Na ótica do individualismo, para ser feliz o ser humano precisa realizar todos os seus desejos, independentemente dos que estão à sua volta. Ou seja, o “eu” aparece sempre em primeiro lugar e como princípio para as escolhas fundamentais. Tomando essa concepção como lógica de vida, qualquer sofrimento, recusa pessoal ou necessidade de alteridade é vista como uma agressão ao ser humano.
É perceptível como, na educação familiar, os pais tentam proteger ao máximo os seus filhos, evitando dizer qualquer tipo de não, ou então, procurando eliminar qualquer frustação pela qual a criança possa vir a passar.
As mídias digitais também são um espaço que favorece o desenvolvimento do individualismo. É interessante perceber como o centro das redes sociais é sempre o próprio indivíduo, de modo que as pessoas giram em torno de si. O “eu” é a referência que o indivíduo utiliza para si mesmo. No Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano, o Papa Francisco diz: “aquela que deveria ser uma janela aberta para o mundo, torna-se uma vitrine onde se exibe o próprio narcisismo”.
Obviamente, o ser humano é sempre fruto de seu tempo e o individualismo é uma das ideologias que mantêm o sistema vigente, favorecendo o consumismo que decreta: eu preciso ter, para eu ser feliz! A pessoa não é vista em sua integralidade como imagem e semelhança de Deus, mas como indivíduo isolado, apenas mais um entre outros. A dignidade da pessoa acaba sendo negada e omitida por uma ideia instrumentalista de indivíduo.
Ser comunidade
Talvez essa seja uma das chaves de leitura para compreender por que o ser humano, na atual cultura, está sempre numa busca desesperada pela felicidade, querendo emoções mais fortes, experiências mais intensas, situações mais arriscadas de vida. A Igreja, desde cedo, se organizou em comunidades e viu, no âmbito comunitário, um valor constitutivo de sua fé. Esse também é um dos motivos pelos quais a Igreja encontra dificuldade de dialogar com o mundo atual, porque não pode deixar para segundo plano sua essência comunitária. Segundo o Cardeal Ratzinger: “A verdade da fé não é dada ao indivíduo isolado, mas com ela Deus quis estabelecer história e comunidade. Ela tem seu lugar no sujeito comunitário do povo de Deus, a Igreja”.
Assim, para chegar a Cristo, é preciso sair de si, experimentar o “ser comunidade”, “ser povo de Deus”, é ali que Deus age e se manifesta. Deus não quer indivíduos fechados, egoístas, porque ele próprio é relação, doação e misericórdia.
Segundo o Papa Francisco: “A alegria e a consciência da centralidade de Cristo são as duas atitudes que os cristãos devem cultivar no dia a dia”. Portanto, é impossível para o cristão viver na lógica do individualismo que leva ao egoísmo e ao fechamento. O fortalecimento da comunidade, a vivência da prática cristã em atos concretos que testemunhem uma vida de seguimento de Cristo em comunidade, marcada pela alteridade e capaz de levar à verdadeira felicidade, pode ser um caminho para enfrentar essa ideologia tão forte que se instala em todas as realidades de hoje.
Os pais e as comunidades educativas, sejam elas escolas ou obras sociais, possuem uma missão muito importante de educar para a alteridade, ajudando as novas gerações a saírem de si mesmas para dar espaço a Cristo, tornando-O o verdadeiro centro de suas vidas. Esta é a alegria que não lhes será tirada.
A diferença entre indivíduo e pessoa
Nesse processo é importante diferenciar dois termos: indivíduo e pessoa. Por indivíduo compreendemos aquele ser único, ou seja, um entre os outros; diferente do ser pessoa, em que cada um é a partir do encontro com o outro. Ser pessoa remete o olhar para a Trindade, as três pessoas divinas que vivem em comunhão.
A partir dessa perspectiva, ser pessoa significa viver e estar em relação. Essa noção de ser pessoa como ser relacional vai contra qualquer forma de individualismo. Se Deus é um ser de relação e a pessoa é sua imagem e semelhança, também o ser humano deveria viver a atitude de abertura e, portanto, desejoso de viver a comunhão. Essa tendência individualista, seja entre o eu e outro eu, entre eu e meu grupo, ou até mesmo uma tentativa de relação isolada entre eu e Deus, foge ao princípio de diálogo com que Deus se apresenta.
Talvez para os cristãos, mais do que pensar em indivíduo de direitos, seria necessário pensar em pessoa à imagem e semelhança de Deus. Essa mudança de perspectiva vai além de uma questão de linguagem, mas é um olhar humanizado sobre cada ser, que não é um indivíduo qualquer, mas um filho de Deus e, portanto, membro da grande fraternidade humana confirmada por Jesus Cristo.
Nesta dinâmica, cada ser humano é visto em sua integralidade e dignidade, amado e sonhado por Deus. Viver em comunidade passa a significar comprometer-se, participar e ajudar a criar comunhão. A escola é um lugar especial para isso. Educar para o ser “pessoa” de forma integral, de maneira que cada criança, adolescente e jovem possa experimentar a alegria de doar-se ao seu semelhante, é um caminho possível para educar à fé nesta sociedade sempre mais individualista. Não há uma receita mágica, mas certamente este é um ponto que precisa e deve ser considerado.
Irmã Márcia Koffermann, FMA, é diretora-executiva da Rede Salesiana Brasil de Comunicação (RSB-Comunicação)