A obra que Dom Bosco construiu em Turim para acolher adolescentes e jovens adquiriu fama, sobretudo pelo sistema de educação ali implantado, o Sistema Preventivo. Entre aprendizes de ofícios e alunos, as Memórias Biográficas de São João Bosco nos falam que chegavam a 800 internos… É de se imaginar a organização de Dom Bosco para administrar, cuidar, animar, alimentar e educar todos esses seus birichini (moleques).
Padre Rua, “Prefeito”, encarregado da economia do Oratório, tinha que se “virar nos trinta” para não deixar faltar nada em uma vida de grande pobreza… Às vezes, apelava aos pais e parentes, com cartas, pedindo o pagamento das pensões, chegando até a ameaçar de devolver os internos aos seus familiares caso não saldassem as dívidas. Na verdade, pais e parentes, às vezes até de posses, “se aproveitavam” da bondade de Dom Bosco e da caridade pública para educarem seus filhos sem contribuírem com o Oratório. Mas, em muitos casos, Dom Bosco favoreceu a jovens bons de verdade, mantendo-os no Oratório gratuitamente, vendo suas qualidades e a impossibilidade da família. Era o triunfo da caridade.
Dentre as muitas e comoventes anedotas nesse sentido, apresentamos duas.
Um jovem excelente tinha pais pobres, que não podiam pagar a módica pensão. Tendo ele conhecimento da carta dirigida aos pais, muito comovido se apresentou a Dom Bosco pedindo que não deixasse que fosse mandado para casa.
– Fique tranquilo, respondeu Dom Bosco. Se mandarem você sair pela porta do Oratório, entre por aquela da igreja de Maria Auxiliadora, e ninguém o incomodará.
O coração do jovem ficou cada vez mais ligado a Dom Bosco, confirmando-o na vocação ao estado religioso.
Outro fato é narrado pelo padre Antônio Aime, salesiano: “Era o ano de 1877. O Oratório inteiro celebrava com muito fervor o mês em honra de São José. Na metade do mês recebi uma carta de minha irmã, falando que não podia mais pagar nem minha pensão no Oratório e, portanto, eu deveria voltar à minha terra para empreender outra carreira, ainda mais que o Prefeito lhe escrevera que se não pagasse me mandaria para casa. Não posso explicar a angústia que tomou conta de meu coração nesse dia, na noite e na manhã seguinte. Chorei, rezei, a fim de que o Senhor me inspirasse o que devia fazer. No dia seguinte me veio a inspiração de recorrer a São José; fui a ele, prostrei-me aos pés de seu altar, lhe ofereci as orações de todos os meus companheiros bons e fervorosos, permanecendo bastante tempo como que a esperar uma resposta. Levantei-me e saí da igreja com os olhos inchados de lágrimas.
Na porta da sacristia encontrei o P. Joaquim Berto, que me vendo triste e desolado, insistiu para que lhe dissesse o motivo. Não podendo falar por causa da emoção, entreguei-lhe a carta de minha irmã, a fatura e a carta do Prefeito. P. Berto leu-as e disse: – Fique tranquilo, venha comigo. Dom Bosco acertará tudo. Acompanhou-me até o aposento do amado pai, a quem entregou os citados documentos. Dom Bosco os leu com atenção; depois mandou que eu me sentasse no sofá perto de sua escrivaninha e, tirando de uma gaveta uma caixinha de rapé, ofereceu me um pouquinho. Ao me ver espirrar ruidosamente, pôs-se a rir de maneira que também eu me senti obrigado a rir. Então o bom pai me disse: – Agora estou satisfeito, pois o vejo alegre. Vá logo ao Sr. Prefeito, e diga-lhe que Dom Bosco se encarrega de pagar as dívidas que você tem, as anteriores, presentes e futuras, e que de agora em diante ele apresente sempre suas contas a mim.
Imaginem o meu conforto e reconhecimento que desde aquele instante senti em meu coração para com o grande São José e nosso amado pai Dom Bosco. Desde aquele dia me senti salesiano e, com a graça de Deus, espero morrer na nossa amada Congregação” (cf. MB, v. 9, p. 625-627).
Padre Osmar A. Bezutte, SDB, é revisor da nova tradução das Memórias Biográficas de São João Bosco (Editora Edebê).
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