O reino de Deus, que constitui o fim da missão de Jesus, é o tema dominante do Evangelho. A expressão é encontrada 122 vezes no Novo Testamento. Nos três Evangelhos resumidos é citada 99 vezes, das quais 90 nas palavras de Jesus. Deste reino de Deus, o Evangelho diz três coisas, aparentemente contraditórias: 1º. que está próximo, senão que já está entre nós (Mc 1,15; Lc 17,21): 2°. que deve ainda vir (Mt 6,10; Lc 11,3); 3°. que nós mesmos devemos procurá-lo (Mt 6,33).
Estas três coisas são verdadeiras. O reino de Deus já está entre nós porque Cristo, mediante o seu Espírito, está presente na Igreja com a sua palavra e os sacramentos. Deve ainda vir, no sentido que está em expansão para alcançar, com a pregação do Evangelho, todos os povos, os cristãos e as suas instituições que não são plenos e ordenados segundo o espírito evangélico. Estamos ainda aguardando que este reino tenha sua conclusão plena e perfeita na glória do céu.
Nestas afirmações o reino de Deus e o Evangelho parecem sobrepor-se ao dizer: Deus está presente e operante, graças à ação que Jesus, o Filho de Deus encarnado, desenvolveu no mundo.
Ninguém é excluído do anúncio do reino de Deus
Jesus faz do reino de Deus o centro, o motivo da sua pregação, a razão de ser da sua vida e da sua morte. No exercício do seu ministério público Ele atende às pessoas, de maneira particular aos pobres, às crianças, às mulheres, aos marginalizados, aos pecadores, até mesmo aos adversários que o criticam. Acolhe a todos, compartilha dos sofrimentos deles, os encoraja, os perdoa, os sacia materialmente com a multiplicação dos pães e dos peixes, os livra da doença e de toda forma de opressão (cf Mt 11,2-6; Lc 7,18-23), os estimula a viver uma vida que seja digna de pessoas livres e responsáveis. Mostra nos seus gestos e nas suas palavras a progressiva expansão dos limites deste reino, destinado a derrubar as barreiras discriminatórias entre os homens (cf Mt 8,5-13; 15,21-26).
A misericórdia de Jesus, que se identifica com a de Deus Pai, tem a característica da universalidade. Ninguém é excluído da sua misericórdia, porque Ele vê o homem como criatura amada por Deus, na sua dignidade como pessoa. Todo o resto desaparece: a cor, a raça, a nacionalidade, a condição de vida social e também moral. Jesus olha para o homem como Deus Pai olha para ele: um olhar de benevolência para atraí-lo para si e salvá-lo. Certo, também para Jesus, a justiça e o pecado, a verdade e a mentira não são consideradas a mesma coisa. Quem erra deve ser auxiliado a reconhecer o próprio erro e a renegá-lo se deseja fazer parte do reino de Deus. Daí o chamado a uma contínua conversão à luz do ensinamento do Evangelho.
Os cristãos e o reino de Deus: dom e conquista
O Pai Nosso é a oração preferida por nós cristãos, que vivemos à espera do cumprimento do reino de Deus. Por isso devemos considerar seriamente a advertência do Evangelho: “Procure primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas as coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6,33). Procurar o reino de Deus não significa desinteressar-nos deste mundo. É um convite a abrir-nos ao acolhimento do dom da graça, que Deus nos oferece para poder operar em sintonia com o seu querer. Não nos esqueçamos que o reino da graça antecede o da glória. Se na oração do Pai Nosso não invocarmos os dons da salvação, a nossa vida espiritual se esvazia. Neste caso, o Pai Nosso se reduz a uma fórmula de oração comum, na qual pedimos de tudo a Deus, mas na verdade, não pedimos aquilo que as súplicas exprimem.
Este reino que nós recebemos como dom da graça e da misericórdia por parte de Deus é também fruto de conquista pessoal. Devemos, antes de tudo, garantir o crescimento em nós com a observação dos mandamentos, com a superação das paixões, com uma vida vivida segundo o espírito de santidade e com uma profunda transformação do coração e da mente. Mas devemos assumir e desenvolver, segundo as possibilidades, compromissos concretos com a Igreja e com a sociedade para renovar-lhe.
A invocação “Venha a nós o teu reino” é sincera e eficiente quando aflora nos lábios de uma pessoa que percebe a sua imperfeição, sente uma forte necessidade de Deus e intui que também o encontro com Deus tem sempre alguma coisa de incompleto. Quem procura de verdade por Deus sabe que pode encontrá-lo na oração, no silêncio, na comunidade, no serviço aos irmãos, mas tudo isso não basta, nele sempre permanece alguma coisa de insatisfeito. E isto acontece somente porque toda procura por Deus é sempre ofuscada pelos nossos limites, mas sobretudo porque todo encontro com Deus durante a nossa peregrinação terrena é sempre inferior à expectativa, até quando então nós poderemos contemplá-Lo como Ele é.
O que se entende por reino de Deus?
A palavra “reino” da oração do Senhor não tem relação nenhuma com os reinos desta terra. É um termo simbólico, tirado da experiência humana, cujos textos do Novo Testamento querem exprimir e afirmar a realidade divina do céu, da vida abençoada, da glória eterna, e ao mesmo tempo, o supremo domínio de Deus sobre o universo. Um domínio que brota do fato de que Deus criou e ridimiu o mundo e continua a estar presente no conjunto dos bens da salvação concedidos aos homens por Ele mesmo, através do seu Filho, Verbo encarnado, e pelo dom do Espírito Santo. Em Deus, o domínio coincide com a sua santidade e a sua vontade, por isso se revela como uma soberania que é fruto de amor e é enviada para fazer da humanidade a família dos filhos de Deus.
Considerado na sua conclusão, o reino de Deus encontra a sua melhor síntese no prefácio da Solenidade de Cristo Rei, onde se diz que Jesus com a sua morte na Cruz submeteu ao seu poder todas as criaturas, oferecendo ao Pai: “o reino eterno e universal: reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz”.
Padre Agostino Favale, SDB, é professor emérito de História da Igreja Moderna e Contemporânea e de Espiritualidade da Universidade Pontifícia Salesiana de Roma, consultor da Congregação para a Causa dos Santos e autor de mais de 180 obras.
Tradução: Elaine Tozetto.