Na linguagem comum de todos os dias usamos as palavras moral e ética com o mesmo sentido. “Ele tem moral. Ele tem ética”. É a mesma coisa. No entanto, academicamente estas palavras designam realidades bem diferentes. Simplificando bastante, podemos dizer que a moral é o instituído e a ética o instituinte.
O que é o instituído? É o que está determinado. São as leis, as normas, os costumes, os códigos, as maneiras de fazer... Isso está instituído. Agora, instituinte são os grandes horizontes, as grandes utopias, os grandes projetos de vida que animam uma pessoa. Isso é o instituinte. A moral muda. Quem a faz mudar? Justamente a ética. Há pessoas muito generosas que não aceitam determinada legislação porque a consideram inadequada, injusta e desumana.
A escravidão acabou por causa da ética
Vamos dar um exemplo para ilustrar o que estamos dizendo. Peguemos o caso da escravidão até o século XIX. Havia a crença de que as pessoas nascem desiguais. Algumas nascem livres e outras nascem escravas. É uma determinação de nascença, de natureza. Então, a escravidão não é problema, porque as pessoas já nascem com essa determinação. Isto é a moral. Se uma pessoa livre tivesse um escravo ou escrava poderia ficar tranquila que não estava cometendo nenhum mal. Estava simplesmente seguindo uma lei da natureza, da vida.
No entanto, muitas pessoas não se conformavam com isso. Não admitiam que isso fosse da natureza. A escravidão não era natural, então poderia ser mudada. Esta visão e esta luta ocuparam tempo e vida de muitas pessoas. O que parecia impossível aconteceu. Depois de muitos séculos a escravidão foi caindo aos poucos... pelo menos na legislação, na moral. No Brasil isso aconteceu em 1888.
Todos nascem iguais
O que fez cair a escravidão não foi a moral, mas a ética. Pessoas muito sensíveis e humanas foram alimentando dentro de si a ideia de que ninguém nasceu desigual, todos nasceram iguais. O que nos desiguala aconteceu depois do nosso nascimento. Portanto, é fruto da mão humana e não da mão divina. Para esta visão foi decisiva a contribuição do cristianismo. Jesus falou e agiu nesse sentido. Ninguém nasce desigual. Todos nascem iguais porque filhos e filhas do mesmo Pai e, portanto, irmãos e irmãs. Isso não é uma concessão, mas uma determinação da natureza.
Mudou a moral, o instituído, o determinado. Quem fez a moral mudar? A ética. Pessoas e grupos muito sensíveis e generosos, olhando para a realidade dos irmãos e irmãs, não conseguiram mais admitir a escravidão e lutaram com todas as suas forças para derrubá-la e conseguiram, pelo menos na lei.
O trabalho infantil está mudando por causa da ética
Há um fato que aconteceu durante a vida de Dom Bosco. Em 1886, houve na Itália uma lei que regulamentou o trabalho infantil. Ela proibia o trabalho de crianças menores de nove anos nos subterrâneos das minas, por exemplo; limitava a oito horas diárias o trabalho de crianças menores de doze anos; vetava o trabalho de pessoas menores de quinze anos em trabalhos insalubres ou perigosos. Nesse sentido, Dom Bosco, já em 1850, estabelecia contratos de trabalho com empregadores para acolherem seus adolescentes. Mudou a moral. Quem a fez mudar foi a ética...
Viver com critérios éticos amplos
Nosso agir está muito atrasado nesse sentido. Els reflete o que se vive e se alimenta na sociedade. Vivemos na sociedade do mínimo. O mínimo é o cumprimento da lei. As leis mudam não por causa da ética, mas para proteger privilégios e conveniências. O importante é cultivar em nós e no nosso círculo de amizade, de convivência, de trabalho, horizontes mais amplos. Como fazer isso? Vou indicar apenas dois caminhos.
O primeiroé ler o Evangelho de Jesus Cristo com o olhar dele. Muita gente lê o Evangelho com o seu olhar e não consegue alargar seus horizontes. Jesus deu um fim à visão de que as pessoas nascem desiguais. Todos nascemos iguais, então, as leis têm que passar por esse crivo, por essa porta. Luc Férry, escritor francês, diz que o ideal da Revolução Francesa de igualdade, liberdade e fraternidade só foi possível por causa do cristianismo. Com a cultura grega e romana jamais chegaríamos a esse ideal.
O segundo é nunca tratar a ética e a moral como se fossem a mesma coisa. A moral é muito restritiva, se contenta com o mínimo. Nela não há generosidade, há o cumprimento da lei. Já a ética amplia os horizontes, torna as pessoas mais sensíveis aos sofrimentos dos outros e às suas necessidades. As pessoas não querem esmola, não querem filantropia. Elas querem seus direitos respeitados. Porque Jesus era altamente ético em suas andanças pela Terra Santa, é que vamos mudando nossa visão sobre a doença, os comportamentos morais desviantes, as discriminações baseadas em gênero, etnia, sexo, religião... O exemplo de procedimento ético não estava na Judeia onde se situava o Templo de Jerusalém, mas na Samaria onde se encontravam os pagãos, os impuros, os desviados.
Educar para a moral e para a ética
É importante conhecer e viver a moral, isto é, as leis, a Constituição do país, os regulamentos, os códigos... Mais importante, porém, é formar a consciência para não fazer só o que está marcado. Num mundo de tanto sofrimento, de tanta gente excluída, migrante, refugiada, faminta, analfabeta, não é possível contentar-se com o que está determinado. Nenhum pai e nenhuma mãe pode dizer que fez ou faz tudo para seus filhos. Sempre há algo a mais a ser feito. A mesma coisa na sociedade. Há uma frase que diz que “se todos fizerem a sua parte o mundo será melhor”. Em parte é verdade, mas em parte também não é verdade porque sempre há mais que fazer. Por isso, faz parte da ética a generosidade sem limites.
Há pessoas que, além do que lhe compete, fazem também o que é necessário para que o mundo seja melhor. Nesse sentido, os pais cuidam de seus filhos e dos filhos dos outros, sobretudo, dos amigos de seus filhos. Os professores trabalham com seus alunos, mas também na perspectiva dos que poderiam ser seus alunos e nunca chegaram à escola ou, então, se evadiram dela. Moral, sim, mas numa perspectiva ética...