A Previdência Social constitui direito de todos os trabalhadores brasileiros, nos termos do art. 7º da nossa Constituição Federal. O art. 194 da Constituição ainda dispõe que a Previdência faz parte de um complexo sistema de proteção social, denominado “seguridade social”, e tem como objetivo principal assegurar a subsistência do trabalhador em caso de desemprego involuntário, incapacidade para o trabalho ou sua aposentadoria.
Em outras palavras, a Previdência Social concede benefícios para proteger o trabalhador e sua família em casos de doença, invalidez, morte, maternidade e em caso de desemprego. Também é responsável pelo pagamento de salário-família, auxílio-reclusão e pensão por morte do segurado.
Atualmente em pauta pelo Governo e pelo Congresso, a “reforma da Previdência” tem se tornado alvo de muitas críticas por entidades e associações populares, acompanhadas, de outro lado, de certo apoio de parte da população e outras organizações políticas. Nesse campo de debate, quem tem razão? E por que eu, jovem, devo me preocupar com a reforma?
Reformar ou deformar?
Para o custeio de todas as despesas da Previdência, diversas são as fontes de arrecadação. Segundo o art. 195 da Constituição, a seguridade social (sistema do qual a Previdência faz parte) será financiada por toda a sociedade, a partir de recursos públicos (decorrentes dos impostos e outros tributos), além das contribuições de empresas e empregadores, dos próprios trabalhadores e das importações feitas pelo país.
Segundo agentes econômicos do Governo, o caixa da Previdência não se sustentará mais em alguns anos, podendo levar à quebra do sistema, pois os valores dados aos aposentados, aos pensionistas e às pessoas que recebem auxílio irão superar o número de contribuições.
Uma coisa não se pode negar: a expectativa de vida do ser humano está aumentando, de acordo com o avançar da ciência e das tecnologias. Ainda, deve-se considerar que a taxa populacional só tem aumentado. Segundo o IBGE, em 2018, a expectativa média de vida dos brasileiros é de 76 anos, sendo 22 anos a mais do que o registrado na década de 1960, quando a média atingia apenas 54 anos. Além disso, em 2018 o Brasil tinha 208 milhões de habitantes (sendo 13% de idosos), e, até 2047, deveremos atingir a marca dos 233 milhões (dos quais 25% terão mais que 65 anos).
O que quer a reforma da Previdência?
A fim de conter os crescentes gastos com aposentadorias e pensões sem contrapartida, o Governo propôs modificar a Constituição por meio da PEC 6/2019, alterando, essencialmente, 12 pontos sobre a seguridade social, dentre eles a Previdência e suas regras para aposentadoria.
Um dos pontos diz respeito à idade mínima para aposentadoria dos trabalhadores urbanos: hoje, a lei exige que as mulheres tenham, no mínimo, 60 anos de idade, e os homens, 65, contando cada um com, pelo menos, 15 anos de contribuição. Pela nova proposta, os trabalhadores deveriam ter 62 anos (mulheres) e 67 anos (para os homens), com o mínimo de 20 anos de contribuição.
Segundo reportagem da BBC, o Governo detém dados que demonstram que a população mais pobre se aposenta, em grande maioria, pela regra de idade mínima. Dessa forma, o principal impacto para o público mais empobrecido do país está no aumento de cinco anos na exigência de tempo de contribuição.
Há também mudanças para os trabalhadores rurais, que, hoje, conseguem se aposentar aos 55 anos. Com a mudança sugerida pelo Governo, seria necessário aguardar mais 5 anos, aposentando-se apenas aos 60, além de passar-se a exigir 20 anos de contribuição.
Situações de vulnerabilidade
Para quem trabalha em escritórios, não parece uma idade injusta. Mas já paramos para assimilar como é difícil trabalhar no campo, sob o sol ardente, com trabalhos duros, e expostos a pesticidas e outros produtos químicos perigosos? Será que é possível chegar à idade da aposentadoria proposta (60 anos) com saúde suficiente para aproveitar “a melhor idade”?
Se estamos falando em aposentadoria, e a juventude, o que tem a ver com isso? Dados do IBGE demonstram que 30% dos jovens, hoje, estão desempregados; e, dos que trabalham, quase 60% estão na informalidade, ou seja, sem carteira assinada.
Ainda que não estejamos nas situações de vulnerabilidade abordadas neste texto – de trabalho no campo ou de trabalhos árduos –, não devemos deixar de nos preocupar com os efeitos de uma reforma mal feita, que atende apenas a parte dos interesses de uma pequena parcela da população. Afinal, os efeitos podem impactar diretamente em sua qualidade de vida ou na de pessoas que você conhece e gosta.
Pra fazer a conta fechar
Muito se tem propagado por aí que a reforma objetiva “acabar com privilégios”, tornando a Previdência mais igualitária. Ainda, alega-se que a Previdência tem um déficit de R$149 bilhões, e que é necessário economizar recursos para salda-lo. O discurso político é muito bonito, mas precisa coincidir com a prática.
Será que estamos prestando atenção em quem serão os atingidos pelos efeitos da reforma? Serão, novamente, os mais empobrecidos, principalmente os que precisam de trabalhos braçais, duros e que exigem grande esforço físico.
Alguém já pensou (ou ousou) fazer propostas para redução de salários de políticos? Ou mesmo reduzir a quantidade de assessores de cada deputado ou senador? Quem sabe, até mesmo, fazer com que paguem por suas próprias despesas, afinal, se recebem salário como qualquer outro trabalhador, precisam mesmo de “auxílios” (paletó, moradia, viagem etc.)?
Além disso, muitas empresas e empresários têm dívida com a Previdência: como abordamos no início deste texto, uma das formas de custeio do sistema de seguridade é a contribuição dada pelos empregadores. Essas dívidas, hoje, somam R$ 374 bilhões, segundo dados do próprio Governo. Se a dívida é de R$ 149 bilhões, não seria mais eficaz cobrar quem efetivamente deve pagar a conta? Não adianta falar em “combater privilégios”, se “os privilégios” de grupos políticos e sociais serão mantidos mesmo com a reforma.
É preciso, sim, mudar. É preciso uma reforma que consiga suportar as futuras realidades sociais, de uma população maior e mais envelhecida. É preciso economizar e, ao final, as contas devem fechar (ou seja, não se pode gastar mais do que se arrecada, senão ficamos no “negativo”). Mas isso não pode ser feito a qualquer custo, muito menos em cima dos mais empobrecidos.
Iago Rodrigues Ervanovite, 26 anos, é advogado formado pelo Centro Unisal - SP. Foi membro do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) da Presidência da República e é ex-secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE).