Ela é apresentada como um grande Mistério, mas também como uma pessoa de uma humanidade incrível. Nossa tarefa é fazer com que o Mistério não abafe sua humanidade e, também, que a humanidade não faça desaparecer o Mistério.
Gostaria de refletir sobre a humanidade de Maria a partir de três pequenos versículos bíblicos.
“Eles não compreenderam o que o menino acabava de dizer” (Lc 2,50)
São João Paulo II diz que “Maria caminha no tempo. Mas nesta caminhada, a Igreja precede seguindo as pegadas do itinerário percorrido pela Virgem Maria” (Redemptoris Mater, 2). Todos nós somos o que somos e o que podemos ser. Nós somos infinitas possibilidades. O Anjo Gabriel anunciou que ela seria a Mãe de Jesus. Propos-lhe um plano diferente do seu. Maria aceitou e aí começou seu caminho, seu itinerário de entendimento e de realização deste plano. Maria foi aprendendo aos poucos o que era ser Mãe de Jesus, também ele humano e divino. Os horizontes se ampliaram e aos poucos foi compreendendo o alcance de sua missão.
Maria e José não compreendem o que o menino acaba de dizer porque são humanos e têm que se esforçar muito para entender aos poucos e um pouco os caminhos de Deus e das pessoas. O menino adolescente começa a escapar de suas mãos. O que fazer? Voltar para Nazaré e, no escondimento, procurar entender o que se passa com o seu menino.
Assim é a vida... Todo pai e toda mãe sonham para seus filhos uma maneira de realizar a vida. No entanto, nem sempre acontece o que se programa. Certamente que na conversa com o Anjo, Maria não percebeu todo o alcance da proposta de Deus. Receber um filho é um mistério que se entende na oração, na contemplação, mas também na ação educativa amorosa.
“Eles não têm mais vinho” (Jo 2, 3)
O primeiro milagre (sinal) de Jesus foi feito em uma festa de casamento. O Evangelista diz que “este foi o primeiro sinal que Jesus fez”. Todo sinal aponta para outra realidade. Ele é sinal de outra coisa. Há um provérbio chinês que diz: “enquanto o sábio aponta a lua, o tolo olha o dedo”. O dedo é o sinal. A lua é a realidade. O milagre da multiplicação do vinho é sinal de uma realidade muito mais profunda: a beleza de viver na festa e na alegria.
Por intercessão de Maria, Jesus realiza o sinal. Santo Agostinho dividia os bens em duas categorias: os para serem usados e os para serem fruídos, saboreados. Na realidade todos os bens se realizam a partir destas duas categorias. “A gente não quer só comida”... O alimento é comida para saciar a fome do corpo, mas também do espírito. Há mesa cheia de pão e vazia de beleza. Há mesa de beleza esperando a partilha do pão.
É interessante que o primeiro milagre de Jesus aconteceu com vinho. Vinho não é necessário para viver. Pelo contrário, às vezes até atrapalha o viver quando conduz ao alcoolismo. Por que Jesus foi fazer seu primeiro sinal justamente com o vinho? Há coisas que não têm valor de utilidade, mas têm de fruição, de sabor de viver. Uma flor não se come, mas sem flor não se vive. A vida digna tem que ter beleza.
O vinho não é necessário para a subsistência, mas é sinal de que a vida é mais que subsistência. Vida é beleza, alegria, partilha, brinde. Um brinde à vida, dizemos nós... Talvez se vivêssemos mais os bens de fruição junto com os de uso a vida teria muito mais graça e mais encantamento. Quem não admira uma flor, uma mesa bem posta, quem não sabe escolher uma roupa para vestir, tem dificuldade de partilhar com os irmãos porque lhe falta sensibilidade.
O primeiro milagre de Jesus acentuou a sensibilidade. Primeiro, a de Maria, que foi capaz de olhar e ver o que faltava. Depois, a de Jesus que, apesar de duro na resposta, foi pronto na solução do problema. E todos continuaram a festa de casamento.
“Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” (Mc 3,33)
Filho é para o mundo, escutamos todos os dias. Para muitos pais e mães essa afirmação pode machucar porque significa rompimento, partida. Talvez hoje mais que na época de Jesus, a escolha feita pelo filho de Maria é chocante. Na antiguidade dificilmente um filho deixava seus pais para trás e partia para outras missões. As migrações eram muito pequenas. Hoje é muito mais forte. Dificilmente uma pessoa mora na mesma casa e até no mesmo lugar a vida inteira.
O que, no entanto, queremos acentuar aqui é a migração espiritual. Fazer opções espirituais diferentes das dos pais é contundente. Tal aconteceu com Jesus. Que mãe desejaria para seu filho viver no provisório buscando a cada dia uma pedra para reclinar sua cabeça? Que mãe desejaria para seu filho ser pregado na cruz? No entanto, esta é consequência da escolha de Jesus e, de pergunta em pergunta, também foi a escolha de Maria.
Embora o destino de Jesus não estivesse nos planos da família de Maria, aos poucos foi sendo assumido por ela em uma demonstração concreta de fazer a vontade do Pai. Nossa sociedade, que tem o valor econômico, o valor do prestígio e o valor do prazer a qualquer custo como prioridades, certamente não entende as opções de Jesus e de seus seguidores fiéis.
Chegará o dia em que, para tornar o mundo melhor, as pessoas vão se convencer de que é preciso levar o caminho proposto e vivido por Jesus mais a sério. As Marias, a exemplo da Virgem Maria, também vão entender que sem o desprendimento e o despojamento, o mundo será uma caixa de maldade, de violência e de morte.
Concluindo
Maria fez seu caminho, seu itinerário. Ela tinha um projeto de vida assumido na Anunciação do Anjo. Para isso foi, aos poucos, meditando essas coisas em seu coração. O relacionamento educativo de Maria e Jesus é paradigmático. Muito do que disse e fez Jesus brotou da cabeça, do coração e das mãos de sua Mãe. Muito do que disse e fez Maria também brotou da cabeça, do coração e das mãos de seu Filho. Isto é educação... Um crescimento mútuo para a generosidade e para o despojamento. O caminho de Maria é o nosso caminho.