Ambiente histórico
Na época de Jesus havia uma divisão histórica entre os samaritanos e os judeus. Esta divisão teria iniciado em 721 a.C., quando a Samaria foi tomada pelos assírios e cerca de 4% da sua população foi deportada; na Samaria instalaram-se colonos assírios que se misturaram com a população local; para os judeus, os habitantes da Samaria começaram, então, a paganizar-se (cf. 2 Re 17,29). A relação entre as duas comunidades deteriorou-se ainda mais quando, após o regresso do exílio, os judeus recusaram a ajuda dos samaritanos (cf. Esd 4,1-5) para a reconstrução do templo de Jerusalém (ano 437) e denunciaram os casamentos mistos; tiveram, então, que enfrentar a oposição dos samaritanos na reconstrução da cidade (cf. Ne 3,33-4,17).
No ano de 333 a.C., novo elemento de separação: os samaritanos construíram um templo no monte Garizim; no entanto, esse templo foi destruído em 128 a.C. por João Hircano. Na época de Cristo (alguns anos depois do nascimento de Cristo) os samaritanos profanaram com ossos o templo de Jerusalém.
Os judeus desprezavam os samaritanos, por serem uma mistura de sangue israelita com estrangeiros, e consideravam-nos hereges em relação à pureza da fé com Deus. E os samaritanos pagavam aos judeus com um desprezo semelhante. Este é o ambiente histórico para que Jesus conte a parábola.
Quem é o meu “próximo”?
Os Mestres de Israel discutiam, na época de Jesus, quem era o “próximo”, para tentar viver de uma maneira coerente o mandamento de amar o próximo. É claro que eles excluíam “os inimigos”. Para eles não eram “próximos”. Por isso o Mestre da Lei pergunta a Jesus: “E quem é o meu próximo?”
Jesus está a 30km de Jerusalém, passando por uma estrada muito perigosa, cheia de assaltos. Na história de Jesus, um homem é assaltado. Não diz qual era a sua religião, apenas supomos que era um judeu. Ele está ferido, abandonado, necessitado de ajuda. Pela estrada passaram sucessivamente um sacerdote e um levita. Ambos passaram adiante. Certamente tinham desculpas: medo de também serem assaltados, pressa, pureza (que impedia contactar com um cadáver) ou a indiferença diante do sofrimento alheio, impedindo-os de parar.
São religiosos, mas não têm nenhum sentimento de misericórdia. Eles sabem tudo “sobre” Deus, lidam diariamente com Deus mas, afinal, não sabem nada “de” Deus, pois não sabem nada de amor. A sua religião é oca, de ritos estéreis, de gestos vazios e sem sentido, de cerimônias faustosas e solenes, mas não tem nada a ver com o amor, com o coração.
Um samaritano também passou pela estrada. Para o judeu caído no chão, ele era um inimigo, um infiel. No entanto, ele parou. Não se preocupou em também ser assaltado, não teve pressa, não discutiu se era um infiel, nem foi indiferente, mesmo diante de um inimigo. Mostrou ser alguém atento ao irmão necessitado, com o coração cheio de amor e, portanto, cheio de Deus.
Ver, julgar e agir
Interessante que ele pratica o método do ver, do julgar e do agir! Ele viu, sentiu compaixão e cuidou dele! A palavra compaixão, usada por Jesus, expressa um sentimento profundo e terno, tal como o que é provocado por vermos fraquezas ou sofrimentos naqueles que nos são queridos ou que precisam da nossa ajuda. Também pode significar “mostrar pena”, “amar” e “mostrar misericórdia.” Outros sinônimos próximos de compaixão são: “ser amado por”, “mostrar preocupação com”, “ser compassivos” e “agir com gentileza”.
É este sentimento profundo que faz com que o samaritano faça alguma coisa: cuidou dele! E como cuidou! Jesus usa seis verbos para qualificar a ajuda: aproximar (era inimigo!) atar, colocar, levar, tratar e pagar. Além disso faz com que outra pessoa (o hospedeiro) cuide do assaltado e ferido. Tudo o que ele gastar, será ressarcido.
Veja o texto: “Mas um samaritano que viajava, chegando àquele lugar, viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; colocou-o sobre a sua própria montaria e levou-o a uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e deu-os ao hospedeiro, dizendo-lhe: Trata dele e, quanto gastares a mais, na volta te pagarei”.
“Então vai e faz o mesmo”
Jesus termina com uma pergunta: qual desses três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?
Respondida corretamente pelo Mestre da Lei, Jesus o convida a fazer o mesmo: “Então vai e faz o mesmo”. A verdadeira religião que conduz à vida plena passa pelo amor a Deus, traduzido em gestos concretos de amor pelo irmão – por todo o irmão, sem exceção. Recordemos que o questionamento inicial era “o que fazer para alcançar a vida eterna”…
A conclusão é óbvia: para alcançar a vida eterna é preciso amar a Deus e amar o próximo. O “próximo” é qualquer um que necessita de nós, seja amigo ou inimigo, conhecido ou desconhecido, da mesma raça ou doutra qualquer; o “próximo” é qualquer irmão caído nos caminhos da vida que necessita, para se levantar, da nossa ajuda e do nosso amor. Neste gesto do samaritano, a Igreja de todos os tempos (a comunidade dos que caminham ao encontro da vida plena, da salvação) reconhece um aspecto fundamental da sua missão: a de levantar todos os homens e mulheres caídos.
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