Quando pensamos em “políticas públicas” temos uma primeira (e errada) impressão: por se tratar de política, já penso em partidos, deputados, Brasília... O professor e deputado europeu Francisco Assis, em sua coluna ao jornalPublico.pt, de Portugal, afirma que a população se mantém distante do debate de políticas públicas justamente por não compreender seu conceito. Citando um texto de Javier Cercas, publicado no El País, o autor nos fornece uma reflexão sobre como os países de língua inglesa conseguem diferenciar os conceitos de politics e policy.
“Para os anglo-saxônicos a diferença é clara: a politicsserá a arte de alcançar o poder e garantir a permanência no exercício do mesmo; a policyserá a arte de usar o poder, isto é, de o colocar ao serviço de um projeto”. Em português, a palavra “política” tem duplo significado, o que gera confusão e afasta a população de um debate que lhe pertence: o que faz o Estado em seu favor?
Quando são construídas escolas públicas, ou se contratam médicos para os hospitais do SUS, no Brasil, estamos falando de execução de políticas públicas (policy). É na corporificação da ação do Estado, em prol da população, que nascem as políticas públicas. E é justamente por isso que o debate é importante a todos, independentemente de gostarmos ou não de partidos políticos ou mesmo de um ou outro candidato.
Igreja e políticas públicas?
A Campanha da Fraternidade de 2019 tem como tema “Fraternidade e Políticas Públicas”, e como lema a passagem do Livro de Isaías (1, 27): “Serás libertado pelo direito e pela justiça”. Mas por que os cristãos devem se apropriar desse debate?
No Evangelho de São Mateus, Jesus diz que, no Dia do Juízo, Deus chamará ao Reino dos Céus aqueles que O tiverem reconhecido em cada um de nossos irmãos e irmãs: “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; estava nu e me vestistes; estava enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim (...). Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 34-36;40).
A figura do pobre, do oprimido, fica mais uma vez demonstrada como sendo o centro do olhar caritativo de Deus. Quando Cristo nos fala que os “pequeninos” são os que têm fome e sede, refugiados, doentes, que estão nus ou presos, nasce para os cristãos o dever de se preocupar com o irmão, principalmente o mais excluído. E essa preocupação não deve estar apenas em direcionar as preces, mas, também, em adotar ações práticas. “Que proveito há, meus irmãos se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Porventura essa fé pode salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano e algum de vós lhes disser: ‘Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos’, e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito há nisso? Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma” (Tg 2, 14-17).
Quando do surgimento do Estado moderno, o governo passou a ter, como prioridade, atender às necessidades da população. Logo, a tarefa de cobrar a atuação dos governantes em prol dos mais empobrecidos, para suprir as mazelas sociais e as segregações que permeiam a sociedade, é não apenas um papel de cidadão, mas um seguir do chamado ao Reino feito por Jesus.
Por que o tema é importante?
Segundo dados do IBGE (2018), o Brasil tem uma população de 208 milhões de habitantes, dos quais 15 milhões estão desempregados, e, segundo a Cáritas Nacional, 13 milhões passam fome. Quase 12 milhões de brasileiros são analfabetos. Além disso, temos a 7ª maior taxa de homicídios de jovens do mundo todo, estimada, segundo a Unicef, em 22 assassinatos para cada grupo de 100 mil adolescentes – índice quatro vezes maior que a média global.
Será que nos questionamos sobre as estruturas sociais que causam toda essa segregação? E o que fazemos para muda-las? Pois de nada adianta tentarmos “tapar o sol com a peneira” se não resolvermos, verdadeiramente, as causas da marginalização e da pobreza.
Em 2018, elegemos um novo Presidente da República e novos representantes para o Congresso Nacional. Dentre as pautas dos eleitos, há a preocupação com políticas públicas? O que pensam os governantes sobre o debate de políticas (politics e depolicy)? Sabemos quais são os mecanismos para cobrar os governos (dos municípios, estados e da União) de seus deveres?
Cada vez que nos afastamos do debate sobre políticas públicas, deixamos de amparar os mais desfavorecidos. Cada vez que deixamos de nos questionar sobre as mais profundas causas dessas desigualdades, deixamos de nos importar com o próximo. E, enquanto se travam disputas meramente discursivas, nas quais se tenta prestigiar apenas um ou outro ponto de vista, há irmãos desempregados ou com fome. Estamos preparados para lidar com essa verdade que aí está?
Iago Rodrigues Ervanovite, 25 anos, é advogado formado pelo Centro Unisal. Foi conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve) da Presidência da República e é ex-secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE).