Yuval Noah Harari escreveu o livro “Homo Deus” da Editora Companhia das Letras. Outro de seus livros se chama “Homo Sapiens” no qual conta a história do ontem até hoje. O “Homo Deus” conta a história do futuro. Muito interessantes. É claro que não podemos concordar com tudo o que diz, mas que ele tem algumas intuições geniais isso tem.
Outubro é o mês do professor. Sim, porque dedicar apenas um dia ao professor e à professora é muito pouco. Lembrei-me, então, do capítulo 7 do “Homo Deus” em que Harari afirma que “é impossível manter ordem sem significado”. Se continuamos a viver é porque nossa vida tem significado.
Educação cheia de significado
É por isso que precisamos de pessoas significativas, livros significativos, educação significativa, valores significativos.
Olhando as estatísticas do ensino médio no Brasil constata-se que mais da metade dos adolescentes de 15 a 17 anos não está na escola. Onde estão? Despreparados, não conseguem trabalhar a não ser fazendo bico, ocupados no emprego informal e, pior ainda, em atividades ilícitas como drogas, prostituição, ócio... Francamente, pelo volume de pessoas fora da escola perguntamo-nos: por que não estamos numa situação de caos social maior? Nós somos muito interessantes. Queremos colher onde não semeamos e colocamos a culpa na semente... Aliás, na parábola bíblica a única coisa que não muda é a semente; o que muda é o terreno. A semente, no caso, são os adolescentes.
Pessoas significativas
O que segura nosso país ainda são as pessoas significativas... Muitos pais e mães deixaram de ser significativos para seus filhos porque ao primeiro canto da sereia os esquecem e eles ficam nas mãos de não se sabe quem. Os números não negam. Mas se o ideal é que o casal – pai e mãe – cuidem de seus filhos, também é verdade que uma mãe ou um pai sozinho pode ser tão ou mais significativo que em dois. Se alguém abandonou, alguém não abandonou também. Há avós que cuidam melhor dos netos que os pais. São pessoas significativas.
Outra figura significativa são os professores e as professoras. Nossa sociedade quer jogar nossos professores na insignificância atribuindo-lhes incumbências e responsabilidades que não procedem. Por exemplo, a tal escola sem partido. A escola reproduz a vida. Os professores reproduzem a vida. Além do mais, estudaram e preencheram os pré-requisitos exigidos pelo estado para serem professores inclusive sem sofrerem patrulha. O professor não pode apresentar apenas uma explicação da realidade porque ela não tem uma única explicação. O ponto de vista é sempre a vista de um ponto.
Onde não existem pessoas significativas
Fico triste quando vejo um governante recém empossado dizer que vai resolver os problemas do país porque vai consertar a economia. Não vivemos só economia. Vivemos significado. Uma distorção em qualquer um dos poderes desaba com qualquer significado. Auxílio-moradia para juízes não vai resolver o problema da nação, mas acaba com a figura significativa do juiz. Aposentadoria para filhas de militares não resolve a economia do país, mas acaba com a figura significativa do militar. Cartões corporativos usados sem transparência acabam com a significatividade do poder executivo. Mordomias do poder legislativo e submissão a pressão dos lobbies, desmoralizam o sentido das leis.
Pessoas significativas não precisam se impor
Professores e professoras ganhando miseráveis salários, aviltantes salários, não perdem a compostura e continuam sua missão, sobretudo por vocação e por acreditar que é melhor uma escola que um presídio. No entanto, há muita gente de bem que pensa o contrário porque se fechou em seu círculo e não consegue enxergar além. Sou professor, gosto muito da missão educativa. Não acredito em soluções autoritárias nem na família, nem na escola, nem em parte alguma. Sempre digo que as atitudes educativas são mais demoradas, mas são as mais consistentes. Este, aliás, é o pensamento de Dom Bosco, que entre o sistema repressivo e o preventivo optou por este.
Em tempos de educação 4.0 é difícil educar... Não é justo, por exemplo, que o que de melhor existe de aprendizagem para o aluno, que é seu smartphone, ainda tenha que passar pela discussão do permitido ou não permitido. Os bons conteúdos e os maus também já estão neste aparelho. Antigamente, a boa educação estava nos bons livros e a má educação nos maus livros. O importante é boa rede para acesso às nuvens e uma boa mediação dos professores.
Graças a Deus o Supremo Tribunal Federal proibiu a “homeschooling”, isto é, a educação feita em casa sem a mediação da escola. As novas gerações precisam da escola para que a sociedade tenha uma convivência pacífica. Sem mediação dos professores não se faz boa educação.
Agora, a tarefa principal da educação compete aos pais. A escola é subsidiária, isto é, ajuda a família naquilo que ela não pode e não tem condições de fazer porque não é sua missão. Cabe ao professor ser um “mediador cultural”. Ele ajuda a convivência de diferentes etnias, diferentes gêneros, diferentes classes sociais, diferentes éticas, diferentes religiões... A escola pública tem esta tarefa como primordial. O mesmo deveria valer também para a escola privada, confessional e comunitária nos termos da Constituição brasileira. Nesta missão, nem sempre o professor é compreendido, mas o que não pode é renunciar à missão de educar.
A pacificação da nação precisa reforçar pessoas significativas na sociedade. Uma delas e das mais significativas é o professor e a professora. Não é favor. É reconhecimento de uma cidadania forte e de uma função indelegável da sociedade.
Parabéns, professor! Parabéns, professora! Você continua significativo para mim. Você não é aquele cara lá. Você tem nome, tem história, tem vida, tem significado, tem incidência sobre minha vida. Você não é descartável porque está profundamente arraigado e arraigada no coração e no mais profundo do meu ser. Deus o ilumine sempre porque “os que ensinam os outros, um dia, como estrelas no céu brilharão” (Dn 12,3).
Padre Marcos Sandrini, SDB, é coordenador de Assuntos Comunitários da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS.