Sobre o significado deste “pão”, existem interpretações diferentes entre os estudiosos da Sagrada Escritura. Trata-se somente do alimento material, do qual o homem necessita no dia a dia ou do “pão para o dia que ainda vem (=para o amanhã)” até incluir na invocação também o pedido da dádiva de um novo pão futuro, essencial, oferecido pelo Senhor na Eucaristia como antecipação do banquete do Reino? São duas as principais interpretações contidas nesse debate.
Virtude material e espiritual
A invocação do pão no Pai Nosso, com um apelo urgente, indica a expressão ‘pão de cada dia’, isto é, alimento que sacia o homem. Compreende tudo aquilo que é necessário para conservação e desenvolvimento da vida do corpo: saúde, casa, trabalho. Não o supérfluo, o acúmulo que ameaça desenvolver a insaciável cobiça no seu coração.
Todavia, porque “nem só de pão vive o homem, mas de cada palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4), o significado da invocação vai além do sustento material, para estender-se ao crescimento da fé, na palavra de Deus e no dom do Espírito Santo, que se referem à vida espiritual. A súplica do pão não se diferencia dos outros pedidos do Pai Nosso. Sendo uma invocação dirigida a Deus, tem um conteúdo sagrado e inclui os benefícios a ela vinculados e também a salvação eterna.
Se o pedido do pão não incluísse tudo isso, o Pai Nosso perderia aquele caráter de urgência, de humanidade e de espiritualidade, que torna viável a nossa vida. O homem na Bíblia não se contentava em pedir a Deus somente o pão. Na sua oração, como consta especialmente nos Salmos, incluía tudo o que no plano material e espiritual o pudesse ajudar a viver serenamente, sob a atenção de Deus.
Referência à Eucaristia
Há uma segunda interpretação relativa ao pedido do pão, da qual numerosos padres da Igreja são defensores:- uma evocação da antecipação do banquete do Reino de Deus na doação que Jesus fez de si mesmo aos seus discípulos na última ceia. Isso justifica a inserção do Pai Nosso como oração eucarística na liturgia da missa.
O pão material pode também figurar como outro pão, aquele celeste, como se pode deduzir da reprimenda feita por Jesus aos discípulos por não terem compreendido o milagre da multiplicação dos pães (cf. Mc 8,14-21). Jesus, no discurso de Cafarnaum, afirmou ser o pão descido do céu (Jo 6,32) e na última ceia antecipou o banquete do Reino (cf Mt 26,29), oferecendo-se como dádiva aos discípulos sob os símbolos do pão e do vinho. Se temos ciência de que todos os pedidos do Pai Nosso implicam uma dimensão de cumprimento futuro, não podemos excluir que a invocação do pão possa conter também uma realidade “do amanhã”, uma referência à Eucaristia.
Relevância religiosa e social do pedido do pão
Se examinar com atenção, a súplica do pão contém uma série de consequências de natureza religiosa e social. Inicia-se com um imperativo dirigido ao Pai: “Dai-nos hoje”. Jesus insistiu sobre a oração de súplica: “Peçam e lhes será dado, procurem e encontrareis, batam e vos será aberto” (Lc 11,9). Deus, porque é Pai, escuta os filhos que recorrem a Ele com confiança e doa também as coisas materiais. Sobre isso, porém, Jesus fez um esclarecimento: os bens materiais não devem prevalecer sobre os bens espirituais (cf Mt 6,23).
Reconhecimento da dependência de Deus
O pão, como diz o celebrante no ofertório da missa, é “fruto da terra e do trabalho do homem”, mas a terra não produz nenhum fruto se não recebe do alto a chuva e um clima propício. Por isso, Jesus nos solicita a pedir o pão ao Pai e a considerá-lo uma dádiva. A Ele imploramos a proteção, sustentáculo do nosso trabalho e condições que permitam ao milho crescer. Este senso de dependência do Pai nos permite agradecer a Deus e a Lhe render louvores também na satisfação das nossas necessidades básicas, começando pela alimentação para o nosso bem e para a difusão do Reino de Deus.
Para quem conhece a fadiga e crê, a oração do pão, se for compreendida na sua totalidade, ressoa como um convite do Senhor a opor-se à tentação do orgulho e da autossuficiência, que levam o homem a fechar-se em si e a esquecer Deus.
Abertura à fraternidade, à partilha e à solidariedade.
O pronome “nosso” no pedido da oração de Jesus evidencia um bem comum, o alimento do qual todos temos o direito de ter para sobreviver e nós temos o dever de contribuir para que este direito se realize para todos com justiça. Quem recita o Pai Nosso pede no plural, pede o pão comum para todos.
Esse apelo remete ao exemplo da primeira comunidade cristã de Jerusalém (At 2,44; 4,32). Lucas recorda que os membros daquela comunidade, motivados pela caridade, “possuíam tudo em comum” e “vendiam suas próprias posses”. As duas expressões não se relacionam à abolição da propriedade privada, mas deixam evidente o desejo de dividir os próprios bens segundo a necessidade de cada um. As razões que fizeram brotar este desejo de partilha e de solidariedade foram a convicção de que Deus é Pai de todos e que o Senhor Jesus morreu e ressuscitou para nos salvar.
Deve-se acrescentar que “nosso” se estende a toda a humanidade. Para nós, cristãos, a invocação do pão deve abrir o nosso coração à socialização, ao espírito de fraternidade que nos impele a ajudar os necessitados.
Padre Agostino Favale, SDB, é professor emérito de História da Igreja Moderna e Contemporânea e de Espiritualidade da Universidade Pontifícia Salesiana de Roma, consultor da Congregação para a Causa dos Santos e autor de mais de 180 obras.
Tradução: Elaine Tozetto.
Pedido do pão
O pedido do pão, que compreende tudo o que é necessário para o sustento de cada dia, é colocado no centro do Pai Nosso e faz uma ligação entre as duas partes. Jesus, depois de ter solicitado a colaboração da nossa oração em tudo o que se refere a Deus, demonstra conhecer bem o homem e suas necessidades fundamentais. Abre a segunda parte com o pedido do perdão dos pecados. Estas invocações demonstram que podemos nos dirigir a Deus para pedir tudo aquilo que é necessário ao homem para viver uma vida que corresponda à sua dignidade como pessoa, chamada a participar do banquete do reino de Deus.
O apelo ao pão nos recorda que o Deus da Bíblia, por 40 anos, alimentou Israel no deserto. Jesus o multiplicou para nutrir as multidões que corriam para escutá-lo e enlaçou o benefício do pão material com o pão espiritual da sua Palavra e na Eucaristia. Pelo modo como Deus o usou e pela importância que tem para os homens, o pão encontrou a sua morada no Pai Nosso.