Salesiano missionário nascido em Chiusa di Pésio, uma comuna italiana, padre Bartolomeo Giaccaria completará 91 anos em setembro deste ano. Seu chamado vocacional começa, antes de tudo, no ardor missionário. Dos 62 anos de sacerdócio, mais da metade foram dedicados ao trabalho junto aos indígenas Xavante, nas missões de Sangradouro, São Marcos e Nova Xavantina, MT. Trabalhou tanto no atendimento assistencial e pastoral, quanto no desenvolvimento da pesquisa científica sobre cultura e língua, tendo, inclusive, sido um dos tradutores do Catecismo e do Missal Romano na língua Xavante.
Desde muito cedo, padre Giaccaria sentiu o chamado à vocação missionária. Chegou ao Brasil em 29 de novembro de 1954, após uma longa viagem que durou quase um mês. Dois anos depois, estava na Missão de Sangradouro quando por lá chegou o primeiro grupo de indígenas Xavante. “Em 1956, na missão de Sangradouro, tive meu primeiro contato com os Xavante. Antes, ainda viviam isolados, havia apenas contatos esporádicos. Era um grupo de 40-50 pessoas, cheio de doenças contraídas pelo contato com brancos. Eles foram desaparecendo, ao todo foram reduzidos a 900 pessoas. Então nós cuidamos deles, ajudamos, colocamos na escola, fizemos um trabalho de aproximar eles”, contou padre Giaccaria ao “Missioni Don Bosco”.
Padre Giaccaria deixou a comunidade de Nova Xavantina, MT, em 2020, para realizar tratamento de saúde na Comunidade Salesiana do Paulo VI, em Campo Grande, MS.
Como o senhor descobriu sua vocação ao sacerdócio?
Padre Bartolomeo Giaccaria – A vocação sacerdotal eu não sei, mas eu descobri desde pequeno que tinha uma vocação, um desejo de ser missionário. A coisa principal era ser missionário. Eu via as revistas de cunho missionário de chegavam em casa e ficou marcada em mim aquela ideia. Nunca havia falado sobre isso para os outros, apenas tinha esse desejo. Isso foi desde muito pequeno, quando comecei a ler, mas depois, um tio meu que era sacerdote me perguntou se eu não queria ser Salesiano. Além disso, eu tinha três tias que eram Filhas de Maria Auxiliadora e pude conhecer muitos Salesianos.
Como conheceu a história de Dom Bosco?
Pe. Giaccaria – Pelo Boletim Salesiano, pelo que se contava na revista. O lugar onde nasci fica perto de Piemonte, perto de Turim. Então, Dom Bosco, era tudo. Havia muitíssimos Salesianos na região. Pude conhecer as histórias que se contava a respeito de Dom Bosco, depois estudei nos mesmos lugares onde Dom Bosco estudou. Tanto que sempre íamos até a casa de Dom Bosco a pé, todos os anos. Inclusive, para começar nestes estudos, tive que atrasar três anos para iniciar, por conta da guerra.
Como foi o primeiro contato com os indígenas quando chegou ao Brasil?
Pe. Giaccaria – Pela Providência Divina e pelas obediências, acabei chegando nas missões do Mato Grosso. Fiquei dois anos em Campo Grande. Depois, visitei a missão de Sangradouro e, como a região tinha um clima melhor, me mandaram ficar por lá trabalhando na assistência do internato que atendia apenas os Boe-Bororo. Em fevereiro de 1956, chegou o primeiro grupo de indígenas Xavante. Naquele mesmo dia eu deveria voltar para Campo Grande, pois havia terminado o meu trabalho, mas, como não havia quem me substituísse, acabei ficando por lá. Precisei deixar as aulas e acompanhar os Xavante na roça, a pedido do diretor. Ia com a enxada, mas também com um caderninho. Ao fim do ano, eu já havia anotado dois mil verbetes da língua Xavante. Assim pude conhecer e entender a língua.
O que mais o encanta na atividade missionária?
Pe. Giaccaria – Há muitas dificuldades, mas tem o contato com as pessoas, com a natureza. Eu aprendi mais sobre Teologia olhando o cerrado, olhando as flores, olhando os animais. Na missão há muito mais tempo para pensar do que lendo os livros de Teologia. Sair de uma realidade mais ou menos civilizada para outra realidade muito diferente, ter esse contato aberto com a natureza, com as pessoas, ajuda muito a trocar a mentalidade. Eu mudei muito o meu modo de falar, de pensar. Quando conheci os Xavante, eu pensava: “Tenho que convertê-los”, mas depois percebi que primeiro eu tinha que converter a mim, para depois anunciar às pessoas. Me ajudou a entender as pessoas e o modo de ser dos outros.
É muito difícil falar de Jesus Cristo para os indígenas?
Pe. Giaccaria – Não é difícil. Eles se identificam e veem a vida deles refletida na Bíblia. Gostam muito de aprender e passam horas com a Bíblia. Têm sede de Deus. Deus está em toda parte e tudo que eles fazem é religião, é tudo na presença de Deus. São muito místicos, mas são um povo cheio de simplicidade. Um povo autêntico.
O que o senhor considera importante para um sacerdote hoje? Qual conselho daria a um rapaz que deseja ser padre?
Pe. Giaccaria – Ser aberto às pessoas. Se deixar conhecer por outras pessoas e aceitá-las. Eu aconselharia que ele pense bem a própria vocação e que se lembre sempre de que é necessário se doar aos outros. Se um padre não é missionário, ele não é padre. Missão quer dizer “levar alguma coisa para os outros”, levar Jesus, levar outras pessoas.
Como avalia todo esse tempo de vida missionária? O senhor faria tudo de novo?
Pe. Giaccaria – Eu vivi todo o período de crise da Igreja. Fui ordenado antes do Concílio (Vaticano II), depois muita coisa mudou. Houve um período em que nós, missionários, éramos considerados como bandidos, como destruidores. Tínhamos que continuar trabalhando e não sabíamos como seria o depois. É uma caminhada que se fez. O que eu pensava antes, agora está tudo diferente. Mas eu faria tudo de novo, por que não? Eu não escolhi nada, então, naturalmente, faria tudo de novo.