São Francisco de Sales: O chamado à santidade no amor

Segunda, 28 Fevereiro 2022 22:02 Escrito por  Pe. Tarcizio Paulo Odelli, SDB
Para Sales, a santidade se vive na vida cotidiana, pois nela Deus nos manifesta sua vontade e seu amor. Para isso não é necessário buscar meios extraordinários, mas viver o ordinário do dia a dia de maneira extraordinária.    

A Espiritualidade de São Francisco de Sales é chamada “espiritualidade do amor” porque o bispo de Genebra sintetizou toda a sua ação e pensamento no amor. Na sua época, muitos não gostaram que ele tivesse usado esta palavra: “amor”. Ela tinha uma conotação de “paixão carnal, mais do que uma afeição espiritual”, de acordo com aquilo que ele escreveu no “Tratado do Amor de Deus” (Livro I, cap. 14). Neste capítulo ele explica porque ele a usa, baseado em vários teólogos e Santos Padres da Igreja. De acordo com Sales, somente o verdadeiro amor pode nos levar a sermos, ao mesmo tempo, santos, perfeitos e felizes.

 

São Francisco de Sales tonou-se um marco na história do cristianismo porque “reinventou” uma espiritualidade amável. Sabemos muito bem que Jesus evangelizou desta maneira. Mas, ao longo da história, as pessoas foram se esquecendo de vivenciar essa espiritualidade. Na época de Francisco de Sales não se usava muito esta palavra, “espiritualidade”. Em vez dela, se chamava de “devoção”.

 

Jacques Leclerq nos diz que Francisco de Sales “foi o inventor do devoto que dança, que sabe se vestir e torna suave a vida no mundo”. Ser devoto significava viver a vida cristã com seriedade, de maneira coerente e comprometida. Mas isso não implicava, para Sales, fugir do mundo. Muitas pessoas não gostaram nem um pouco dessas afirmações que ele fez. Teve até um frei que queimou publicamente, num sermão, o seu livro “Introdução à vida devota”.

 

Santidade para todos!

Esta é uma das maiores contribuições de São Francisco de Sales para a espiritualidade cristã. Em 1609, pela primeira vez na literatura cristã, se explicava e se discutia a noção de vocação universal à santidade em um pequeno livro que se tornou best seller, “Introdução à vida devota” ou “Filoteia” (A alma amiga de Deus). O grande objetivo do autor é mostrar que se pode viver no mundo, no meio das preocupações, adversidades, ocupações da vida, e ser santos! Trata-se, para ele, de um ideal a conquistar. Por isso não pode ser fuga do mundo, mas um desafio e ao mesmo tempo aproveitar as belas oportunidades que a vida nos oferece para conquistar a santidade. Por isso mesmo, Sales se concentra no essencial da vida cristã, que é viver e experienciar o amor de Deus.

 

A mensagem salesiana de quatrocentos anos atrás foi atualizada no Concílio Vaticano II. “Ninguém mais e melhor do que Sales, entre os recentes Doutores da Igreja, foi capaz, com o profundo discernimento de sua sagacidade, de antecipar as deliberações do Concílio,” afirmou o Papa São Paulo VI, ao escrever sobre os 400 anos do nascimento de Francisco de Sales, em 1967. A Constituição “Lumen Gentium”, no capítulo 5º, trata da “vocação de todos à santidade na Igreja”. Este é um pressuposto fundamental para a Igreja realizar a sua missão. O Papa Francisco, ao escrever a “Gaudete et Exsultate”, sobre o chamado à santidade no mundo atual, fez uma atualização da “Filoteia”.

 

Onde Francisco de Sales foi buscar argumentos para tratar assim da santidade? Na época dele, os católicos não tinham acesso à Bíblia, seguindo uma religião cheia de superstições, valorizando o culto e as relíquias de santos e atribuindo a eles muitos poderes, beirando a idolatria. A feitiçaria causava grandes estragos. A Igreja precisava de uma reforma, pois estava corrompida.

 

Francisco, ao contrário, desde cedo procurou ler e estudar a Bíblia. Em Paris, na Sorbonne, fez até um curso sobre o livro do Cântico dos Cânticos que iria marcá-lo por toda a vida. Estava convencido de que a causa dos grandes males que a Igreja enfrentava se devia à ignorância. E esta precisava ser combatida por meio do estudo. Por isso, foi buscar na Bíblia, no Livro do Gênesis, a inspiração para as suas afirmações: todos os crentes são chamados à santidade, porque foram criados à imagem e semelhança de Deus.

 

O cristão católico deve imprimir em seu próprio ser, o ser de Deus. Para ele, essa é uma tarefa apaixonante: fazer crescer e desenvolver em cada um de nós essa imagem e semelhança divinas. Ele afirmava que “não há nada de belo como uma alma feita à semelhança de Deus”. E no outro livro que escreveu, o “Tratado do Amor de Deus”, ele diz que quando contemplamos o nosso próximo, criado à imagem e semelhança de Deus, deveríamos dizer uns aos outros: “Reparai como esta criatura se parece com o nosso Criador!”

 

Como fazemos para sermos santos?

Para Sales, a santidade se vive na vida cotidiana, pois nela Deus nos manifesta sua vontade e seu amor. Para isso não é necessário buscar meios extraordinários, mas viver o ordinário do dia a dia de maneira extraordinária. Aqui Francisco fala sobre o “êxtase da vida e da ação”.

 

Poderemos entender melhor sobre isso, lendo o livro 7 do “Tratado do Amor de Deus”. A nossa vida e as nossas ações devem se transformar em dedicação concreta e dinâmica pelo bem das pessoas em variadas formas de caridade. Francisco faz uma comparação com a escada de Jacó. Para ele, os degraus são feitos pela caridade. Sobe-se até Deus pela oração e pelos sacramentos. Mas se desce na direção do próximo por meio da vivência das virtudes. Para ele, existe uma reciprocidade de ação e de contemplação. Afirma que “Marta ativa não deve criticar Maria e Maria contemplativa não deve desprezar Marta”.

 

Escrevendo a Madre de Chantal, ele diz que “a verdadeira santidade está no amor de Deus e não em futilidades da imaginação, com êxtases e arrebatamentos que alimentam o amor próprio e afastam da obediência e da humildade. Fingir-se de extasiado é um engano”. E segue dizendo para ela que é necessário se exercitar “na verdadeira doçura e submissão, na renúncia própria, na docilidade do coração, no amor a quem nos humilha, na condescendência para os outros: este é o êxtase verdadeiro e mais amável dos servos de Deus”.

 

Essa santidade é construída passo a passo. Falando às Religiosas da Visitação, fundadas por ele, Francisco de Sales diz que “essa Congregação, tal como as demais ordens religiosas, não é uma assembleia de pessoas perfeitas, mas de pessoas que desejam se aperfeiçoar; não de pessoas que correm, mas de pessoas que querem correr e que, por isso mesmo, aprendem primeiro a andar com passos curtos, depois mais largos, depois mais ágeis e, por fim, já serão capazes de correr”.

 

Leia também:

Quem foi São Francisco de Sales?

“Comunicação é coisa do coração”

 

O Boletim Salesiano publica durante este ano de 2022 uma série de artigos sobre a espiritualidade de São Francisco de Sales, patrono da Família Salesiana criada por Dom Bosco. Acompanhe nas edições do Boletim Salesiano e no portal: www.boletimsalesiano.org.br.

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São Francisco de Sales: O chamado à santidade no amor

Segunda, 28 Fevereiro 2022 22:02 Escrito por  Pe. Tarcizio Paulo Odelli, SDB
Para Sales, a santidade se vive na vida cotidiana, pois nela Deus nos manifesta sua vontade e seu amor. Para isso não é necessário buscar meios extraordinários, mas viver o ordinário do dia a dia de maneira extraordinária.    

A Espiritualidade de São Francisco de Sales é chamada “espiritualidade do amor” porque o bispo de Genebra sintetizou toda a sua ação e pensamento no amor. Na sua época, muitos não gostaram que ele tivesse usado esta palavra: “amor”. Ela tinha uma conotação de “paixão carnal, mais do que uma afeição espiritual”, de acordo com aquilo que ele escreveu no “Tratado do Amor de Deus” (Livro I, cap. 14). Neste capítulo ele explica porque ele a usa, baseado em vários teólogos e Santos Padres da Igreja. De acordo com Sales, somente o verdadeiro amor pode nos levar a sermos, ao mesmo tempo, santos, perfeitos e felizes.

 

São Francisco de Sales tonou-se um marco na história do cristianismo porque “reinventou” uma espiritualidade amável. Sabemos muito bem que Jesus evangelizou desta maneira. Mas, ao longo da história, as pessoas foram se esquecendo de vivenciar essa espiritualidade. Na época de Francisco de Sales não se usava muito esta palavra, “espiritualidade”. Em vez dela, se chamava de “devoção”.

 

Jacques Leclerq nos diz que Francisco de Sales “foi o inventor do devoto que dança, que sabe se vestir e torna suave a vida no mundo”. Ser devoto significava viver a vida cristã com seriedade, de maneira coerente e comprometida. Mas isso não implicava, para Sales, fugir do mundo. Muitas pessoas não gostaram nem um pouco dessas afirmações que ele fez. Teve até um frei que queimou publicamente, num sermão, o seu livro “Introdução à vida devota”.

 

Santidade para todos!

Esta é uma das maiores contribuições de São Francisco de Sales para a espiritualidade cristã. Em 1609, pela primeira vez na literatura cristã, se explicava e se discutia a noção de vocação universal à santidade em um pequeno livro que se tornou best seller, “Introdução à vida devota” ou “Filoteia” (A alma amiga de Deus). O grande objetivo do autor é mostrar que se pode viver no mundo, no meio das preocupações, adversidades, ocupações da vida, e ser santos! Trata-se, para ele, de um ideal a conquistar. Por isso não pode ser fuga do mundo, mas um desafio e ao mesmo tempo aproveitar as belas oportunidades que a vida nos oferece para conquistar a santidade. Por isso mesmo, Sales se concentra no essencial da vida cristã, que é viver e experienciar o amor de Deus.

 

A mensagem salesiana de quatrocentos anos atrás foi atualizada no Concílio Vaticano II. “Ninguém mais e melhor do que Sales, entre os recentes Doutores da Igreja, foi capaz, com o profundo discernimento de sua sagacidade, de antecipar as deliberações do Concílio,” afirmou o Papa São Paulo VI, ao escrever sobre os 400 anos do nascimento de Francisco de Sales, em 1967. A Constituição “Lumen Gentium”, no capítulo 5º, trata da “vocação de todos à santidade na Igreja”. Este é um pressuposto fundamental para a Igreja realizar a sua missão. O Papa Francisco, ao escrever a “Gaudete et Exsultate”, sobre o chamado à santidade no mundo atual, fez uma atualização da “Filoteia”.

 

Onde Francisco de Sales foi buscar argumentos para tratar assim da santidade? Na época dele, os católicos não tinham acesso à Bíblia, seguindo uma religião cheia de superstições, valorizando o culto e as relíquias de santos e atribuindo a eles muitos poderes, beirando a idolatria. A feitiçaria causava grandes estragos. A Igreja precisava de uma reforma, pois estava corrompida.

 

Francisco, ao contrário, desde cedo procurou ler e estudar a Bíblia. Em Paris, na Sorbonne, fez até um curso sobre o livro do Cântico dos Cânticos que iria marcá-lo por toda a vida. Estava convencido de que a causa dos grandes males que a Igreja enfrentava se devia à ignorância. E esta precisava ser combatida por meio do estudo. Por isso, foi buscar na Bíblia, no Livro do Gênesis, a inspiração para as suas afirmações: todos os crentes são chamados à santidade, porque foram criados à imagem e semelhança de Deus.

 

O cristão católico deve imprimir em seu próprio ser, o ser de Deus. Para ele, essa é uma tarefa apaixonante: fazer crescer e desenvolver em cada um de nós essa imagem e semelhança divinas. Ele afirmava que “não há nada de belo como uma alma feita à semelhança de Deus”. E no outro livro que escreveu, o “Tratado do Amor de Deus”, ele diz que quando contemplamos o nosso próximo, criado à imagem e semelhança de Deus, deveríamos dizer uns aos outros: “Reparai como esta criatura se parece com o nosso Criador!”

 

Como fazemos para sermos santos?

Para Sales, a santidade se vive na vida cotidiana, pois nela Deus nos manifesta sua vontade e seu amor. Para isso não é necessário buscar meios extraordinários, mas viver o ordinário do dia a dia de maneira extraordinária. Aqui Francisco fala sobre o “êxtase da vida e da ação”.

 

Poderemos entender melhor sobre isso, lendo o livro 7 do “Tratado do Amor de Deus”. A nossa vida e as nossas ações devem se transformar em dedicação concreta e dinâmica pelo bem das pessoas em variadas formas de caridade. Francisco faz uma comparação com a escada de Jacó. Para ele, os degraus são feitos pela caridade. Sobe-se até Deus pela oração e pelos sacramentos. Mas se desce na direção do próximo por meio da vivência das virtudes. Para ele, existe uma reciprocidade de ação e de contemplação. Afirma que “Marta ativa não deve criticar Maria e Maria contemplativa não deve desprezar Marta”.

 

Escrevendo a Madre de Chantal, ele diz que “a verdadeira santidade está no amor de Deus e não em futilidades da imaginação, com êxtases e arrebatamentos que alimentam o amor próprio e afastam da obediência e da humildade. Fingir-se de extasiado é um engano”. E segue dizendo para ela que é necessário se exercitar “na verdadeira doçura e submissão, na renúncia própria, na docilidade do coração, no amor a quem nos humilha, na condescendência para os outros: este é o êxtase verdadeiro e mais amável dos servos de Deus”.

 

Essa santidade é construída passo a passo. Falando às Religiosas da Visitação, fundadas por ele, Francisco de Sales diz que “essa Congregação, tal como as demais ordens religiosas, não é uma assembleia de pessoas perfeitas, mas de pessoas que desejam se aperfeiçoar; não de pessoas que correm, mas de pessoas que querem correr e que, por isso mesmo, aprendem primeiro a andar com passos curtos, depois mais largos, depois mais ágeis e, por fim, já serão capazes de correr”.

 

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“Comunicação é coisa do coração”

 

O Boletim Salesiano publica durante este ano de 2022 uma série de artigos sobre a espiritualidade de São Francisco de Sales, patrono da Família Salesiana criada por Dom Bosco. Acompanhe nas edições do Boletim Salesiano e no portal: www.boletimsalesiano.org.br.

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