A Estreia deste ano respira ainda a experiência histórica, pedagógica e espiritual do bicentenário do nascimento de Dom Bosco. Interpreto assim a Estreia como uma espiral, cujos pontos se unem num único caminho espiritual. Por isto, o reitor-mor nos convida a uma “aventura do Espírito”, quer dizer, a fazer um itinerário a partir de um encontro decisivo com uma pessoa e não com uma ideia. A pessoa em referência é o próprio Jesus Cristo.
Trata-se de um encontro que se dá tanto na dimensão do Espírito, como também na concretude da vida. Deus mesmo nos convida ao núcleo da alma, ou seja, à profundidade do castelo interior, cujas moradas devem ser superadas e cada uma delas é o mergulho profundo na interioridade de nós mesmos. Santa Tereza D´Ávila, em sua obra A vida, descreve muito bem este processo místico nas sete moradas: na primeira morada a alma está prisioneira de si mesma, surda aos fatos; na segunda, ela luta contra as distrações; na terceira terceira, ela se purifica pela meditação e pelo zelo apostólico; na quarta morada predominam a imaginação e a capacidade de renunciar; na quinta, começa a libertação do mundanismo espiritual que tudo distrai e ajuda a renascer de nova; a sexta morada é o abandono de tudo que dificulta o encontro com Deus; e a sétima morada é o mergulho em Cristo, configuração a Ele.
No caminho de Jesus
A Estreia é um convite a partir da periferia – mundanismo espiritual – do efêmero e passageiro, aqui e agora, e ir mais ao núcleo da alma, superando as margens do caminho e colocando-se no caminho de Jesus. Como o cego Bartimeu, abandonar as seguranças, o medo e ir ao encontro do essencial. É um descer dos esconderijos como aconteceu a Zaqueu, expor a própria vida e se revelar, superando assim os medos e as atitudes de fechamento e indiferença diante dos apelos de Deus.
Temos exemplos desses buscadores de Deus na história. Como exemplos, o reitor-mor cita Maria, São Paulo, Dom Bosco, porém a lista é enorme. Em Maria foi o imprevisto, a surpresa de Deus que bateu na sua porta com a boa noticia do nascimento do Salvador; com Paulo foi a experiência da queda, cegueira, isolamento e conversão; com Dom Bosco foi a experiência de migrante que, ao encontrar jovens abandonados e migrantes como ele, se colocou a serviço deles como Pai e Mestre. Esta é a aventura do Espírito à qual somos chamados a realizar como cristãos leigos, religiosos e pessoas de boa vontade.
Perspectivas para novos sonhos
A partir dessa aventura é possível ser mistagogo, ou seja, acompanhar os jovens na investigação, na experiência, no desejo e na fantasia da descoberta de Jesus Cristo no interior de suas buscas e no sentido pleno de seus sonhos. Isso requer a coragem de ir além do presente e mergulhar em profundidade no sopro de Deus que se revela na alegria de viver, ouvir, ver, contemplar e tocar (1 Jo1,1-4) a Palavra que se faz realidade em nós.
Disto se desenha o Projeto Pessoal de Vida que abre perspectivas para novos sonhos, novas surpresas e o desejo de buscar o sentido mais profundo para a verdade que buscamos em nosso interior. É óbvio, torna-se também proposta possível de caminho espiritual aos jovens; caso contrário, é pura especulação e uma aventura sem sucesso.
A Estreia nos aponta para um olhar mais positivo para o tempo novo que começa a partir desses duzentos anos. A questão não é tanto o que celebramos, mas o que restou de Dom Bosco e do seu carisma após esse percurso. Qual perfil de Dom Bosco realmente aparece em nosso agir como educadores evangelizadores? O que ficou do sistema preventivo? O que realmente vivemos da espiritualidade do cotidiano? O que temos de ambiente salesiano, pátio de encontro, como bem nos recorda o Papa Francisco?
O importante é reconhecer que entre a misericórdia e a cultura do encontro não há um hiato, mas uma ponte com possiblidades para fazer um itinerário que abra as portas de uma nova aventura salesiana, guiada por salesianos e jovens no caminho rumo ao Reino definitivo.