Na vida de São João Bosco, os sonhos foram um caminho cheio de altos e baixos que marcaram profundamente suas opções. Ao longo de sua vida, o sonho dos 9 anos (que historicamente sabemos ter ocorrido em 1825, quando João Bosco tinha na verdade 10 anos) definiu profundamente suas escolhas e, lógico, sua vocação, porque aquele sonho de menino foi um projeto vocacional cheio de cenários e personagens que envolveram a mente fértil de João até sua plena maturidade.
O sonho é sempre uma realidade escondida, jamais fantasiosa. Quando sonhamos, nossa mente tira do inconsciente o que está latente. Assim foi com Joãozinho Melchior Bosco. Ainda criança ele vive o drama familiar da fome e da falta de perspectiva além da zona rural. Há nele um desejo, ou seja, sem negar suas origens, quer avançar na vida, ser mais que um camponês honesto e pai de família. Contudo, o contexto familiar torna essa realidade difícil. Neste conflito vivido por uma criança acostumada com o trabalho no campo Deus entra na história para revelar uma possibilidade de vida plena. E esta entrada é através de um sonho.
Joãozinho, após um dia de trabalho, dorme sereno, mas sua mente capta algo confuso. Ele se vê no meio de meninos que gritam, lutam e falam palavrões. A cena é revoltante e ele busca na força calar aqueles garotos revoltados. Segue uma luta de socos, pontapés e blasfêmias. Entra em cena um senhor majestoso, desconhecido, mas de aspecto paterno. Ele se aproxima de João e lhe diz que não resolverá o conflito gerando mais conflitos. É preciso usar da paciência e do respeito recíproco. O menino se assusta. Aquele senhor é um personagem novo em sua vida. Procura saber sua identidade, mas há um mistério que paira naquela imagem. Então, aparece uma jovem senhora, de aspecto sereno, materno, que o acolhe. O senhor aponta a jovem como sua mestra. Será ela que o guiará pelos caminhos de sua vocação. Ela será a pastora que vai levá-lo pelos campos da vida e o guiará aos meninos.
João acorda assustado. Sente nas mãos a dor dos socos. O que era aquilo? Como contar aos de casa esse sonho esquisito? Naquela manhã ele procura o irmão mais novo e relata o sonho. José diz a ele que certamente seu destino será o de ser para sempre um pastor de ovelhas. O irmão mais velho, Antônio, ironiza dizendo que ele certamente será chefe de bandidos. A avó Zucca, cheia de sabedoria, declara: “Os sonhos são bobagens, não dê importância”. A mãe Margarida escuta atentamente e manifesta sua opinião de mulher cheia de fé: “Quem sabe você será padre!”. Joãozinho escuta a todos e decide aceitar a opinião de sua sábia avó.
As imagens ganham força
No entanto, o sonho retorna outra vez. Durante 18 anos ele será sacudido por aquelas imagens que ganham cada vez mais força e começam a definir sua vida e sua vocação. Aos poucos o adolescente João percebe que há naquele sonho algo de extraordinário. O homem majestoso é Deus e a mulher é Nossa Senhora. Essa certeza o torna mais confiante. Agora ele segue vencendo os limites. Quer ser um padre diferente dos que está acostumado a ver nos povoados. Quer estar junto aos jovens, mais ainda, ele sente que não dá para esperar que os meninos venham até ele, mas ele precisa sair ao encontro deles, ser missionário. Então, opta por deixar a casa materna. Começa uma aventura para estudar e realizar seu sonho. Vence cada batalha com a força de um leão. Aprende a sobreviver como garçom, sapateiro, alfaiate, padeiro, malabarista. Tudo para conseguir um dinheirinho com honestidade e pagar seus estudos. O jovem João não aceita o caminho do roubo para ganhar seu sustento. É um menino com um projeto a ser realizado e para tanto precisa começar pela opção de ser feliz e fazer os outros felizes.
Para se defender e criar em torno a si condições de sobrevivência, organiza um grupo de amigos, a Sociedade da Alegria, e com eles brinca, faz catequese, passeios. João sabe que a arte de fazer bons amigos é o melhor caminho para superar as dificuldades. As más companhias geram dependências, conflitos e uma vida dupla, coisa que ele abomina. Aquele sonho de menino lhe tinha ensinado a ser perspicaz em suas ações e coerente consigo mesmo.
Aos poucos, João realiza o sonho de ser padre. Entra no seminário. Supera o muro de separação entre professores e alunos; continua gerando amizades, coloca-se à disposição de todos. A um conserta os sapatos, a outro corta o cabelo, a outro costura a batina e organiza um círculo de leitores. João cresce como líder no meio dos jovens. Este será seu laboratório mais concreto de vida.
O padre dos jovens pobres
Aos 26 anos, em 1841, é ordenado padre e descobre o outro lado da vida da cidade grande: os meninos abandonados pela sociedade, vítimas da fome, da violência, da orfandade. Sai ao encontro deles e busca um lugar para viver com os jovens, o oratório festivo. Nasce assim a casa salesiana como lugar de acolhida, paróquia, pátio e verdadeiras amizades. Seu sonho se realiza. Começa a ser conhecido com o nome de Dom Bosco, o padre dos jovens pobres. As autoridades civis percebem sua liderança e sua contribuição social, a Igreja entende que aquele padre tem um dom especial e sua vida se transforma numa estrada que conduz ao amor de Deus.
Aos 72 anos, em 1888, ele sonha pela última vez e percebe que tudo aquilo se realizou porque ele deixou que o senhor majestoso e a senhora pastora fossem seus verdadeiros mestres. Ele entende que o sonho de menino foi um projeto de vida para os outros. Aquela senhora o guiou por caminhos e campos jamais imaginados. E, ao morrer, ele deixa um legado aos seus jovens salesianos para que sejam sonhadores como ele. Convida também cada jovem a se deixar envolver pelo sonho de uma vida plena, pois nada há de sombrio entre o susto de um sonho e a realidade que se concretiza a cada dia.