O fenômeno bullying
Bullying é uma palavra inglesa (bully = “valentão”). Refere-se a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, exercidas por uma ou mais pessoas, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem dar-lhe a possibilidade ou capacidade de se defender, em uma relação desigual de forças ou poder.
Fiz uma pesquisa com adolescentes de uma escola de Porto Alegre. Eram 10 alunos do segundo ano do Ensino Médio, metade eram meninos, e metade, meninas. Perguntei-lhes se já tinham sofrido violência por meio da palavra. Todos disseram que sim. Dei-lhes a oportunidade de dizerem 10 palavras diferentes de agressão. Na soma de todas elas, apareceram 57 palavras diferentes. Procurei agrupá-las.
Para exemplo, apresento quatro delas. A primeira, diz respeito ao corpo. O corpo humano é um forte componente de discriminação e de bullying. Há um padrão de corpo humano. Quem não tem esse padrão, sofre discriminação. Ser gordo, ser muito magro, ser alto, ser baixo... A segunda refere-se aos portadores de necessidades especiais. Os alunos se agridem dizendo “mongoloide”. O terceiro refere-se a morar nas periferias. Em Porto Alegre é muito comum agredir outra pessoa chamando-a de “vileiro”. Aqui temos um preconceito contra os pobres. Outra agressão diz respeito à orientação sexual da pessoa. Uma pessoa com orientação homossexual sofre muita discriminação. Não é incomum rapazes e meninas deixarem de frequentar aulas por dias seguidos porque não suportam esse tipo de agressão.
Pesquisa realizada pela Folha de S. Paulo em 18 de junho de 2009, revelou que praticamente todos os entrevistados (99,3%) têm preconceito em algum nível. Sobre contra quem eles admitem ter preconceito, os alunos, por ordem de preconceito, revelaram: homossexual, deficiente mental, cigano, deficiente físico. Os funcionários: deficiente mental, cigano, homossexual, morador de periferia ou favela. O corpo técnico: deficiente mental, cigano, homossexual, deficiente físico e morador de periferia ou favela. Pais: deficiente mental, cigano e homossexual, deficiente físico e pobre, morador de periferia ou favela e índio.
A catolicidade na contramão da discriminação
Também as religiões estão inseridas nesse movimento de exclusão, de pensamento forte e de bullying. Não é de estranhar porque a pessoa humana é um todo: econômica, política, cultural, social e religiosamente. Nada escapa dessa realidade.
No Brasil, a maioria das pessoas é católica. A própria palavra “católica” poderia nos ajudar a compreender e lutar contra os preconceitos. Ela é composta de um prefixo (catá) e de um radical (hólos). A palavra hólos tem a mesma raiz de holismo, holística. Significa o que se refere ao todo. Católico, então, significa o que se refere ao todo. Ser católico é não aceitar exclusões, é ter lugar para o outro, para o diferente. Em uma palavra, ser hospitaleiro, acolhedor. Ser católico é lutar contra todos os preconceitos e discriminações.
Aliás, este foi o posicionamento de Jesus Cristo. Na Carta aos Filipenses, Paulo diz que Jesus Cristo “tinha a condição divina, mas não se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2, 6-8). Deus poderia ter salvado o mundo pelo pensamento forte, pela prepotência, pela violência, pelo aniquilamento. Ao contrário, preferiu morrer a usar de pensamento forte. Esvaziou-se da divindade, esvaziou-se da humanidade e, sendo nada, reconstruiu uma vida e uma sociedade diferente, inclusiva. Sofreu bullying, uma vez que foi torturado e agredido com palavras e fatos. Não revidou. Por isso, estamos falando dele até hoje... Jesus Cristo não abençoa nenhuma guerra, nenhuma arma, nenhuma língua ferina, nenhum computador que escreve palavras violentas.
"Não se estressa!"
Certa vez, falando para adolescentes, travamos um diálogo sobre determinado assunto. Tentei retrucar uma argumentação de um adolescente com certo vigor. Seu colega disse-me: “Professor, não se estressa! Ele não lhe está prejudicando. Ele apenas está pensando diferente do senhor”. E era verdade. Na expressão “não se estressa” está embutida a verdade de que o outro é sagrado e que para ser outro ele pode pensar e agir diferente. Voltaire, pensador do século XVIII disse: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las”.
Estamos muito longe de uma sociedade inclusiva porque não somos capazes de perceber nossas múltiplas discriminações. A discriminação é grande na família, na escola, nos meios de comunicação social, na economia, na política, nas religiões. Na escola da vida não estamos aprendendo a incluir, a acolher, a amar.