Normalmente muitos de nós religiosos e religiosas temos obras imensas: colégios, faculdades, hospitais, obras sociais, missões etc., contudo, elas não ajudam a nos identificar na grande massa. Estamos imersos em muitas tarefas, às vezes até burocráticas demais, porém, não somos referências na vida dos jovens. Hoje, na cultura da imagem, é muito importante a visibilidade, inclusive o sinal religioso que ajuda a identificar. Antes era o hábito. Detalhe: as novas Comunidades de Vida estão retornando ao uso do hábito e muitos jovens se sentem atraídos; na atualidade apostamos na inserção nas classes populares, nos grupos, nos movimentos, nas paróquias, nas pequenas comunidades, mas parece que isto não tem ajudado muito na visibilidade do ser consagrado/a. Não quero defender aqui o retorno ao uso da batina ou dos hábitos religiosos, embora não esteja proibido, contudo se faz urgente pensar nos sinais porque um estilo liberal de vida consagrada, sem sinal, pode dificultar e muito a atração dos novos adolescentes e jovens da cultura imagética.
Um chamado que é Dom e Mistério
Então, quem somos nós, os religiosos e religiosas? Somos homens e mulheres, batizados, que fomos seduzidos por Deus através de um chamado que é Dom e Mistério. É Dom porque não fomos nós que nos candidatamos ou pedimos. A iniciativa é sempre Dele. Um dia, Deus pousou o olhar sobre mim e sobre outros tantos religiosos, chamou pelo nome e mudou o rumo de nossas vidas. Com certeza, para muitos de nós não foi fácil no inicio, pelo menos para mim não foi. Os rumos da minha vida foram totalmente mudados. Enfrentei o desconforto dentro da minha família. Eles não entenderam porque nem eu mesmo sabia explicar o porquê.
Por isto, a vocação é também Mistério. Quando Deus chama, normalmente, não usa meios extraordinários como aparições e vozes do além. Ele se comunica nos fatos, nas pessoas, nas experiências cotidianas. Uma coisa é certa: Deus nos proporciona tocar na carne dele através das pessoas. O chamado acontece quando vemos, ouvimos, tocamos, contemplamos e buscamos compreender o sentido do chamado na radical mudança que acontece em nossas vidas.
Nós, religiosos e religiosas, não escolhemos uma vida de consagração. Não escolhemos deixar de constituir uma família no amor matrimonial. Esta escolha vem no pacote. Quando Deus chama ele pede tudo isto. Por que? Por que Deus elege uma pessoa exclusivamente para ele? Por que a grande maioria casa, tem filhos e segue uma profissão de sucesso e nós não casamos, não temos filhos e vivemos imersos numa missão comunitária? A resposta não é simples.
A resposta não é simples
No Evangelho de Mateus 17, Jesus chama Pedro, Tiago e João, sobe em uma montanha e se transfigura diante deles. Depois, desce com eles para a planície e a missão continua. Na vida religiosa acontece a mesma coisa: “O próprio Jesus, ao chamar algumas pessoas a deixarem tudo para O seguirem, inaugurou este gênero de vida que, sob a ação do Espírito Santo, se desenvolverá gradualmente, ao longo dos séculos, nas várias formas de vida consagrada” (cf. João Paulo II, Vita Consegrata, n. 29). Trata-se, portanto de um dom do Espírito Santo. Não somos privilegiados, nem melhores do que aqueles que se casam, mas permanecemos no mundo, dentro de comunidades religiosas, dedicados a uma missão específica, vivemos a radicalidade dos conselhos evangélicos: castidade, pobreza e obediência, no serviço exclusivo ao Reino de Deus. Nisto consiste o nosso “ser pessoa consagrada”.
Jesus nos chama a um processo contínuo de transfiguração, quer dizer, nos chama a ser, como Ele, dedicados à vontade do Pai, mesmo que não compreendamos o sentido do cálice que é oferecido, embora preencha nosso coração com a alegria do carisma fundacional que nos torna na Igreja sinais do amor de Deus que salva. Como religiosos vivemos nossa vida como entrega total, dom de Deus, gratuidade e alteridade, sem nada pedir em beneficio próprio na contracultura do hedonismo, da liberdade egoísta e do consumo exacerbado.