Comunicar o bem para o bem: a importância de combater as fake news

Quarta, 12 Dezembro 2018 07:49 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
Comunicar o bem para o bem: a importância de combater as fake news Foto: iStock.com
Nos dias de hoje, as fake newssão criadas para diversos propósitos: seja comercial – a fim de fortalecer ou arruinar uma marca ou mercadoria –, seja político, ou mesmo ideológico.  

O ano de 2018 se aproxima do fim. E que ano intenso vivemos: o início da intervenção militar no Rio de Janeiro – a primeira desde a redemocratização do País, em 1988 –; uma Copa do Mundo – com o Brasil eliminado nas quartas e França bicampeã –; protestos por todo o país – contra o aumento constante do preço dos combustíveis e contra retrocessos sociais –; eleições gerais – com a maior taxa de renovação da Câmara dos Deputados dos últimos 20 anos (47%) e a eleição de um novo presidente da República. Isso tudo só aqui no Brasil.

 

Considerando o contexto mundial, ainda nesse ano vimos: o uso de armas químicas na guerra da Síria; a reaproximação das Coréias do Norte e do Sul; a alteração da Embaixada dos Estados Unidos em Israel para Jerusalém e o agravamento da crise na relação com a Palestina; a instabilidade econômica na Argentina com o reaparecimento da fome e da desnutrição da população mais pobre; a visita do Papa Francisco à Irlanda em meio às denúncias de abusos sexuais por clérigos.

 

À exceção – talvez – da Copa do Mundo de Futebol, podemos dizer que todos os acontecimentos tratados nos primeiros parágrafos deste texto possuem uma característica em comum: foram acompanhados de muita desinformação e notícias falsas, as chamadas fake news.

 

Mas o que são fake news?

O termo inglês significa, em tradução literal, “notícias falsas”. As fake news não são novidade, mas ganharam especial atenção a partir de 2016, com as eleições americanas, que foram permeadas de escândalos envolvendo falsas notícias atribuídas tanto à democrata Hilary Cliton quanto ao republicano Donald Trump, eleito presidente.

 

No Brasil, as fake news também passaram a ser alvo de atenção – da sociedade e da própria mídia – a partir da eleição presidencial de 2018, embora não se restringissem a esse momento.

 

Em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o professor do curso de História de Harvard, Robert Darnton, afirmou que as notícias falsas são relatadas pelo menos desde o século 6. “Procópio foi um historiador bizantino do século 6 famoso por escrever a história do império de Justiniano. Mas ele também escreveu um texto secreto, chamado ‘Anekdota’, e ali ele espalhou ‘fake news’, arruinando completamente a reputação do imperador Justiniano e de outros”, afirmou o historiador. 

 

Nos dias de hoje, as fake news são criadas para diversos propósitos: seja comercial – a fim de fortalecer ou arruinar uma marca ou mercadoria –, seja político, ou mesmo ideológico. Mas seja qual for o contexto em que é utilizada, e para muito além de reputações individuais, o uso de uma notícia falsa necessariamente sai em prejuízo de um bem maior e coletivo: a verdade.

 

Quais os perigos de uma fake news?

Vítima constante de fake news, o Papa Francisco já abordou o assunto em algumas de suas homilias e de seus discursos.

 

Em 18 de junho deste ano, o Papa denunciou que com a utilização de notícias falsas para desacreditar instituições e destruir a reputação de pessoas pode-se chegar a uma verdadeira “ditadura”. Segundo o pontífice, é na tentativa de desacreditar instituições – para prevalecer uma ideia específica em detrimento da verdade – que se acaba por romper a credibilidade dos sistemas democráticos.

 

O Papa ainda lembrou de episódios baseados na calúnia, que influenciaram negativamente o curso da história, afetando não apenas uma pessoa, mas todo um povo. “Pensemos, por exemplo, nas ditaduras do século passado. Pensemos nas perseguições aos judeus. Uma comunicação caluniosa contra os judeus e eles terminaram em Auschwitz”, recordou.

 

Como relembrado por Francisco, muito além de preservar a imagem de uma instituição, está a importância de preservar a integridade da história e das pessoas que estão relacionadas com a notícia que se espalha. A história já nos mostrou que o cultivo de notícias falsas pode nos levar a terríveis resultados, como derrubar governos democráticos ou perseguir e exterminar milhares de seres humanos.

 

Posto isso, percebemos que nasce, para nós, um dever cívico ínsito ao século XXI, era da comunicação rápida: o de verificar a origem da informação, confrontando-a com outras fontes, a fim de garantir a integridade da notícia, da história e de todos os envolvidos.

 

Como mencionei acima, o Papa Francisco parece ser vítima constante de tais fake news. Inimigos de dentro e de fora da Igreja tentam desacreditar seu papado e seus ensinamentos por motivos maus e egoísticos, seja criando uma fala que jamais foi dita, seja deturpando o que foi falado.

 

Quando surgem essas fake news que o afetam, muitas pessoas se chocam e procuram saber se é verdade; outras, porém, insistem em propagar a notícia. Se o fazem sem saber que é falsa, caem em uma terrível maldade impensada; mas pior ainda é quando o fazem sabendo que é uma mentira. E por que há pessoas que insistem em espalhar mentiras?

 

A mentira, a verdade e a pós-verdade

Muito embora a filosofia ocidental moderna não encontre uma única definição para “verdade” – como já tentaram Platão, Aristóteles e São Tomás de Aquino, ou mais recentemente Nietzsche, Sartre e Foucault –, fato é que bem conhecemos seu antônimo: a mentira.

 

Todas as ideias que não correspondem aos fatos ou à realidade podem ser definidas como mentiras. É neste conceito de não correspondência com a realidade que nascem as fake news. E a narrativa de uma mentira – na forma de notícia, ou fake news, como estamos abordando nessa coluna – é direcionada a um intento específico.

 

Em 2016, o Dicionário Oxford da língua inglesa introduziu em sua coletânea de palavras a expressão “pós-verdade”, definindo-a como um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”. De acordo com o dicionário, o prefixo “pós” não se refere a um evento “posterior”, mas “a um momento em que o conceito específico se tornou irrelevante ou não é mais importante”. Portanto, “pós-verdade” é o momento em que a verdade não é mais tão importante como já foi um dia.

 

A partir desse conceito, podemos entender que as fake news se inserem num contexto em que a sociedade preza mais pela “pós-verdade” do que pela “verdade”. Por essa razão o combate à disseminação de fake newsparece ser tão difícil: as pessoas gostam da “notícia” que lhes foi passada, mesmo que não seja verdadeira, pois está estritamente relacionada com algum valor pessoal.

 

Debater sem mentir

Em tempos de polarização política e social, a discordância é muito bem-vinda, pois reafirma o valor democrático de nossa sociedade, em que duas ou mais ideias opostas ou dissonantes coexistem e são debatidas em prol de um bem comum.

 

Todavia, em qualquer cenário de debate, uma coisa não se pode permitir: a mentira. Não sejamos egoístas em nossas discussões ou em nosso comportamento público. Validar uma informação antes de repassa-la é fundamental para manter a sociedade democrática em pleno funcionamento.

 

Mesmo que seja sobre algo (ou alguém) que discordamos ou desgostamos, defender a verdade acima de tudo e de todos é muito mais saudável para a democracia do que reafirmar nossos argumentos. Que não nos deixemos seduzir por aquilo de que simplesmente gostamos ou não. Em tempos de “pós-verdade”, qual será sua postura perante uma fake news que beneficia seu ponto de vista?

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 25 anos, é advogado formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, membro do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) da Presidência da República e ex-secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE).

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Última modificação em Quarta, 12 Dezembro 2018 08:02

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Quarta, 12 Dezembro 2018 07:49 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
Comunicar o bem para o bem: a importância de combater as fake news Foto: iStock.com
Nos dias de hoje, as fake newssão criadas para diversos propósitos: seja comercial – a fim de fortalecer ou arruinar uma marca ou mercadoria –, seja político, ou mesmo ideológico.  

O ano de 2018 se aproxima do fim. E que ano intenso vivemos: o início da intervenção militar no Rio de Janeiro – a primeira desde a redemocratização do País, em 1988 –; uma Copa do Mundo – com o Brasil eliminado nas quartas e França bicampeã –; protestos por todo o país – contra o aumento constante do preço dos combustíveis e contra retrocessos sociais –; eleições gerais – com a maior taxa de renovação da Câmara dos Deputados dos últimos 20 anos (47%) e a eleição de um novo presidente da República. Isso tudo só aqui no Brasil.

 

Considerando o contexto mundial, ainda nesse ano vimos: o uso de armas químicas na guerra da Síria; a reaproximação das Coréias do Norte e do Sul; a alteração da Embaixada dos Estados Unidos em Israel para Jerusalém e o agravamento da crise na relação com a Palestina; a instabilidade econômica na Argentina com o reaparecimento da fome e da desnutrição da população mais pobre; a visita do Papa Francisco à Irlanda em meio às denúncias de abusos sexuais por clérigos.

 

À exceção – talvez – da Copa do Mundo de Futebol, podemos dizer que todos os acontecimentos tratados nos primeiros parágrafos deste texto possuem uma característica em comum: foram acompanhados de muita desinformação e notícias falsas, as chamadas fake news.

 

Mas o que são fake news?

O termo inglês significa, em tradução literal, “notícias falsas”. As fake news não são novidade, mas ganharam especial atenção a partir de 2016, com as eleições americanas, que foram permeadas de escândalos envolvendo falsas notícias atribuídas tanto à democrata Hilary Cliton quanto ao republicano Donald Trump, eleito presidente.

 

No Brasil, as fake news também passaram a ser alvo de atenção – da sociedade e da própria mídia – a partir da eleição presidencial de 2018, embora não se restringissem a esse momento.

 

Em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o professor do curso de História de Harvard, Robert Darnton, afirmou que as notícias falsas são relatadas pelo menos desde o século 6. “Procópio foi um historiador bizantino do século 6 famoso por escrever a história do império de Justiniano. Mas ele também escreveu um texto secreto, chamado ‘Anekdota’, e ali ele espalhou ‘fake news’, arruinando completamente a reputação do imperador Justiniano e de outros”, afirmou o historiador. 

 

Nos dias de hoje, as fake news são criadas para diversos propósitos: seja comercial – a fim de fortalecer ou arruinar uma marca ou mercadoria –, seja político, ou mesmo ideológico. Mas seja qual for o contexto em que é utilizada, e para muito além de reputações individuais, o uso de uma notícia falsa necessariamente sai em prejuízo de um bem maior e coletivo: a verdade.

 

Quais os perigos de uma fake news?

Vítima constante de fake news, o Papa Francisco já abordou o assunto em algumas de suas homilias e de seus discursos.

 

Em 18 de junho deste ano, o Papa denunciou que com a utilização de notícias falsas para desacreditar instituições e destruir a reputação de pessoas pode-se chegar a uma verdadeira “ditadura”. Segundo o pontífice, é na tentativa de desacreditar instituições – para prevalecer uma ideia específica em detrimento da verdade – que se acaba por romper a credibilidade dos sistemas democráticos.

 

O Papa ainda lembrou de episódios baseados na calúnia, que influenciaram negativamente o curso da história, afetando não apenas uma pessoa, mas todo um povo. “Pensemos, por exemplo, nas ditaduras do século passado. Pensemos nas perseguições aos judeus. Uma comunicação caluniosa contra os judeus e eles terminaram em Auschwitz”, recordou.

 

Como relembrado por Francisco, muito além de preservar a imagem de uma instituição, está a importância de preservar a integridade da história e das pessoas que estão relacionadas com a notícia que se espalha. A história já nos mostrou que o cultivo de notícias falsas pode nos levar a terríveis resultados, como derrubar governos democráticos ou perseguir e exterminar milhares de seres humanos.

 

Posto isso, percebemos que nasce, para nós, um dever cívico ínsito ao século XXI, era da comunicação rápida: o de verificar a origem da informação, confrontando-a com outras fontes, a fim de garantir a integridade da notícia, da história e de todos os envolvidos.

 

Como mencionei acima, o Papa Francisco parece ser vítima constante de tais fake news. Inimigos de dentro e de fora da Igreja tentam desacreditar seu papado e seus ensinamentos por motivos maus e egoísticos, seja criando uma fala que jamais foi dita, seja deturpando o que foi falado.

 

Quando surgem essas fake news que o afetam, muitas pessoas se chocam e procuram saber se é verdade; outras, porém, insistem em propagar a notícia. Se o fazem sem saber que é falsa, caem em uma terrível maldade impensada; mas pior ainda é quando o fazem sabendo que é uma mentira. E por que há pessoas que insistem em espalhar mentiras?

 

A mentira, a verdade e a pós-verdade

Muito embora a filosofia ocidental moderna não encontre uma única definição para “verdade” – como já tentaram Platão, Aristóteles e São Tomás de Aquino, ou mais recentemente Nietzsche, Sartre e Foucault –, fato é que bem conhecemos seu antônimo: a mentira.

 

Todas as ideias que não correspondem aos fatos ou à realidade podem ser definidas como mentiras. É neste conceito de não correspondência com a realidade que nascem as fake news. E a narrativa de uma mentira – na forma de notícia, ou fake news, como estamos abordando nessa coluna – é direcionada a um intento específico.

 

Em 2016, o Dicionário Oxford da língua inglesa introduziu em sua coletânea de palavras a expressão “pós-verdade”, definindo-a como um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”. De acordo com o dicionário, o prefixo “pós” não se refere a um evento “posterior”, mas “a um momento em que o conceito específico se tornou irrelevante ou não é mais importante”. Portanto, “pós-verdade” é o momento em que a verdade não é mais tão importante como já foi um dia.

 

A partir desse conceito, podemos entender que as fake news se inserem num contexto em que a sociedade preza mais pela “pós-verdade” do que pela “verdade”. Por essa razão o combate à disseminação de fake newsparece ser tão difícil: as pessoas gostam da “notícia” que lhes foi passada, mesmo que não seja verdadeira, pois está estritamente relacionada com algum valor pessoal.

 

Debater sem mentir

Em tempos de polarização política e social, a discordância é muito bem-vinda, pois reafirma o valor democrático de nossa sociedade, em que duas ou mais ideias opostas ou dissonantes coexistem e são debatidas em prol de um bem comum.

 

Todavia, em qualquer cenário de debate, uma coisa não se pode permitir: a mentira. Não sejamos egoístas em nossas discussões ou em nosso comportamento público. Validar uma informação antes de repassa-la é fundamental para manter a sociedade democrática em pleno funcionamento.

 

Mesmo que seja sobre algo (ou alguém) que discordamos ou desgostamos, defender a verdade acima de tudo e de todos é muito mais saudável para a democracia do que reafirmar nossos argumentos. Que não nos deixemos seduzir por aquilo de que simplesmente gostamos ou não. Em tempos de “pós-verdade”, qual será sua postura perante uma fake news que beneficia seu ponto de vista?

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 25 anos, é advogado formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, membro do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) da Presidência da República e ex-secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE).

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