Uma vez Benim se chamava Daomé e era conhecido pela qualidade dos seus escravos. Mas... os escravos são ainda o principal produto de exportação do país: só mudou a idade (hoje são crianças), o meio de transporte (carro) e o destino (Nigéria). (...)
Joel: "Nos guetos de Cotonou cada um tem a sua especialidade: a nossa era raptar crianças. E o fazíamos à noite, aqui no bairro, entre os meninos de rua ou nos povoados fora de mão". (...)
July: "Nunca vou esquecer do que me aconteceu. Os meus pais tinham lá os seus problemas. Um dia meu pai me disse: ‘Amanhã virá comigo. Vamos visitar a avó na Nigéria". (...)
Depois de trabalhar duro para manter-se a si mesmo e à avó, esta um dia o vendeu por 30.000 nairas (135 euros) a um casal, para o qual deveria trabalhar como escravo: "É preciso sofrer hoje e esperar que se tenha alguma coisa amanhã", foram as últimas palavras que ele ouviu da velha avó.
July: "Acordava todas as manhãs às cinco e devia fazer todos os trabalhos de casa, levar os seus filhos à escola. Em seguida, ia vender água no mercado, por 10/12 horas. Às vezes até à noite". (...)
Joel: "Vender crianças não impressionava ninguém, Afinal eram quase sempre meninos de rua, algo como se já estivessem... mortos. Alguns seriam mortos: levavam-nos para a Nigéria e lá os matavam, usando a cabeça e o coração para os ritos vodus. (...)
Joel: "A gangue era eficiente: alguns ficavam na Nigéria para fazer os contatos com os compradores. Havia também dois policiais de Benim. Forneciam-nos até o uniforme da polícia, assim não nos devíamos preocupar". (...)
Na nova casa July era maltratado. Quando certa vez ali desapareceu algum dinheiro, foi também torturado. Entregue como escravo a um dos filhos do casal, foram muitas as vezes em que levou boas surras. Após algumas tentativas, conseguiu fugir, tornando-se um menino de rua. Certo dia, reconhecido por policiais nigerianos, foi reentregue aos colegas beninenses, os quais, como de praxe, o confiaram aos Salesianos que, em Benim, são praticamente a única organização não governamental em condições de administrar casos desse teor (e já o fazem há 20 anos com uma rede de albergues e alojamentos espalhados por todo o país, além de um grupo de homens que, arriscando a própria salvaguarda, patrulham os mercados no lugar da polícia para desmascarar os traficantes). (...)
Hoje July está para se formar alfaiate e fala corretamente o francês que, vendo-se escravo antes de começar a ir à escola, nunca o pudera estudar antes.
Também Joël neste meio tempo mudou de vida ao tornar-se pai: "Olhava para meus filhos e pensava: que sentiria se alguém viesse os levar embora?".
Ambos estão entre os cerca de 3300 crianças e adolescentes resgatados do tráfico, pelos Salesianos só em 2014...