Cultivar e guardar a criação inteira: se inclua nessa

Quarta, 01 Março 2017 13:47 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
A Criação não deve ser vista por apenas um ângulo, ou por uma “obra” que a compõe, mas por todas as faces que apresenta. Se Deus fosse um artista, a Criação seria seu acervo.

Em 2017, a Campanha da Fraternidade, celebrada pelos católicos de todo o Brasil, tem como tema “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida” e como lema “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15). O ideário desta edição da CF é refletir sobre o meio ambiente e ela sugere uma visão global das expressões da vida e dos dons da criação.

Deus nos convida a cuidar de cada parte de sua criação, que deve ser vista em sua integralidade. Ora, se Deus fosse um artista, assim como foram Michelangelo, Picasso, ou Leonardo Da Vinci, sua obra não poderia se ater a um ou outro quadro ou escultura, de maneira simplista, mas a toda a sua produção, por todo o seu acervo (ainda que uma ou outra obra chame mais atenção que as demais).

Do mesmo modo, e justamente por essas razões, a Criação (pela qual passamos a nos referir, agora, com sua inicial maiúscula) não deve ser compreendida ou vista por apenas um ângulo, ou por uma “obra” que a compõe, mas por todas as faces que apresenta. Se Deus fosse um artista, a Criação seria seu acervo.

 

Cuidar da Criação em sua totalidade

O trecho do qual foi extraído o lema da Campanha da Fraternidade deste ano vem do Livro de Gênesis, mais especificamente do momento que Deus termina sua obra (a Criação) e põe o homem (hoje compreendido como o ser humano) para cuidá-la.

Conquanto a CF nos incite verdadeiramente, e com acerto, a refletir sobre os cuidados com o meio ambiente especificamente, quero ousar distingui-lo, nestas linhas da revista, do mesmo trecho bíblico, analisando-o por outro ângulo.

Deus dá ao ser humano o direito e o dever de cuidar de sua Criação. Portanto, é o primeiro guardador de suas obras na Terra. Lembremos que esse mesmo ser humano é parte da Criação. Nesses termos, o cuidado que o homem deve ter com a Criação passa, necessariamente, pelo próprio cuidado.

Veja, cuidar da Criação pressupõe um “autocuidar” que a espécie humana deve ter consigo, e com tudo aquilo que lhe afeta diretamente. A Criação, como mencionado nesse texto, justamente porque deve ser vista e compreendida como uma única coletânea de obras, se completa em si mesma. Ou seja, cada obra que compõe essa coleção foi criada por Deus em um mesmo contexto de amor e, portanto, depende da outra para existir.

Quando Deus confia ao homem o Jardim do Éden, confia a ele o cuidado que deve ter consigo mesmo e, também, com a casa que habita. Dá apenas uma instrução: “Da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque, no dia em que dela comeres, morrerás” (Gn 2,17).

 

A natureza humana

O ser humano, dada sua própria natureza falha, enfrenta, diariamente, diversos problemas. Seja de ordem pessoal ou interna, em seu trabalho, casa, família, seja de ordem social, como a fome, a exclusão, a injustiça. A todo o tempo somos chamados a cuidar de nossa Casa.

Aliado a todos esses fatores, temos um agravamento constante da indiferença, provocado, como nos lembra o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, pelo perpetuar da cultura do descartável. Com isso, a preocupação com a ordem interna ou pessoal passa a se sobrepor a qualquer outra preocupação, e isso gera mazelas.

Além da ordem social ser cada vez mais esquecida, de modo a fomentar e agravar as diferenças sociais, as exclusões e o preconceito, vemos que poucos se importam (e pouco se fala) a respeito dos grandiosos fenômenos da natureza, que tomam proporções cada vez mais alarmantes, como se parecessem respostas da natureza às ações humanas que provocam sua degradação.

Na belíssima carta encíclica Laudato Si, o Papa Francisco, aliado a milhares de vozes especialistas no cuidado e no trato ao meio ambiente, clama ser urgente e necessário que a comunidade internacional e local passem a dialogar planos para “erradicar a pobreza, (...) a redução da poluição e o desenvolvimento dos países e regiões pobres” (LS, 175).

São ações conjuntas da comunidade internacional e dos governos locais que passam a ser efetivas no cuidado da Criação. Mas, como dissemos acima, parece que muito se fala, e pouco se faz.

 

Um exemplo

É sabido das ações prejudiciais das substâncias agrotóxicas em nosso alimento, em nosso organismo. Mas por que diuturnamente tais instrumentos são cada vez mais utilizados? Parece-nos que estão mais preocupados com a produção, e com a ausência de prejuízo, do que com o cuidado com a vida humana e a Casa que habitamos.

Além de extremamente prejudicial ao organismo, agrotóxicos são cada vez mais usados pela indústria agrícola no Brasil, ao revés das recentes recomendações de organismos internacionais. Além de afetar o corpo (com a consequente indução e aumento de frequência de doenças), tais substâncias acabam por prejudicar o solo e os animais que dele dependem.

Ou seja, não “nos cuidando” com o uso (infeliz) de agrotóxicos (e isso é apenas um exemplo), ainda acabamos por prejudicar outras áreas da Criação. Que desastre! Além de termos comido do único fruto proibido dentre todos no Paraíso, continuamos a envergonhar Deus ao negligenciar nossa função de cuidar de nós mesmos e de nossa Casa!

Por isso, a Campanha da Fraternidade de 2017, que traz no sentido do meio ambiente o cuidado da Criação (ou seja, todo acervo artístico de Deus), também nos convida a olharmos para nós mesmos. O cuidado do ser humano consigo mesmo, e, também, com a Casa que habita.

Não há como distinguir a Criação em partes. Por isso, ao falar em “cultivar e guardar” a Criação, se inclua nessa. Inclua o que você tem feito em relação a cuidar de si mesmo, de seu corpo, de sua família, de seus amigos. E, também, de sua Casa: a Terra que habitamos.

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 23 anos, é advogado, formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE) e membro da Coordenação da Pastoral Juvenil Nacional da CNBB.

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Última modificação em Quarta, 01 Março 2017 22:31

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Cultivar e guardar a criação inteira: se inclua nessa

Quarta, 01 Março 2017 13:47 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
A Criação não deve ser vista por apenas um ângulo, ou por uma “obra” que a compõe, mas por todas as faces que apresenta. Se Deus fosse um artista, a Criação seria seu acervo.

Em 2017, a Campanha da Fraternidade, celebrada pelos católicos de todo o Brasil, tem como tema “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida” e como lema “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15). O ideário desta edição da CF é refletir sobre o meio ambiente e ela sugere uma visão global das expressões da vida e dos dons da criação.

Deus nos convida a cuidar de cada parte de sua criação, que deve ser vista em sua integralidade. Ora, se Deus fosse um artista, assim como foram Michelangelo, Picasso, ou Leonardo Da Vinci, sua obra não poderia se ater a um ou outro quadro ou escultura, de maneira simplista, mas a toda a sua produção, por todo o seu acervo (ainda que uma ou outra obra chame mais atenção que as demais).

Do mesmo modo, e justamente por essas razões, a Criação (pela qual passamos a nos referir, agora, com sua inicial maiúscula) não deve ser compreendida ou vista por apenas um ângulo, ou por uma “obra” que a compõe, mas por todas as faces que apresenta. Se Deus fosse um artista, a Criação seria seu acervo.

 

Cuidar da Criação em sua totalidade

O trecho do qual foi extraído o lema da Campanha da Fraternidade deste ano vem do Livro de Gênesis, mais especificamente do momento que Deus termina sua obra (a Criação) e põe o homem (hoje compreendido como o ser humano) para cuidá-la.

Conquanto a CF nos incite verdadeiramente, e com acerto, a refletir sobre os cuidados com o meio ambiente especificamente, quero ousar distingui-lo, nestas linhas da revista, do mesmo trecho bíblico, analisando-o por outro ângulo.

Deus dá ao ser humano o direito e o dever de cuidar de sua Criação. Portanto, é o primeiro guardador de suas obras na Terra. Lembremos que esse mesmo ser humano é parte da Criação. Nesses termos, o cuidado que o homem deve ter com a Criação passa, necessariamente, pelo próprio cuidado.

Veja, cuidar da Criação pressupõe um “autocuidar” que a espécie humana deve ter consigo, e com tudo aquilo que lhe afeta diretamente. A Criação, como mencionado nesse texto, justamente porque deve ser vista e compreendida como uma única coletânea de obras, se completa em si mesma. Ou seja, cada obra que compõe essa coleção foi criada por Deus em um mesmo contexto de amor e, portanto, depende da outra para existir.

Quando Deus confia ao homem o Jardim do Éden, confia a ele o cuidado que deve ter consigo mesmo e, também, com a casa que habita. Dá apenas uma instrução: “Da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque, no dia em que dela comeres, morrerás” (Gn 2,17).

 

A natureza humana

O ser humano, dada sua própria natureza falha, enfrenta, diariamente, diversos problemas. Seja de ordem pessoal ou interna, em seu trabalho, casa, família, seja de ordem social, como a fome, a exclusão, a injustiça. A todo o tempo somos chamados a cuidar de nossa Casa.

Aliado a todos esses fatores, temos um agravamento constante da indiferença, provocado, como nos lembra o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, pelo perpetuar da cultura do descartável. Com isso, a preocupação com a ordem interna ou pessoal passa a se sobrepor a qualquer outra preocupação, e isso gera mazelas.

Além da ordem social ser cada vez mais esquecida, de modo a fomentar e agravar as diferenças sociais, as exclusões e o preconceito, vemos que poucos se importam (e pouco se fala) a respeito dos grandiosos fenômenos da natureza, que tomam proporções cada vez mais alarmantes, como se parecessem respostas da natureza às ações humanas que provocam sua degradação.

Na belíssima carta encíclica Laudato Si, o Papa Francisco, aliado a milhares de vozes especialistas no cuidado e no trato ao meio ambiente, clama ser urgente e necessário que a comunidade internacional e local passem a dialogar planos para “erradicar a pobreza, (...) a redução da poluição e o desenvolvimento dos países e regiões pobres” (LS, 175).

São ações conjuntas da comunidade internacional e dos governos locais que passam a ser efetivas no cuidado da Criação. Mas, como dissemos acima, parece que muito se fala, e pouco se faz.

 

Um exemplo

É sabido das ações prejudiciais das substâncias agrotóxicas em nosso alimento, em nosso organismo. Mas por que diuturnamente tais instrumentos são cada vez mais utilizados? Parece-nos que estão mais preocupados com a produção, e com a ausência de prejuízo, do que com o cuidado com a vida humana e a Casa que habitamos.

Além de extremamente prejudicial ao organismo, agrotóxicos são cada vez mais usados pela indústria agrícola no Brasil, ao revés das recentes recomendações de organismos internacionais. Além de afetar o corpo (com a consequente indução e aumento de frequência de doenças), tais substâncias acabam por prejudicar o solo e os animais que dele dependem.

Ou seja, não “nos cuidando” com o uso (infeliz) de agrotóxicos (e isso é apenas um exemplo), ainda acabamos por prejudicar outras áreas da Criação. Que desastre! Além de termos comido do único fruto proibido dentre todos no Paraíso, continuamos a envergonhar Deus ao negligenciar nossa função de cuidar de nós mesmos e de nossa Casa!

Por isso, a Campanha da Fraternidade de 2017, que traz no sentido do meio ambiente o cuidado da Criação (ou seja, todo acervo artístico de Deus), também nos convida a olharmos para nós mesmos. O cuidado do ser humano consigo mesmo, e, também, com a Casa que habita.

Não há como distinguir a Criação em partes. Por isso, ao falar em “cultivar e guardar” a Criação, se inclua nessa. Inclua o que você tem feito em relação a cuidar de si mesmo, de seu corpo, de sua família, de seus amigos. E, também, de sua Casa: a Terra que habitamos.

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 23 anos, é advogado, formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE) e membro da Coordenação da Pastoral Juvenil Nacional da CNBB.

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