Morre na Itália o padre João Carlos Isoardi

Terça, 27 Dezembro 2016 15:06 Escrito por  Vivian Marler / Inspetoria São Domingos Sávio
A Inspetoria São Domingos Sávio comunica o falecimento na tarde de sábado, 24 de dezembro, em Turim, Itália, do ex-diretor do Colégio Dom Bosco de Porto Velho e de Manaus, padre Padre João Carlos Isoardi, salesiano de Dom Bosco.

Nascido em Stroppo (CN) na região de Piemonte no norte da Itália, em 11 de agosto de 1936, padre João Carlos atuou por quase 40 anos no Brasil. Filho de Giuseppe Isoardi e de Giuseppina  Lusso, chegou na Amazônia durante a revolução de 1964 e ficou até 2003, quando precisou retornar a Itália por motivos de saúde.

 

Seu primeiro trabalho foi no Rio Negro, nas missões. Após esse tempo dedicou-se ao trabalho em paróquias e na direção do colégio Dom Bosco de Porto Velho e Manaus. Por alguns anos atuou como vice-inspetor da Inspetoria São Domingos Sávio.

 

Padre João Carlos faleceu em decorrência de uma parada cardíaca, após complicações pós-operatórias da carótida.

 

Em 2015, durante entrevista concedida à Rádio Vaticano, padre João Carlos falou sobre sua missão que foi dividida entre a pastoral nas paróquias e o serviço educacional nas escolas salesianas e o desafio de formar uma nova geração na Amazônia brasileira a partir de 1964. Dentre outros assuntos, falou sobre a surpresa e a gratidão no dia de seu Jubileu de ouro quando completou 50 anos de Ordenação Sacerdotal. Leia a entrevista:

 

“Cheguei em Manaus em 1964 e saí em 2003 por motivo de saúde. Fiquei antes no Rio Negro, nas missões, depois trabalhei em colégios e em paróquias, fui vice-inspetor inspetorial de toda aquela região que abrange o Pará, Amazonas e Rondônia. Nos últimos 15 anos na Amazônia, morei nas escolas e acreditei muito no trabalho educacional, especialmente pelo tempo que se tem para ficar com a meninada,  o que não acontece quando se está em uma paróquia. Na escola tem-se tempo disponível para conhecer, trabalhar afinar; depois tem-se a possibilidade também de acompanhar o crescimento não só do aluno como também da equipe dos professores, dos educadores e dos pais, portanto, um trabalho que vai além de uma simples presença. Posso até confessar que no início, quando eu saí da Itália, eu me sentia mais atraído pelo trabalho especificamente pastoral nas paróquias, depois percebi que como salesiano eu podia também colaborar na formação de uma nova geração de jovens, que agora já são pais, alguns já são avós”.

 

Perguntado sobre a experiência de formar uma nova geração no Brasil, em uma época de conflitos como foi a de 1964, padre João Carlos contou sobre sua experiência em lidar com toda essa problemática naquele tempo, na Amazônia.

 

“Era todo um trabalho de conscientização, eu nunca fui um padre revolucionário. A libertação, sem duvida, me atraiu no início porque até teologicamente a considero a única teologia possível na América Latina por ser uma região muito explorada, muito saqueada. Mas uma teologia sem franjas, sem extremos, sem muitos slogans, uma teologia da libertação que visava libertar os jovens da ignorância, da insensibilidade perante os outros, da incapacidade de colocar-se adiante da situação de injustiça, mas sem muito alarde. Nunca fui um padre de passeata, porém agradeço a Deus a formação que tive, principalmente os anos que estudei na universidade em Roma que me ajudaram bastante a entender que o nosso trabalho educativo obtém-se respostas a médio e longo prazo, que nunca devemos esperar resultados imediatos. Digo isto porque foi o trabalho mais específico que eu fiz. Paralelamente ao trabalho pastoral direto com os fieis nas paróquias, igreja de cidade, também fui pároco por muitos anos na catedral de Porto Velho, que naqueles anos especialmente, eu estava passando de prelazia para diocese, portanto, não só uma troca de nome, mas de realidade, de Igreja, de conscientização do povo”.

 

 

Um conhecedor nato do povo da Amazônia e de seus valores, padre João Carlos conseguiu, com muito trabalho, lapidá-los. 

 

“Conheço o homem, a mulher da Amazônia, que são brasileiros diferentes do sul do país. Começar a conhecê-los foi uma aprendizagem que não foi fácil, porque eles têm critérios, têm valores que precisam ser descobertos aos poucos, o valor da acolhida, da fraternidade, da partilha. Na partilha quem é o mais pobre é o mais generoso, mais participativo na Igreja, basta dizer que quando eu cheguei, via uma igreja cheia de gente adulta, sem jovens. Então começamos, por exemplo,  com uma iniciativa que em toda Rondônia começou a dar certo: o retiro de carnaval. Refiro-me aos anos de 1969 e 1970.

Foram anos que não se falava ainda em retiro. Foi um carnaval diferente, mas foi difícil mexer com um povo festeiro e ao mesmo tempo, chamar jovens que não fossem frequentadores de igreja, porque aqueles já eram bons eu precisava correr atrás de outros. O que o papa Francisco fala sobre as periferias, eu fazia inconscientemente, em pequena parte. Escolhi os mais problemáticos, aqueles que não queriam nada com a Igreja, que não gostavam dos padres, que não conheciam nada, é claro que foi o pontapé inicial porque em três dias não dava para fazer muita coisa”.

 

Durante o seu Jubileu de Ouro, 50 anos de sacerdócio, padre João Carlos recebeu uma grata surpresa vinda da Amazônia.

“Celebrei 50 anos de sacerdócio, em 2003, aqueles jovens que pertenciam ao grupo juvenil naqueles anos fizeram questão de vir aqui em Turim, e eu na minha ingenuidade pensei, a essa altura estarão ainda quatro ou cinco, então quis fazer o grandioso e disse que durante a permanência deles em Turim quanto ao almoço e jantar ocorreriam pela minha conta, depois me chegou a listagem, eram 57 nomes. Foi uma beleza ver essas pessoas, depois eu nem reconheci alguns, deixei jovens e encontrei gente “careca, barriguda”. Então eu me perguntava o que eu fiz para merecer tanto carinho, a gratidão, a mesma coisa com os ex-alunos de colégios que eram tidos como colégios de classe media e ao mesmo tempo, esses colégios criaram uma geração de alunos catequistas, de alunos promotores de justiça, outros que são médicos que trabalham quase que constantemente com os pobres. Então, vendo esses resultados, eu cheguei a uma conclusão de que aqueles 38 anos valeram a pena e não foi tempo perdido.

 

Questionado pela experiência de vida que teve na Amazônia, o repórter da Rádio Vaticano interessou-se em saber como padre João Carlos havia recebido, a Encíclica do Papa sobre o cuidado com o meio ambiente:

 

“Foi uma benção, uma verdadeira benção. Mas quando eu ouço falar da destruição da mata da Amazônia me entristece. Lembro de ter visto nas serrarias aqui na Itália amigos meus benfeitores perguntando se eu gostaria de ver a madeira que eles extraíram da Amazônia, e me mostravam um tronco de cedro, de jacarandá. E eu sei que para chegarem àquele cedro, àquele jacarandá, eles destruíram metros e metros quadrados, sufocaram a floresta, desrespeitaram a criação. Por isso que papa fala, bota ao coração da criação do homem, não as coisas, não a natureza em si somente, mas a natureza como a casa comum da humanidade, então eu acredito que tenha chegado talvez um pouquinho tarde, mas para os homens de boa vontade pode ser um exame de consciência muito bom que vai ser feito em ordem a preservar aquilo que ainda pode ser preservado”.

 

Questionado se em algum momento pensou em desistir, padre João Carlos contou: “Desistir só no começo porque eu estava muito ligado a minha família. Perdi mamãe quando era muito novo, tinha poucos irmãos e meu pai já idoso. Lá nas florestas do Rio Negro e ao longo do Rio Negro mesmo, não tinha comunicação nenhuma, por seis meses não veio nenhum avião,  nem da FAB, nada! Acredito que por ser um momento difícil, me refiro justamente ao ano de 1965/66. Naqueles dias me encontrei muitas vezes na beira do rio e me imaginava pegando uma garrafa grande e me fechando lá dentro e voltando para Manaus. Depois passou aquele momento até quando eu tinha decidido pedir ao meu superior que me tirasse de lá porque eu morria de saudade; não conseguia me acostumar; não sabia português, me encontrava totalmente fora do lugar. Aí chegou um velho missionário meio cambaleado e ele me disse ‘É verdade que eu ouvi dizer que o senhor veio para ficar?’ Isso me matou, e eu disse, sim senhor eu vim para ficar com o senhor, e ficamos anos e anos nós dois sozinhos, um padre ignorante de tudo, do ambiente, da língua, dos costumes, até dos mitos religiosos e um velho que tinha doado quase 40/50 anos para a missão, mas eu fiquei, eu nunca tive esse problema, porque também sem ufania eu posso dizer que o Brasil é um país que atrai e o brasileiro chama, conquista, convence, diria quase que obriga a gente a ficar do lado deles porque são gente boa”.

 

Ao relatar sobre um momento de muita felicidade durante os quase 40 anos de missão na Amazônia, ele suspira e diz “Ah.... é vida para encher um livro, eu diria, sobretudo, algumas experiências com jovens, com os doentes, com os adultos afastados, com os hansenianos, mas colocarei uma quinta categoria - as pessoas mais afastadas. Eu tentei criar, mas nem sempre fui compreendido. Na verdade, tentei criar amizade também com eles, o respeito, possibilidade de dizer uma palavra, nunca negar-me para os momentos difíceis, luto, dor, problemas familiares e sinceramente posso agradecer ao Senhor que me concedeu a graça de poder trabalhar nesses ambientes; sobretudo eu diria com os salesianos jovens, porque eu tinha um lema, mas eu sei que a gente não pode viver de slogan; tem que dar sentido a essas palavras eu quero vocês jovens diferentes e esta palavra começou a marcar; porque diferente não é porque vocês podem estudar em uma boa escola, não é porque vocês têm uma assistência garantida no pátio, porque vocês têm esporte, porque vocês têm uma escola que garante o futuro, que promete e facilita e prepara vocês também para a universidade. Isso seria muito pouco, isso qualquer escola deveria conseguir, mas preparar vocês para a vida, para realizar o sonho de Dom Bosco, ‘Bons cristãos, honestos cidadãos’, aí sim... E quando recebo ainda hoje e-mails de ex-alunos, ex-alunas, dando a notícia de que conseguiram avançar, que se tornaram promotores de justiça, que me garantem que nunca compactuarão com a maldade, com a injustiça; então eu agradeço a Deus por ter podido encontrar-me com esses jovens e interessá-los para o bem, tenho outros também que preferiam outros caminhos, eu tenho um pastor batista, me escreve toda hora e uma vez ele teve a coragem de dizer, padre João Carlos na minha igreja, no meu culto eu nunca falei mal de Nossa Senhora ao que lhe disse, quero esperar, porque no dia que eu souber que na sua igreja se fala mal de Nossa Senhora eu vou “ralhar” com você, e não era nem necessário.

 

Tive também uma experiência também muito bonita com os hansenianos. Nunca trabalhei a tempo pleno, mas eu dedicava meu tempo livre, dos jovens também, dos meus alunos, de ex-alunos, de jovens do grupo para dedicar a esses irmãos horas e horas do meu tempo. Conseguimos construir uma capela dedicada a Nossa Senhora da esperança e no meio destes hansenianos havia um que era um artista, autodidata, mas faltava-lhe os dedos, mas ele conseguia trabalhar, pintava quadros bonitos, lindos, lindos e conseguia também trabalhar com outro material, então eu disse, imagina um Cristo como você por favor, porque queremos colocar um crucifixo na igreja é só o que esta faltando. Tínhamos encontrado na floresta um tronco que se partia em dois ramos, era uma cruz diferente, perfeita. Eu disse :"olha, esta vai ser a cruz. Você inventa qualquer material, lata, madeira, faça alguma coisa. Soube depois que ele trabalhou meses e meses, nunca me falou nada e um dia me chamou em sua oficina e disse, veja um pouco se gosta e eu fiquei boquiaberto, era um Cristo sem braços e sem pernas, mas era um Cristo que sorria. A face não tinha sido tocada pela doença e eu escutei quando colocamos aquele crucifixo alguns hansenianos que diziam um ao outro, olha ele se tornou como nós. Nós ficaremos como ele, lindo, lindo. Uma teologia da dor, do sofrimento realizada plenamente, estas são as alegrias que a vida me deu...”.

 

Vivian Marler / Inspetoria São Domingos Sávio

 

 

 

 

 

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Última modificação em Terça, 27 Dezembro 2016 16:56

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Morre na Itália o padre João Carlos Isoardi

Terça, 27 Dezembro 2016 15:06 Escrito por  Vivian Marler / Inspetoria São Domingos Sávio
A Inspetoria São Domingos Sávio comunica o falecimento na tarde de sábado, 24 de dezembro, em Turim, Itália, do ex-diretor do Colégio Dom Bosco de Porto Velho e de Manaus, padre Padre João Carlos Isoardi, salesiano de Dom Bosco.

Nascido em Stroppo (CN) na região de Piemonte no norte da Itália, em 11 de agosto de 1936, padre João Carlos atuou por quase 40 anos no Brasil. Filho de Giuseppe Isoardi e de Giuseppina  Lusso, chegou na Amazônia durante a revolução de 1964 e ficou até 2003, quando precisou retornar a Itália por motivos de saúde.

 

Seu primeiro trabalho foi no Rio Negro, nas missões. Após esse tempo dedicou-se ao trabalho em paróquias e na direção do colégio Dom Bosco de Porto Velho e Manaus. Por alguns anos atuou como vice-inspetor da Inspetoria São Domingos Sávio.

 

Padre João Carlos faleceu em decorrência de uma parada cardíaca, após complicações pós-operatórias da carótida.

 

Em 2015, durante entrevista concedida à Rádio Vaticano, padre João Carlos falou sobre sua missão que foi dividida entre a pastoral nas paróquias e o serviço educacional nas escolas salesianas e o desafio de formar uma nova geração na Amazônia brasileira a partir de 1964. Dentre outros assuntos, falou sobre a surpresa e a gratidão no dia de seu Jubileu de ouro quando completou 50 anos de Ordenação Sacerdotal. Leia a entrevista:

 

“Cheguei em Manaus em 1964 e saí em 2003 por motivo de saúde. Fiquei antes no Rio Negro, nas missões, depois trabalhei em colégios e em paróquias, fui vice-inspetor inspetorial de toda aquela região que abrange o Pará, Amazonas e Rondônia. Nos últimos 15 anos na Amazônia, morei nas escolas e acreditei muito no trabalho educacional, especialmente pelo tempo que se tem para ficar com a meninada,  o que não acontece quando se está em uma paróquia. Na escola tem-se tempo disponível para conhecer, trabalhar afinar; depois tem-se a possibilidade também de acompanhar o crescimento não só do aluno como também da equipe dos professores, dos educadores e dos pais, portanto, um trabalho que vai além de uma simples presença. Posso até confessar que no início, quando eu saí da Itália, eu me sentia mais atraído pelo trabalho especificamente pastoral nas paróquias, depois percebi que como salesiano eu podia também colaborar na formação de uma nova geração de jovens, que agora já são pais, alguns já são avós”.

 

Perguntado sobre a experiência de formar uma nova geração no Brasil, em uma época de conflitos como foi a de 1964, padre João Carlos contou sobre sua experiência em lidar com toda essa problemática naquele tempo, na Amazônia.

 

“Era todo um trabalho de conscientização, eu nunca fui um padre revolucionário. A libertação, sem duvida, me atraiu no início porque até teologicamente a considero a única teologia possível na América Latina por ser uma região muito explorada, muito saqueada. Mas uma teologia sem franjas, sem extremos, sem muitos slogans, uma teologia da libertação que visava libertar os jovens da ignorância, da insensibilidade perante os outros, da incapacidade de colocar-se adiante da situação de injustiça, mas sem muito alarde. Nunca fui um padre de passeata, porém agradeço a Deus a formação que tive, principalmente os anos que estudei na universidade em Roma que me ajudaram bastante a entender que o nosso trabalho educativo obtém-se respostas a médio e longo prazo, que nunca devemos esperar resultados imediatos. Digo isto porque foi o trabalho mais específico que eu fiz. Paralelamente ao trabalho pastoral direto com os fieis nas paróquias, igreja de cidade, também fui pároco por muitos anos na catedral de Porto Velho, que naqueles anos especialmente, eu estava passando de prelazia para diocese, portanto, não só uma troca de nome, mas de realidade, de Igreja, de conscientização do povo”.

 

 

Um conhecedor nato do povo da Amazônia e de seus valores, padre João Carlos conseguiu, com muito trabalho, lapidá-los. 

 

“Conheço o homem, a mulher da Amazônia, que são brasileiros diferentes do sul do país. Começar a conhecê-los foi uma aprendizagem que não foi fácil, porque eles têm critérios, têm valores que precisam ser descobertos aos poucos, o valor da acolhida, da fraternidade, da partilha. Na partilha quem é o mais pobre é o mais generoso, mais participativo na Igreja, basta dizer que quando eu cheguei, via uma igreja cheia de gente adulta, sem jovens. Então começamos, por exemplo,  com uma iniciativa que em toda Rondônia começou a dar certo: o retiro de carnaval. Refiro-me aos anos de 1969 e 1970.

Foram anos que não se falava ainda em retiro. Foi um carnaval diferente, mas foi difícil mexer com um povo festeiro e ao mesmo tempo, chamar jovens que não fossem frequentadores de igreja, porque aqueles já eram bons eu precisava correr atrás de outros. O que o papa Francisco fala sobre as periferias, eu fazia inconscientemente, em pequena parte. Escolhi os mais problemáticos, aqueles que não queriam nada com a Igreja, que não gostavam dos padres, que não conheciam nada, é claro que foi o pontapé inicial porque em três dias não dava para fazer muita coisa”.

 

Durante o seu Jubileu de Ouro, 50 anos de sacerdócio, padre João Carlos recebeu uma grata surpresa vinda da Amazônia.

“Celebrei 50 anos de sacerdócio, em 2003, aqueles jovens que pertenciam ao grupo juvenil naqueles anos fizeram questão de vir aqui em Turim, e eu na minha ingenuidade pensei, a essa altura estarão ainda quatro ou cinco, então quis fazer o grandioso e disse que durante a permanência deles em Turim quanto ao almoço e jantar ocorreriam pela minha conta, depois me chegou a listagem, eram 57 nomes. Foi uma beleza ver essas pessoas, depois eu nem reconheci alguns, deixei jovens e encontrei gente “careca, barriguda”. Então eu me perguntava o que eu fiz para merecer tanto carinho, a gratidão, a mesma coisa com os ex-alunos de colégios que eram tidos como colégios de classe media e ao mesmo tempo, esses colégios criaram uma geração de alunos catequistas, de alunos promotores de justiça, outros que são médicos que trabalham quase que constantemente com os pobres. Então, vendo esses resultados, eu cheguei a uma conclusão de que aqueles 38 anos valeram a pena e não foi tempo perdido.

 

Questionado pela experiência de vida que teve na Amazônia, o repórter da Rádio Vaticano interessou-se em saber como padre João Carlos havia recebido, a Encíclica do Papa sobre o cuidado com o meio ambiente:

 

“Foi uma benção, uma verdadeira benção. Mas quando eu ouço falar da destruição da mata da Amazônia me entristece. Lembro de ter visto nas serrarias aqui na Itália amigos meus benfeitores perguntando se eu gostaria de ver a madeira que eles extraíram da Amazônia, e me mostravam um tronco de cedro, de jacarandá. E eu sei que para chegarem àquele cedro, àquele jacarandá, eles destruíram metros e metros quadrados, sufocaram a floresta, desrespeitaram a criação. Por isso que papa fala, bota ao coração da criação do homem, não as coisas, não a natureza em si somente, mas a natureza como a casa comum da humanidade, então eu acredito que tenha chegado talvez um pouquinho tarde, mas para os homens de boa vontade pode ser um exame de consciência muito bom que vai ser feito em ordem a preservar aquilo que ainda pode ser preservado”.

 

Questionado se em algum momento pensou em desistir, padre João Carlos contou: “Desistir só no começo porque eu estava muito ligado a minha família. Perdi mamãe quando era muito novo, tinha poucos irmãos e meu pai já idoso. Lá nas florestas do Rio Negro e ao longo do Rio Negro mesmo, não tinha comunicação nenhuma, por seis meses não veio nenhum avião,  nem da FAB, nada! Acredito que por ser um momento difícil, me refiro justamente ao ano de 1965/66. Naqueles dias me encontrei muitas vezes na beira do rio e me imaginava pegando uma garrafa grande e me fechando lá dentro e voltando para Manaus. Depois passou aquele momento até quando eu tinha decidido pedir ao meu superior que me tirasse de lá porque eu morria de saudade; não conseguia me acostumar; não sabia português, me encontrava totalmente fora do lugar. Aí chegou um velho missionário meio cambaleado e ele me disse ‘É verdade que eu ouvi dizer que o senhor veio para ficar?’ Isso me matou, e eu disse, sim senhor eu vim para ficar com o senhor, e ficamos anos e anos nós dois sozinhos, um padre ignorante de tudo, do ambiente, da língua, dos costumes, até dos mitos religiosos e um velho que tinha doado quase 40/50 anos para a missão, mas eu fiquei, eu nunca tive esse problema, porque também sem ufania eu posso dizer que o Brasil é um país que atrai e o brasileiro chama, conquista, convence, diria quase que obriga a gente a ficar do lado deles porque são gente boa”.

 

Ao relatar sobre um momento de muita felicidade durante os quase 40 anos de missão na Amazônia, ele suspira e diz “Ah.... é vida para encher um livro, eu diria, sobretudo, algumas experiências com jovens, com os doentes, com os adultos afastados, com os hansenianos, mas colocarei uma quinta categoria - as pessoas mais afastadas. Eu tentei criar, mas nem sempre fui compreendido. Na verdade, tentei criar amizade também com eles, o respeito, possibilidade de dizer uma palavra, nunca negar-me para os momentos difíceis, luto, dor, problemas familiares e sinceramente posso agradecer ao Senhor que me concedeu a graça de poder trabalhar nesses ambientes; sobretudo eu diria com os salesianos jovens, porque eu tinha um lema, mas eu sei que a gente não pode viver de slogan; tem que dar sentido a essas palavras eu quero vocês jovens diferentes e esta palavra começou a marcar; porque diferente não é porque vocês podem estudar em uma boa escola, não é porque vocês têm uma assistência garantida no pátio, porque vocês têm esporte, porque vocês têm uma escola que garante o futuro, que promete e facilita e prepara vocês também para a universidade. Isso seria muito pouco, isso qualquer escola deveria conseguir, mas preparar vocês para a vida, para realizar o sonho de Dom Bosco, ‘Bons cristãos, honestos cidadãos’, aí sim... E quando recebo ainda hoje e-mails de ex-alunos, ex-alunas, dando a notícia de que conseguiram avançar, que se tornaram promotores de justiça, que me garantem que nunca compactuarão com a maldade, com a injustiça; então eu agradeço a Deus por ter podido encontrar-me com esses jovens e interessá-los para o bem, tenho outros também que preferiam outros caminhos, eu tenho um pastor batista, me escreve toda hora e uma vez ele teve a coragem de dizer, padre João Carlos na minha igreja, no meu culto eu nunca falei mal de Nossa Senhora ao que lhe disse, quero esperar, porque no dia que eu souber que na sua igreja se fala mal de Nossa Senhora eu vou “ralhar” com você, e não era nem necessário.

 

Tive também uma experiência também muito bonita com os hansenianos. Nunca trabalhei a tempo pleno, mas eu dedicava meu tempo livre, dos jovens também, dos meus alunos, de ex-alunos, de jovens do grupo para dedicar a esses irmãos horas e horas do meu tempo. Conseguimos construir uma capela dedicada a Nossa Senhora da esperança e no meio destes hansenianos havia um que era um artista, autodidata, mas faltava-lhe os dedos, mas ele conseguia trabalhar, pintava quadros bonitos, lindos, lindos e conseguia também trabalhar com outro material, então eu disse, imagina um Cristo como você por favor, porque queremos colocar um crucifixo na igreja é só o que esta faltando. Tínhamos encontrado na floresta um tronco que se partia em dois ramos, era uma cruz diferente, perfeita. Eu disse :"olha, esta vai ser a cruz. Você inventa qualquer material, lata, madeira, faça alguma coisa. Soube depois que ele trabalhou meses e meses, nunca me falou nada e um dia me chamou em sua oficina e disse, veja um pouco se gosta e eu fiquei boquiaberto, era um Cristo sem braços e sem pernas, mas era um Cristo que sorria. A face não tinha sido tocada pela doença e eu escutei quando colocamos aquele crucifixo alguns hansenianos que diziam um ao outro, olha ele se tornou como nós. Nós ficaremos como ele, lindo, lindo. Uma teologia da dor, do sofrimento realizada plenamente, estas são as alegrias que a vida me deu...”.

 

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