Ser honesto cidadão ultrapassa respeitar as leis e regras estabelecidas para a convivência pacífica em sociedade. Trata-se também de ser justo nas relações sociais, colaborar com a vida da comunidade, ter interesse pelo bem comum, ser responsável e agir de modo sustentável. Nós, cristãos, entendemos que a existência humana se assenta sobre a base de uma experiência fundamental vinculada ao que chamamos fé, que para nós é pura graça, um dom e uma virtude sobrenatural infundida por Deus.
Nesse sentido, ser um bom cristão está relacionado com a fé, com a transcendência e com a humanidade. O bom cristão respeita, ama o seu próximo como a si mesmo, acredita em valores e direitos evangélicos universais que promovem a vida. Como filhos de educadores sonhadores, acreditamos que a “educação é coisa do coração” e, com isso, deve desencadear processos de transformação social em seus diferentes contextos e modalidades.
Leia também:
O futuro no olhar de uma criança
A ecologia integral e o coração de Dom Bosco
A educação, segundo o Papa Francisco, deve ser vista e analisada dentro da complexidade contemporânea que vivemos e estimular a reflexão sobre o contexto atual, caracterizado por uma profunda crise antropológica e sociocultural. A cada dia, vemos mais “sintomas de um ponto de ruptura, devido à grande velocidade de mudança e degradação, manifestada tanto em desastres naturais regionais como em crises mundiais, sociais e financeiras” (LS 61).
Aliança pela educação
Em 12 de setembro de 2019, Francisco convocou lideranças mundiais para o que denominou Pacto Educativo Global. Diversos elementos compõem o pano de fundo dos pedidos, de ambientes cristãos católicos e não cristãos, para que o Papa liderasse um movimento global pela educação.
Conhecer e compreender o que vem a ser o Pacto Educativo Global proposto pelo Papa Francisco nos leva a perceber suas diversas intervenções e preocupações com a educação, trazidas desde o início de seu pontificado, aspecto esse que qualifica o Papa como um educador comprometido mais do que apenas um mero entusiasta pela educação.
Para ele, assim como para Dom Bosco e Madre Mazzarello, o progresso social da humanidade passa pela educação que é compreendida como instrumento importante para formar as futuras gerações e é fonte de transformação e libertação da sociedade. O projeto é grandioso e nos contagia, pois sua amplitude transpassa instituições, nações, Igrejas, religiões e governos, e tem como premissa que a educação, como bem comum, é um direito universal.
O Pacto Educativo Global tem o objetivo de construir uma aliança entre escola, família e sociedade, com suas melhores energias, para colocar no centro o desenvolvimento integral da pessoa e a proteção da Casa Comum. É um verdadeiro chamado a formar alianças por meio de um forte apelo para que cada pessoa se torne protagonista de processos educativos, assumindo o compromisso pessoal e comunitário de cultivar juntos o sonho de um humanismo solidário que corresponda às expectativas do homem e aos desígnios de Deus.
Ambiente educativo
Inspirado pelo provérbio africano de que “para educar uma criança é necessária uma aldeia inteira”, o Papa Francisco nos leva a refletir sobre um ambiente educativo. A ideia de aldeia pode parecer estranha para as pessoas habituadas ao meio urbano e inseridas no mundo digital. No entanto, nesse modelo de organização social, no qual as relações sociais são realizadas mais em responsabilidade do que em acordos, é que podemos vislumbrar um modelo pragmático de ação educativa sinodal.
Parafraseando salesianamente o conceito de aldeia educativa, podemos chamá-la, atualmente, de Comunidade Educativa Pastoral, pois sabemos que para educar um jovem uma comunidade educativa inteira é mais do que fundamental.
Em Valdocco e Mornese, a força profética da comunidade formada por jovens, meninas, Salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora estava no dinamismo pedagógico corresponsável de todos e entre todos.
A existência da comunidade educativa é o pressuposto indispensável para a atuação de qualquer ação formativa. Ela é o lugar privilegiado do crescimento em reciprocidade, laboratório de humanização, onde todos estão empenhados ativamente e em primeira pessoa, na difícil arte da própria formação.
A comunidade torna-se, assim, um verdadeiro microcosmo dinâmico e aberto, sensível ao diálogo e à interação com o entorno, as instituições, a cultura, com a finalidade de realizar, de forma sempre mais convergente, uma educação integral. A missão educativa salesiana atua na pluralidade dos ambientes, na ótica do Sistema Preventivo, conjugando perspectivas pedagógicas estreitamente integradas: culturais, evangelizadoras, sociais, comunicativas.
Sistema Preventivo
O Sistema Preventivo Salesiano promove uma educação que valoriza o ambiente educativo e as relações como perspectivas que contribuem para a formação da pessoa e da sua identidade de valores. Seu horizonte tem em vista a possibilidade de favorecer ao jovem a experiência do verdadeiro significado de uma fraternidade universal, como nos afirma o Papa Francisco em sua encíclica Fratelli tutti (FT9).
Não é possível ser um cidadão atualmente sem se preocupar efetivamente com o cuidado da Casa Comum e no tipo de mundo que deixaremos para as próximas gerações. É uma questão de justiça intergeracional (LS159) e de consciência socioambiental. Para responder a tais mudanças, é necessário “encontrar a convergência global para uma educação que seja portadora de uma aliança entre todos os componentes que envolvem a pessoa: entre o estudo e a vida, entre gerações, entre professores, alunos, famílias e a sociedade civil com suas expressões intelectuais, científicas, artísticas, esportivas, políticas, econômicas e solidárias” (Mensagem para o Lançamento do Pacto Educativo Global).
A promoção de uma cultura do cuidado e do encontro nutre um modelo de educação capaz de escuta paciente, diálogo construtivo e mútua compreensão. Faz com que o nosso coração salesiano pulse de otimismo pedagógico e pastoral, sonhando com uma verdadeira civilização do amor. À luz do Pacto Educativo Global, somos chamados a realizar uma mudança radical de paradigma. De fato, o Santo Padre frequentemente nos tem repetido que precisamos ter a audácia de “uma corajosa revolução cultural” (LS 114).
Caminhemos na alegria da esperança, na certeza de que educar é possibilitar ao jovem a oportunidade de se descobrir como agente de transformação de sua própria vida, da dos outros e com os outros, pois o bem contagia o bem.
Ir. Celene Couto Rodrigues, FMA, é mestranda em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo, graduada em Geografia pela Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro, animadora Laudato Si credenciada pelo Movimento Católico Global pelo Clima. Atualmente é coordenadora de Pastoral da Obra Social Recanto da Cruz Grande em Itapevi, SP, e Green Líder da Don Bosco Green Alliance no Brasil.