Entre admiração e dor

Domingo, 14 Julho 2024 19:09 Escrito por  Dom Ángel Fernández Artime – Reitor-Mor dos Salesianos
Entre admiração e dor Foto: Agência Info Salesiana - ANS
Hoje saúdo-vos pela última vez desta página do Boletim Salesiano. No dia 16 de agosto, em que se comemora o nascimento de Dom Bosco, termina o meu serviço como Reitor-Mor dos Salesianos de Dom Bosco.

 

É sem dúvida um motivo para agradecer, para dizer muito obrigado! Antes de tudo a Deus, à Congregação e à Família Salesiana, a tantas pessoas queridas e amigas, a tantos amigos do carisma de Dom Bosco, aos numerosos benfeitores.

Também nesta ocasião a minha saudação transmite algo que vivi recentemente. Daí o título da mesma: Entre admiração e dor. Partilho com vocês a alegria que me encheu o coração em Goma, na República Democrática do Congo, ferida por uma guerra interminável, e a alegria e o testemunho que ontem recebi.

Há três semanas, quando, depois de ter visitado Uganda (no campo de refugiados de Palabek que, graças à ajuda e ao trabalho salesiano destes anos, já não é um campo de refugiados sudaneses, mas o lugar onde dezenas de milhares de pessoas se instalaram e encontraram uma nova vida), atravessei Ruanda e cheguei à fronteira na região de Goma, uma terra maravilhosa, bela e de rica natureza (e precisamente por isso tão desejada e cobiçada). Pois bem, devido aos conflitos armados, naquela região há mais de um milhão de desalojados que tiveram de deixar as suas casas e a sua terra. Também nós tivemos de deixar a obra salesiana em Sha-Sha, que foi ocupada militarmente.

Este milhão de desalojados chegou à cidade de Goma. Em Gangi, num dos bairros, fica a obra salesiana “Dom Bosco”. Senti-me imensamente feliz por ver o bem que lá se faz. Centenas de rapazes e moças têm uma casa. Dezenas de adolescentes foram tirados da rua e vivem na casa de Dom Bosco. Mesmo ali, por causa da guerra, encontraram casa 82 crianças recém-nascidas e meninos e meninas que perderam os pais ou foram deixados para trás, porque os pais não conseguiam cuidar deles.

E ali, naquela nova Valdocco, uma das tantas Valdocco do mundo, uma comunidade de três Irmãs de São Salvador, juntamente com um grupo de senhoras, todas apoiadas pela casa salesiana com ajudas que chegam graças à generosidade dos benfeitores e da Providência, cuidam desses meninos e meninas. Quando fui visitá-los, as irmãs tinham vestido a todos de festa, mesmo aos meninos que dormiam nos seus berços. Como não sentir o coração transbordando de alegria perante essa realidade cheia de bondade, não obstante a dor causada pelo abandono e pela guerra!

Mas o meu coração comoveu-se quando encontrei algumas centenas de pessoas que vieram cumprimentar-me por ocasião da minha visita. Estou entre os 32.000 desalojados que deixaram as suas casas e a sua terra por causa das bombas e vieram em busca de refúgio. Vieram nos encontrar nos campos de jogos e nos terrenos da casa Dom Bosco de Gangi. Não têm nada, vivem em barracas de poucos metros quadrados. Esta é a sua realidade. Juntos procuramos todos os dias um modo de encontrar comida. Mas sabem o que mais me impressionou? O que me impressionou foi quando estava com estas centenas de pessoas, na sua maior parte idosos e mães com crianças, e vi que não haviam perdido a sua dignidade e não haviam perdido a sua alegria ou o seu sorriso. Fiquei impressionado e o meu coração entristeceu-se com tanto sofrimento e pobreza, ainda que estejamos fazendo a nossa parte em nome do Senhor.

 

Um concerto extraordinário

Senti outra grande alegria quando recebi um testemunho de vida que me fez pensar nos adolescentes e nos jovens das nossas presenças, e em tantos filhos de pais que talvez me leiam e que sentem que os seus filhos estão desmotivados, cansados da vida ou que não têm gosto por quase nada. Entre os hóspedes da nossa casa, nestes dias, encontrava-se uma extraordinária pianista que deu a volta ao mundo dando concertos e que fez parte de grandes orquestras filarmônicas. É uma antiga aluna dos salesianos e teve um salesiano, já falecido, como grande referência e modelo. Quis oferecer-nos este concerto no átrio do templo do Sagrado Coração como homenagem a Maria Auxiliadora, que tanto ama, e como agradecimento por tudo aquilo que tem sido a sua vida até agora.

Digo isso porque a nossa querida amiga nos ofereceu um concerto maravilhoso, de uma qualidade excepcional, aos 81 anos. Era acompanhada pela filha. E naquela idade, talvez quando alguns dos nossos idosos em família há muito tempo que disseram que já não têm vontade de fazer nada, nem de fazer nada que exija esforço, a nossa querida amiga, que treina diariamente ao piano, move as mãos com uma agilidade maravilhosa e estava imersa na beleza da música e da sua execução. A boa música, um sorriso generoso no fim da sua exibição e a entrega das orquídeas à Virgem Auxiliadora era tudo de que tínhamos necessidade naquela maravilhosa manhã.

Meu coração salesiano não pôde deixar de pensar nos adolescentes e jovens que talvez não tenham tido nada ou já não têm nada que hoje os motive na sua vida. Ela, a nossa amiga concertista, aos 81 anos vive com grande serenidade e, como me disse, continua a oferecer o dom que recebeu de Deus e todos os dias tem cada vez mais motivos para o fazer.

Outra lição de vida e outro testemunho que não deixa o coração indiferente.

Muito obrigado, meus amigos, muito obrigado do fundo do coração por todo o bem que estamos fazendo juntos. Por pequeno que possa parecer, contribui para tornar o nosso mundo um pouco mais humano e mais belo. Que o bom Deus vos abençoe.

 

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Entre admiração e dor

Domingo, 14 Julho 2024 19:09 Escrito por  Dom Ángel Fernández Artime – Reitor-Mor dos Salesianos
Entre admiração e dor Foto: Agência Info Salesiana - ANS
Hoje saúdo-vos pela última vez desta página do Boletim Salesiano. No dia 16 de agosto, em que se comemora o nascimento de Dom Bosco, termina o meu serviço como Reitor-Mor dos Salesianos de Dom Bosco.

 

É sem dúvida um motivo para agradecer, para dizer muito obrigado! Antes de tudo a Deus, à Congregação e à Família Salesiana, a tantas pessoas queridas e amigas, a tantos amigos do carisma de Dom Bosco, aos numerosos benfeitores.

Também nesta ocasião a minha saudação transmite algo que vivi recentemente. Daí o título da mesma: Entre admiração e dor. Partilho com vocês a alegria que me encheu o coração em Goma, na República Democrática do Congo, ferida por uma guerra interminável, e a alegria e o testemunho que ontem recebi.

Há três semanas, quando, depois de ter visitado Uganda (no campo de refugiados de Palabek que, graças à ajuda e ao trabalho salesiano destes anos, já não é um campo de refugiados sudaneses, mas o lugar onde dezenas de milhares de pessoas se instalaram e encontraram uma nova vida), atravessei Ruanda e cheguei à fronteira na região de Goma, uma terra maravilhosa, bela e de rica natureza (e precisamente por isso tão desejada e cobiçada). Pois bem, devido aos conflitos armados, naquela região há mais de um milhão de desalojados que tiveram de deixar as suas casas e a sua terra. Também nós tivemos de deixar a obra salesiana em Sha-Sha, que foi ocupada militarmente.

Este milhão de desalojados chegou à cidade de Goma. Em Gangi, num dos bairros, fica a obra salesiana “Dom Bosco”. Senti-me imensamente feliz por ver o bem que lá se faz. Centenas de rapazes e moças têm uma casa. Dezenas de adolescentes foram tirados da rua e vivem na casa de Dom Bosco. Mesmo ali, por causa da guerra, encontraram casa 82 crianças recém-nascidas e meninos e meninas que perderam os pais ou foram deixados para trás, porque os pais não conseguiam cuidar deles.

E ali, naquela nova Valdocco, uma das tantas Valdocco do mundo, uma comunidade de três Irmãs de São Salvador, juntamente com um grupo de senhoras, todas apoiadas pela casa salesiana com ajudas que chegam graças à generosidade dos benfeitores e da Providência, cuidam desses meninos e meninas. Quando fui visitá-los, as irmãs tinham vestido a todos de festa, mesmo aos meninos que dormiam nos seus berços. Como não sentir o coração transbordando de alegria perante essa realidade cheia de bondade, não obstante a dor causada pelo abandono e pela guerra!

Mas o meu coração comoveu-se quando encontrei algumas centenas de pessoas que vieram cumprimentar-me por ocasião da minha visita. Estou entre os 32.000 desalojados que deixaram as suas casas e a sua terra por causa das bombas e vieram em busca de refúgio. Vieram nos encontrar nos campos de jogos e nos terrenos da casa Dom Bosco de Gangi. Não têm nada, vivem em barracas de poucos metros quadrados. Esta é a sua realidade. Juntos procuramos todos os dias um modo de encontrar comida. Mas sabem o que mais me impressionou? O que me impressionou foi quando estava com estas centenas de pessoas, na sua maior parte idosos e mães com crianças, e vi que não haviam perdido a sua dignidade e não haviam perdido a sua alegria ou o seu sorriso. Fiquei impressionado e o meu coração entristeceu-se com tanto sofrimento e pobreza, ainda que estejamos fazendo a nossa parte em nome do Senhor.

 

Um concerto extraordinário

Senti outra grande alegria quando recebi um testemunho de vida que me fez pensar nos adolescentes e nos jovens das nossas presenças, e em tantos filhos de pais que talvez me leiam e que sentem que os seus filhos estão desmotivados, cansados da vida ou que não têm gosto por quase nada. Entre os hóspedes da nossa casa, nestes dias, encontrava-se uma extraordinária pianista que deu a volta ao mundo dando concertos e que fez parte de grandes orquestras filarmônicas. É uma antiga aluna dos salesianos e teve um salesiano, já falecido, como grande referência e modelo. Quis oferecer-nos este concerto no átrio do templo do Sagrado Coração como homenagem a Maria Auxiliadora, que tanto ama, e como agradecimento por tudo aquilo que tem sido a sua vida até agora.

Digo isso porque a nossa querida amiga nos ofereceu um concerto maravilhoso, de uma qualidade excepcional, aos 81 anos. Era acompanhada pela filha. E naquela idade, talvez quando alguns dos nossos idosos em família há muito tempo que disseram que já não têm vontade de fazer nada, nem de fazer nada que exija esforço, a nossa querida amiga, que treina diariamente ao piano, move as mãos com uma agilidade maravilhosa e estava imersa na beleza da música e da sua execução. A boa música, um sorriso generoso no fim da sua exibição e a entrega das orquídeas à Virgem Auxiliadora era tudo de que tínhamos necessidade naquela maravilhosa manhã.

Meu coração salesiano não pôde deixar de pensar nos adolescentes e jovens que talvez não tenham tido nada ou já não têm nada que hoje os motive na sua vida. Ela, a nossa amiga concertista, aos 81 anos vive com grande serenidade e, como me disse, continua a oferecer o dom que recebeu de Deus e todos os dias tem cada vez mais motivos para o fazer.

Outra lição de vida e outro testemunho que não deixa o coração indiferente.

Muito obrigado, meus amigos, muito obrigado do fundo do coração por todo o bem que estamos fazendo juntos. Por pequeno que possa parecer, contribui para tornar o nosso mundo um pouco mais humano e mais belo. Que o bom Deus vos abençoe.

 

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