No Centro Dom Bosco, de Damala-Bangui, a vigília pascal de sábado Santo iniciou pelas 15h: era preciso acabar logo, porque todos os dias, às 18h, há o toque de recolher – antes do pôr do sol, a cidade deve parar. Do rito sagrado participaram milhares de fiéis. A maior parte deles, entretanto, não foi embora mesmo depois da celebração. Todas essas pessoas, na verdade, há cinco meses que vivem no Centro. São mais de 15. 000! São refugiados que deixaram suas casas e seus vilarejos para sobreviver.
Dentre as dezenas de paróquias e institutos religiosos que acolhem milhares de centro-africanos, cristãos e muçulmanos, o Centro Dom Bosco, de Damala, é o de maior ocupação. Chegou a abrigar 40 mil pessoas, superado apenas pelo aeroporto, que registra 70 mil pessoas acampadas ao redor da pista. Lá elas se sentem mais seguras graças ao presídio dos militares franceses.
“Este ano para nós a Páscoa tem um sentido especial”, reflete o padre Ewita Drole Eleuterio, responsável pelo Centro Dom Bosco, de Damala: “A paixão de Cristo, ferido e humilhado, aqui a vivemos todos os dias”. Todos os dias de fato chegam feridos por armas de fogo, que precisam de atendimento; e, depois, homens, mulheres e crianças famintos ou menores famintos e abandonados. O Centro Juvenil Dom Bosco até novembro passado mantinha duas escolas, um curso colegial e uma escola profissional, além de um internato para adolescentes.
Desde 5 de dezembro tudo mudou: milhares de pessoas buscaram refúgio nas paróquias, consideradas lugares seguros. O amplo espaço de que dispõem os salesianos (oito hectares) atraiu um grande número de pessoas: foi uma espécie de invasão pacífica. Ali os desabrigados dormem e vivem nas salas de aula, nas casas e em todos os espaços disponíveis. Para os que não acham mais espaço ao coberto, existem as tendas. Há 104 latrinas, oito fossas para o lixo e 48 bombas de água.
A atividade escolar foi suspensa por dois meses. Desde fevereiro, entretanto, também os alunos puderam voltar às aulas. Há dois meses que quem dorme nas classes levanta muito cedo, pelas 4/5 horas, faz a limpeza, repõe as carteiras e deixam as salas aos alunos.
“Nas últimas semanas cerca de 6 mil pessoas voltaram às suas casas; a situação está um pouco mais calma, em alguns bairros de Bangui”. O padre Ewita relembra a preocupação dos primeiros dias: “Não se sabia como fazer, onde ajeitá-los e o que lhes dar de comer! Inicialmente demos tudo o que tínhamos: depois chegaram ajudas também do ‘Programa Alimentar’, das Nações Unidas. Agora muitos deles já se viram sozinhos”.
Segundo as Nações Unidas, 1/4 da populaão centro-africana é refugiado. O conflito, iniciado há um ano e meio, causou a morte de milhares de pessoas. O país ainda não achou o caminho da paz, à espera dos cascos azuis, que não chegarão antes de setembro.
“Abandonar as armas, entretanto, não basta", adverte o padre Ewita. "Deve-se também reencontrar a capacidade de conviver: com os outros e com quem é diferente de nós. Não importa o grupo étnico, a nacionalidade, ou o credo religioso. Para passar da morte à vida, devemos voltar a crer que ainda podemos viver todos juntos, tal como sempre fizemos”.
Foi assim que o pároco explicou aos fiéis o sentido da Páscoa, hoje, na República Centro-Africana.