Há 40 anos, o padre Rosalvino Moràn Viñayo chegava a Itaquera, na Zona Leste de São Paulo – acompanhado de alguns leigos, jovens salesianos (SDB) e salesianas (FMA) – com o propósito de fundar uma obra social para ajudar os jovens da periferia. Na época, Itaquera era famosa pelo crime, pela violência e sofria pela falta de infraestrutura urbana. “Quando eu cheguei não tinha asfalto, não tinha luz, não tinha água”, relembra o padre Rosalvino; mas foi ali que o sacerdote salesiano, atendendo a um chamado do então cardeal dom Paulo Evaristo Arns e seu bispo auxiliar dom Angélico Sândalo Bernardino, fundou aquela que se tornaria uma das obras sociais mais importantes de São Paulo.
No início, padre Rosalvino saía em busca dos jovens. “Eu comecei a andar nas ruas à procura da garotada, eu queria ver a meninada. No começo eram dez, 20, 50, 100, 200, e todo dia ia aumentando”. Na época, sem ter como oferecer comida ou mesmo um espaço para as crianças brincarem ou jogarem, o salesiano pegava uma bola, colocava debaixo do braço e ia para algum campinho ou área abandonada para encontrar a ‘rapaziada’. “Era uma alegria, um entusiamo, aquela garotada feliz, agarrada ao meu jaleco branco que é a minha marca registrada”, conta o sacerdote.
Nessas quatro décadas, a Obra Social Dom Bosco cresceu junto com Itaquera, contribuindo com o desenvolvimento da região, seja por meio de pequenas iniciativas, seja na articulação para melhorias no bairro (construção de um hospital, posto de saúde, asfaltamento de ruas, extensão de vias públicas) ou até mesmo participando da elaboração e implementação de políticas públicas. Tanto que a instituição foi liderança na construção do CEDESP (Centro de Desenvolvimento Social e Produtivo) e, atualmente, tem o maior CEDESP da cidade de São Paulo, atendendo diariamente 1.880 jovens e adultos.
Hoje, a presença salesiana de Itaquera conta com 16 espaços socioeducativos e comunitários, nos bairros de Itaquera e Guaianases, por meio da Obra Social Dom Bosco e Associação Beneficente Bom Pastor. Além da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, com suas capelas, São José Operário do Morgante e Santo Antônio.
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Unidos pela transformação da sociedade
A instituição desenvolve três serviços na área da assistência social, sendo um na proteção básica, em quatro modalidades diferentes para crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos (CCA, Circo Social, CEDESP e NCI); dois na proteção especial (acolhimento institucional e medidas socioeducativas); todos em parceria com a Prefeitura da Cidade de São Paulo. Além de sete programas complementares (Atenção Integral à Família, Capacitação Continuada de Educadores, Educação Socioambiental, Educação Sociocomunitária, Gestão de Talentos, Saúde Sociocomunitária e Sociocultural), com apoio de diversos parceiros.
Vidas transformadas
Ao longo desses anos, centenas de pessoas tiveram a vida transformada pela atuação dos filhos de Dom Bosco em Itaquera. Para se ter ideia, em 40 anos a instituição já realizou mais de 30 milhões de atendimentos, beneciciando, aproximadamente, 440 mil pessoas, além de já ter distribuído mais de 59 milhões de refeições.
“No início atendíamos, aproximadamente, 200 crianças e adolescentes, com cerca de 10 funcionários no máximo. Hoje, são quase cinco mil pessoas atendidas e 582 colaboradores”, conta a ex-educanda, Cristiane Vitale de Melo, agora diretora-executiva da instituição. Dos tempos de frequentadora da obra Cristiane recorda, com aleria, do oratório. “Lembro, como se fosse hoje, da alegria que sentíamos ao receber balas e pirulitos nos finais de semana, regados com muitas atividades oferecidas para centenas de crianças e adolescentes. Na época, eu era muito tímida, não tinha nenhuma habilidade para esportes nem música, mas, mesmo assim, estava entre tantos que se sentiam acolhidos no ‘Oratório de Dom Bosco’”.
Um ano para recordar
Os 40 anos da chegada dos salesianos a Itaquera foram celebrados com várias iniciativas ao longo deste ano. Uma delas foi o evento on-line “Festival Dom Bosco 40 anos uma retrospectiva sociocultural”, realizado de 28 a 30 de maio. Promovido pela Escola de Samba Dom Bosco, o evento contou com a presença de escolas de samba de renome do carnaval paulistano, além da participação especial das oficinas artísticas, esportivas e culturais do Circo Social Dom Bosco. Durante a live, foram realizadas homenagens, entre elas uma especial ao padre Rosalvino. Ao todo, foram mais de 12 mil espetadores conectados e interagindo no projeto.
Posteriormente, foram realizadas duas missas de ação de graças no mês de maio, com a presença da comunidade educativo-pastoral. Já no final de setembro, foi realizado um Simpósio de uma semana, tratando de vários temas, contando a história e apresentando o trabalho realizado pela instituição. Em todos os núcleos da obra foram realizadas celebrações com os educandos. Com a limitação de público devido à pandemia da Covid-19, também foram realizadas ações comemorativas nas redes sociais da instituição.
Confira o testemunho do padre Rosalvino Morán Viñayo
O padre Rosalvino Moràn Viñayo, diretor da Obra Social Dom Bosco, conta ao Boletim Salesiano como foi a sua chegada a Itaquera, na Zona Leste de São Paulo, e o início da obra social.
Eu vim a pé para conhecer o que era periferia. Eu saí um dia do Bom Retiro e fui perguntando: onde é Itaquera? Na época, Itaquera era famosa pela violência, pelo crime, pelo tráfico que estava chegando. Era um grande risco, tanto que o povo dizia: “você vai morrer, vão te matar”. Mas, graças a Deus, fui acolhido com muita simplicidade, com muita humildade, própria do povo de Itaquera, na comunidade que era de Nossa Senhora Aparecida.
Quando eu cheguei não tinha asfalto, à noite não tinha luz, não tinha água, nada disso chegava nesses espaços. Quando foi para vir para cá, fiz como uma aposta com a Virgem Maria Auxiliadora de que, se era para vir para Itaquera, alguém iria me chamar, manifestar a importância e a necessidade de deixar a comunidade do Bom Retiro. Naquela mesma semana meu telefone tocou e quem era? Era dom Angélico Sândalo Bernardino (na época bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo) dizendo assim: “Filho de Dom Bosco, estou te esperando aqui na periferia de Itaquera para cuidar da juventude que vive no abandono, na vulnerabilidade, sem diretriz e sem direção”. Ao chamado do bispo eu, evidentemente, logo senti que era a voz de Deus, e a voz da Mãe Auxiliadora para ir para Itaquera.
A verdade é que muita coisa mudou. E a voz do povo, que é a voz de Deus, assim fala: antes de Dom Bosco chegar a Itaquera a comunidade era abandonada, a política não tomava providência.
Itaquera mudou, se desenvolveu, cresceu, muitos prédios surgiram e hoje a obra atende, aproxidamente, cinco mil usuários com seus grandes programas e projetos que se multiplicaram. Temos um trabalho com os idosos, temos um circo próximo do terminal, um lugar muito querido, muito respeitado; temos um centro social de grande qualidade, onde se encontra boa comida, muitas oficinas, para esporte, para a dança, muita coisa boa. O que mais me agrada são as oficinas para preparar a rapaziada para o mercado de trabalho, essas oficinas que dão o futuro - e não só o futuro, mas o presente.
O mundo mudou com essa pandemia, mas, graças a Deus, quem se aproxima de Dom Bosco encontra um caminho, encontra uma oficina para se capacitar, encontra um bom alimento. Hoje a realidade de Itaquera é outra, se transformou muito e nós, da Obra Social Dom Bosco, somos um pouco os artífices dessa mudança.