No crescimento humano, o importante é que o indivíduo seja protagonista da sua vida e da sua história.

 

Sintonia e abertura empática

Dom Bosco recomenda aos seus salesianos a proximidade aos jovens, rica de atenções e de gentileza.

 

Conhecimento do jovem e das suas possibilidades

Segundo a pedagogia de Dom Bosco, o jovem pode sempre encontrar dentro de si recursos pessoais que, postos em jogo, juntamente com a “graça”, o levam a propor e atingir novas metas de melhoria e conquista de si.

 

Experiência educativa e pastoral na vida cotidiana

O acompanhamento educativo realiza-se na vida cotidiana do pátio, por exemplo, o espaço (informal) por excelência para conhecer e acompanhar os jovens. O extraordinário acontece no ordinário. Nos momentos de trabalho e de diversão, é numa relação de conhecimento recíproco, muitas vezes também de intensa amizade, que se prepara para a confiança, para a dedicação e para a docilidade (“Faz-te amar, não temer”).

 

Ambiente educativo e estilo familiar

Procurando imitar aquilo que experimentava na sua família, Dom Bosco quis transferir este espírito familiar para a vida cotidiana de Valdocco. A convivência entre os educadores e as crianças devia ser semelhante à dos pais com seus filhos.

A tecnologia não pode substituir os docentes; a educação continuará (como deveria ser) uma atividade de alta intensidade e de interação humana. No futuro, o desafio principal será, portanto, o de encontrar o justo equilíbrio entre sustentar a adoção de instrumentos digitais e continuar a investir no fator humano.

 

A prevenção como sistema

O conceito de “prevenção” adotado por Dom Bosco não é de natureza puramente “assistencial” e “protetora”. É “promocional”, visa o “aumento de potência” para superar os fatores negativos que podem destruir a pessoa.

No caso da Covid-19, são necessárias novas estratégias educativas para sensibilizar e preparar os estudantes, que serão os futuros cidadãos, para buscar soluções que tenham em conta o respeito pela vida, pelo desenvolvimento sustentável e pelo compromisso ético.

 

O acompanhamento pessoal como direção espiritual: a santidade

O educador de Dom Bosco não se limita ao humano, mas vai ao espiritual. O seu fim é a felicidade total (“o Paraíso”). E para este fim vai “até à temeridade”: andar na corda bamba é sempre difícil e arriscado, mas, sobre os ombros de Dom Bosco, avançamos sem medo para o futuro. Tendo os olhos bem fixos nas estrelas do céu.

Avalie este item
(0 votos)
Última modificação em Quarta, 03 Novembro 2021 19:32

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.