Educar apesar das fragilidades

Quinta, 26 Junho 2025 14:52 Escrito por  Pe. Fabio Attard – Reitor-Mor dos Salesianos
O encontro de Jesus com Pedro ilumina e representa com uma luz especial a nossa missão de evangelizadores e educadores.

 

No último capítulo do Evangelho de João, o capítulo 21, é apresentado o encontro de Jesus com Pedro. Trata-se de um diálogo que se constrói em torno de três perguntas para depois terminar com um mandato (Jo 21, 15-23). Gostaria de comentar esse encontro que projeta uma luz especial sobre a nossa missão de evangelizadores e educadores. É uma passagem que apresenta um momento fundamental na vida de Pedro e também na missão da Igreja nascente. Para nós, que estamos empenhados na missão salesiana, é também rico de significados educativos e pastorais.

Depois da ressurreição, Jesus manifesta-se aos discípulos no lago de Tiberíades e, depois de ter partilhado uma refeição com eles, dirige-se a Simão Pedro com três perguntas seguidas que se referem à relação direta entre Ele e Pedro: “Simão, filho de João, você me ama?”. Nas primeiras duas perguntas aquilo que Jesus pede é um amor exigente que não olha os custos. Esta pergunta feita duas vezes a Pedro torna-se desafiante. Ele está consciente da fraqueza causada pela sua traição. Por isso, por duas vezes, a sua resposta é aquela que testemunha o seu amor, mas o mais humano, aquele que é frágil. Jesus, perante essas duas respostas, confia-lhe o mesmo, o cuidado do seu rebanho.

É a terceira pergunta que põe Pedro em crise porque Jesus pede a Pedro precisamente o compromisso naquele amor de que ele é capaz: o amor humano com as suas fraquezas, fragilidades e limitações. Podemos dizer que Jesus chama Pedro a um amor “alto”, mas não quer colocá-lo em situação de impossibilidade, de desanimar.

Pedro, por sua vez, dá-se conta quer do fato de que o seu amor é frágil, quer do fato de que Jesus faz todo o possível para o ajudar a não ceder. Deseja ser sincero e ficar junto de Jesus. E a sua resposta à terceira pergunta é um testemunho de como o seu coração, mesmo ferido, quer ser colocado todo nas mãos de Jesus: “Senhor, tu conheces tudo, e sabes que eu te amo” (v.17).

Descobrimos então que não é só um tríplice diálogo que recorda e supera a tríplice negação de Pedro antes da Paixão. Aqui temos um exemplo de um diálogo que marca um percurso baseado no seu amor verdadeiro, que favorece a reconciliação, anima ao crescimento e à responsabilidade, para consigo mesmo e para com os outros. Entrevemos como esse diálogo entre Jesus e Pedro é um modelo de educação espiritual e humana.

Eis algumas observações que servem para nós que acompanhamos as crianças e os jovens no crescimento e amadurecimento da sua vida.

 

O verdadeiro amor baseia-se naquela confiança que nunca falta

Depois da traição, Jesus não só perdoa Pedro, mas vai além disso: confia-lhe uma responsabilidade ainda maior. Isto para nós representa uma extraordinária lição educativa: a confiança dada é uma renovada confirmação do respeito que se tem pela pessoa. Um amor que confere dignidade e responsabiliza. Jesus não se limita a perdoar, mas restitui a Pedro a sua missão, enriquecida com uma nova consciência da mesma.

 

O respeito pelos tempos e pelos percursos individuais

À traição de Pedro, previamente anunciada por Jesus, não se segue a habitual reação “eu já tinha dito!”. Jesus “vê” a traição, mas “vê” também para além dela. O amor de Jesus é um amor que conhece a fragilidade humana, mas tem a força de suscitar, a partir do interior do coração ferido, a semente de bondade. E esta semente nunca desaparece. Aquilo a que Dom Bosco chamou o ponto sensível no coração de cada jovem que vemos como Jesus o encontra e faz todo o possível para que emerja. O mal cometido nunca deve ter a última palavra. A última palavra deve tê-la só o amor, a caridade do bom pastor.

Isto significa ter paciência e respeito pelos tempos. A experiência ensina-nos que, muitas vezes, o mal cometido só precisa ser encontrado com afeto, paciência e compaixão. Especialmente os meninos e os jovens, e Dom Bosco comenta isto muito bem quando fala do Sistema Preventivo. O momento em que os meninos e os jovens se sentem envolvidos por um amor maduro e adulto, que facilita e não condena, que escuta e não dá ordens, é o momento em que descobrem aquela bondade escondida, mas presente para o bem. É uma mola que desencadeia surpresas de bondade que muitas vezes ou é esquecida ou é anulada por experiências negativas vividas e/ou sofridas.

Como é urgente hoje que os nossos meninos e jovens encontrem adultos, pais e educadores e educadoras sãos e maduros, pacientes e com visão ampla! Autênticos são aqueles percursos que respeitam a unicidade da pessoa, com as suas fragilidades, mas também com as suas potencialidades. Somos verdadeiros benfeitores quando conseguimos ver o tempo como espaço de crescimento gradual e consistente. É uma atitude que evita propor, ou, pior ainda, impor modelos estandardizados que colocam as pessoas em caixas.

 

A comparação e a tentação do confronto

Quase no fim do encontro entre Jesus e Pedro há um pormenor que gostaria de comentar. Pedro pergunta a Jesus por João: “Senhor, o que vai acontecer a ele?”. E Jesus dá um corte direto, como dizemos hoje: “Se Eu quero que ele viva até que eu venha, o que é que você tem com isso?”.

Uma resposta muito seca, e é também uma bela lição para Pedro. Em poucas palavras, Jesus convida Pedro a concentrar-se no seu próprio crescimento sem fazer perguntas curiosas e inúteis sobre outros. E tal resposta “seca” é também para nós! Ser responsável e ajudar na responsabilidade de si mesmo implica também clarificar os parâmetros a fim de que o processo de crescimento não esmoreça. Porque o perigo do confronto e da comparação com os outros é deletério. O verdadeiro caminho educativo é pessoal, e não competitivo. Desviar a atenção de si mesmo para observar os outros, desvia da atenção ao próprio caminho.

 

Conclusão: a educação como relação de amor que gera futuro

O trecho culmina com o convite “Quanto a você, siga-me”. Nestas poucas palavras está resumida a essência do processo educativo cristão: o seguimento pessoal, a relação direta com o Mestre. A educação autêntica não é transmissão de noções, mas introdução a uma relação viva.

O tríplice “você me ama?” revela que o amor é o fundamento de toda a autêntica relação educativa. Só quando o educador ama verdadeiramente o educando, e o educando responde com amor, se cria aquele espaço de liberdade e confiança em que a pessoa pode crescer plenamente. A educação cristã, a experiência salesiana, encontra neste trecho um modelo sublime: um processo de transformação baseado no amor, no perdão, na confiança e no respeito à liberdade.

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Educar apesar das fragilidades

Quinta, 26 Junho 2025 14:52 Escrito por  Pe. Fabio Attard – Reitor-Mor dos Salesianos
O encontro de Jesus com Pedro ilumina e representa com uma luz especial a nossa missão de evangelizadores e educadores.

 

No último capítulo do Evangelho de João, o capítulo 21, é apresentado o encontro de Jesus com Pedro. Trata-se de um diálogo que se constrói em torno de três perguntas para depois terminar com um mandato (Jo 21, 15-23). Gostaria de comentar esse encontro que projeta uma luz especial sobre a nossa missão de evangelizadores e educadores. É uma passagem que apresenta um momento fundamental na vida de Pedro e também na missão da Igreja nascente. Para nós, que estamos empenhados na missão salesiana, é também rico de significados educativos e pastorais.

Depois da ressurreição, Jesus manifesta-se aos discípulos no lago de Tiberíades e, depois de ter partilhado uma refeição com eles, dirige-se a Simão Pedro com três perguntas seguidas que se referem à relação direta entre Ele e Pedro: “Simão, filho de João, você me ama?”. Nas primeiras duas perguntas aquilo que Jesus pede é um amor exigente que não olha os custos. Esta pergunta feita duas vezes a Pedro torna-se desafiante. Ele está consciente da fraqueza causada pela sua traição. Por isso, por duas vezes, a sua resposta é aquela que testemunha o seu amor, mas o mais humano, aquele que é frágil. Jesus, perante essas duas respostas, confia-lhe o mesmo, o cuidado do seu rebanho.

É a terceira pergunta que põe Pedro em crise porque Jesus pede a Pedro precisamente o compromisso naquele amor de que ele é capaz: o amor humano com as suas fraquezas, fragilidades e limitações. Podemos dizer que Jesus chama Pedro a um amor “alto”, mas não quer colocá-lo em situação de impossibilidade, de desanimar.

Pedro, por sua vez, dá-se conta quer do fato de que o seu amor é frágil, quer do fato de que Jesus faz todo o possível para o ajudar a não ceder. Deseja ser sincero e ficar junto de Jesus. E a sua resposta à terceira pergunta é um testemunho de como o seu coração, mesmo ferido, quer ser colocado todo nas mãos de Jesus: “Senhor, tu conheces tudo, e sabes que eu te amo” (v.17).

Descobrimos então que não é só um tríplice diálogo que recorda e supera a tríplice negação de Pedro antes da Paixão. Aqui temos um exemplo de um diálogo que marca um percurso baseado no seu amor verdadeiro, que favorece a reconciliação, anima ao crescimento e à responsabilidade, para consigo mesmo e para com os outros. Entrevemos como esse diálogo entre Jesus e Pedro é um modelo de educação espiritual e humana.

Eis algumas observações que servem para nós que acompanhamos as crianças e os jovens no crescimento e amadurecimento da sua vida.

 

O verdadeiro amor baseia-se naquela confiança que nunca falta

Depois da traição, Jesus não só perdoa Pedro, mas vai além disso: confia-lhe uma responsabilidade ainda maior. Isto para nós representa uma extraordinária lição educativa: a confiança dada é uma renovada confirmação do respeito que se tem pela pessoa. Um amor que confere dignidade e responsabiliza. Jesus não se limita a perdoar, mas restitui a Pedro a sua missão, enriquecida com uma nova consciência da mesma.

 

O respeito pelos tempos e pelos percursos individuais

À traição de Pedro, previamente anunciada por Jesus, não se segue a habitual reação “eu já tinha dito!”. Jesus “vê” a traição, mas “vê” também para além dela. O amor de Jesus é um amor que conhece a fragilidade humana, mas tem a força de suscitar, a partir do interior do coração ferido, a semente de bondade. E esta semente nunca desaparece. Aquilo a que Dom Bosco chamou o ponto sensível no coração de cada jovem que vemos como Jesus o encontra e faz todo o possível para que emerja. O mal cometido nunca deve ter a última palavra. A última palavra deve tê-la só o amor, a caridade do bom pastor.

Isto significa ter paciência e respeito pelos tempos. A experiência ensina-nos que, muitas vezes, o mal cometido só precisa ser encontrado com afeto, paciência e compaixão. Especialmente os meninos e os jovens, e Dom Bosco comenta isto muito bem quando fala do Sistema Preventivo. O momento em que os meninos e os jovens se sentem envolvidos por um amor maduro e adulto, que facilita e não condena, que escuta e não dá ordens, é o momento em que descobrem aquela bondade escondida, mas presente para o bem. É uma mola que desencadeia surpresas de bondade que muitas vezes ou é esquecida ou é anulada por experiências negativas vividas e/ou sofridas.

Como é urgente hoje que os nossos meninos e jovens encontrem adultos, pais e educadores e educadoras sãos e maduros, pacientes e com visão ampla! Autênticos são aqueles percursos que respeitam a unicidade da pessoa, com as suas fragilidades, mas também com as suas potencialidades. Somos verdadeiros benfeitores quando conseguimos ver o tempo como espaço de crescimento gradual e consistente. É uma atitude que evita propor, ou, pior ainda, impor modelos estandardizados que colocam as pessoas em caixas.

 

A comparação e a tentação do confronto

Quase no fim do encontro entre Jesus e Pedro há um pormenor que gostaria de comentar. Pedro pergunta a Jesus por João: “Senhor, o que vai acontecer a ele?”. E Jesus dá um corte direto, como dizemos hoje: “Se Eu quero que ele viva até que eu venha, o que é que você tem com isso?”.

Uma resposta muito seca, e é também uma bela lição para Pedro. Em poucas palavras, Jesus convida Pedro a concentrar-se no seu próprio crescimento sem fazer perguntas curiosas e inúteis sobre outros. E tal resposta “seca” é também para nós! Ser responsável e ajudar na responsabilidade de si mesmo implica também clarificar os parâmetros a fim de que o processo de crescimento não esmoreça. Porque o perigo do confronto e da comparação com os outros é deletério. O verdadeiro caminho educativo é pessoal, e não competitivo. Desviar a atenção de si mesmo para observar os outros, desvia da atenção ao próprio caminho.

 

Conclusão: a educação como relação de amor que gera futuro

O trecho culmina com o convite “Quanto a você, siga-me”. Nestas poucas palavras está resumida a essência do processo educativo cristão: o seguimento pessoal, a relação direta com o Mestre. A educação autêntica não é transmissão de noções, mas introdução a uma relação viva.

O tríplice “você me ama?” revela que o amor é o fundamento de toda a autêntica relação educativa. Só quando o educador ama verdadeiramente o educando, e o educando responde com amor, se cria aquele espaço de liberdade e confiança em que a pessoa pode crescer plenamente. A educação cristã, a experiência salesiana, encontra neste trecho um modelo sublime: um processo de transformação baseado no amor, no perdão, na confiança e no respeito à liberdade.

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