Animação vocacional na “virada popular”

Terça, 12 Fevereiro 2013 13:53 Escrito por 
  Encontrei este termo, “virada popular,” em um artigo de Paulo Suess publicado na revista Encontros Teológicos n. 2 (2012, p. 107). Gostei da forma como ele descreveu o assunto e me apropriei dele para comentar a Animação Vocacional no contexto dos 50 anos do Vaticano II.   Quando o Concílio Vaticano II começou em 1962, não era ainda possível imaginar que a Igreja passaria por uma virada popular, quer dizer, o inaudito processo de inculturação e o diálogo com a pós-modernidade. Evidentemente, naquele tempo este tipo de expressão não era ventilada na práxis eclesial, então, o termo usado por João XXIII foi aggiornamento. No contexto europeu dos anos 1960, esta palavra foi traduzida por adaptação e sinal dos tempos, diálogo etc. Na América Latina traduzimos por Libertação, participação, serviço. Ora, essa mexida pastoral provocou uma mudança de método na Animação Vocacional.  

A própria Igreja se auto-indentificou como assembleia dos chamados. Com isto, o conceito de vocação se dilatou e escapou dos muros dos conventos. Óbvio que nem tudo mudou como se fosse um ato mágico. No Brasil, desde os anos 70, a reflexão sobre a proposta vocacional sofreu uma grande virada, por exemplo, de “pescaria vocacional”, quando agentes designados pelas Congregações religiosas saíam pelas paróquias na busca de vocacionados, ao processo de conscientização vocacional proposto pelos Jesuítas; uma forma mais sistemática de propor aos jovens a vida como vocação. Superando aquela mentalidade de que ser padre e religiosa era coisa para poucos ou que vocação é somente para este estado de vida. O tema abriu novos horizontes para experiências em comunidades, contato maior com religiosos e, sobretudo, dilatação do discurso sobre vocação inserindo toda a comunidade eclesial. Hoje o voluntariado é também compreendido como experiência vocacional.

 

Embora o desenvolvimento da práxis vocacional com os Congressos nacionais e continentais, a Animação Vocacional, ainda hoje não superou os conflitos hermenêuticos na recepção do processo de conscientização vocacional. A quantidade de livros, pesquisas e análises sobre as juventudes e a crise vocacional e a nova compreensão da sexualidade, revelam que ainda estamos engatinhando e que o discurso de unidade entre Pastoral Juvenil e Pastoral Vocacional é ambíguo, porque se considera uma unidade, mas a prática é separada. Há mais segregação do que proposta vocacional dentro das comunidades juvenis, sejam elas virtuais, temporárias ou reais, do que corajosa conscientização vocacional à luz do ser chamado a ser discípulo missionário.

 

Hoje temos uma hermenêutica de continuidade e de ruptura com relação à Animação Vocacional. A continuidade busca interpretar a crise vocacional – entenda-se por crise a ausência de sentido e da gratuidade – sem mudar muita coisa. Muda-se o nome, mas o conteúdo e a práxis são as mesmas. Na ruptura busca-se as demandas no momento atual no que diz respeito à influência das novas tecnologias na vida das pessoas, sobretudo dos jovens. Contudo, este assunto complexo precisa considerar que atrás de cada meio de comunicação há uma pessoa que deseja se relacionar, ser chamada, ser valorizada. Aí se insere o grande tema da Animação Vocacional que ressignifica o sentido da vida com o outro, como doação e compromisso, gratuidade. Por conseguinte, se rompe com os preconceitos e os medos dos instrumentos comunicacionais – diga-se virtuais – e o processo relacional, pois o virtual é, na verdade, o real.

 

A “virada popular” da Animação Vocacional é, então, o saber ouvir, o saber acolher, o saber conviver, o saber reconciliar e o saber amar sem medo do conflito. O animador vocacional deixa de ser uma pessoa, uma equipe, para ser uma comunidade eclesial, uma província religiosa, uma diocese capaz de propor e dialogar com todos, tendo instrumentos de interface que façam as devidas pontes, mas nunca substituindo o testemunho de fé de uma comunidade eclesial. Tudo isso mexerá com a proposta de conscientização vocacional, o resgate do sentido do mistério e a simbologia que envolve a experiência da fé e, por fim, com o empenhado processo de evangelização que toque a pessoa em profundidade. Até aquele FAÇA-SE em mim segundo a tua Palavra. Uma Igreja que se entenda convocada é janela aberta para novas vocações. Ao contrário, fechando-se em si, perderá o mistério e a capacidade de elaborar perguntas de significado.

 

Precisamos de vocações à vida religiosa e ao presbiterado, porém, não podemos propor sem antes ser proposta. Eis, então, o compromisso eclesial na atual conjuntura. Como dizia São Cirilo de Jerusalém aos neófitos, o importante é ser palavra viva e não discurso decorado e bem elaborado. Precisamos vivenciar a Palavra que é Jesus e não uma ideia sobre Ele. Assim resgataremos a gratuidade e a alteridade, sem as quais é muito difícil aceitar o chamado de Deus que é Dom e Mistério.

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Última modificação em Quinta, 28 Agosto 2014 18:02

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Animação vocacional na “virada popular”

Terça, 12 Fevereiro 2013 13:53 Escrito por 
  Encontrei este termo, “virada popular,” em um artigo de Paulo Suess publicado na revista Encontros Teológicos n. 2 (2012, p. 107). Gostei da forma como ele descreveu o assunto e me apropriei dele para comentar a Animação Vocacional no contexto dos 50 anos do Vaticano II.   Quando o Concílio Vaticano II começou em 1962, não era ainda possível imaginar que a Igreja passaria por uma virada popular, quer dizer, o inaudito processo de inculturação e o diálogo com a pós-modernidade. Evidentemente, naquele tempo este tipo de expressão não era ventilada na práxis eclesial, então, o termo usado por João XXIII foi aggiornamento. No contexto europeu dos anos 1960, esta palavra foi traduzida por adaptação e sinal dos tempos, diálogo etc. Na América Latina traduzimos por Libertação, participação, serviço. Ora, essa mexida pastoral provocou uma mudança de método na Animação Vocacional.  

A própria Igreja se auto-indentificou como assembleia dos chamados. Com isto, o conceito de vocação se dilatou e escapou dos muros dos conventos. Óbvio que nem tudo mudou como se fosse um ato mágico. No Brasil, desde os anos 70, a reflexão sobre a proposta vocacional sofreu uma grande virada, por exemplo, de “pescaria vocacional”, quando agentes designados pelas Congregações religiosas saíam pelas paróquias na busca de vocacionados, ao processo de conscientização vocacional proposto pelos Jesuítas; uma forma mais sistemática de propor aos jovens a vida como vocação. Superando aquela mentalidade de que ser padre e religiosa era coisa para poucos ou que vocação é somente para este estado de vida. O tema abriu novos horizontes para experiências em comunidades, contato maior com religiosos e, sobretudo, dilatação do discurso sobre vocação inserindo toda a comunidade eclesial. Hoje o voluntariado é também compreendido como experiência vocacional.

 

Embora o desenvolvimento da práxis vocacional com os Congressos nacionais e continentais, a Animação Vocacional, ainda hoje não superou os conflitos hermenêuticos na recepção do processo de conscientização vocacional. A quantidade de livros, pesquisas e análises sobre as juventudes e a crise vocacional e a nova compreensão da sexualidade, revelam que ainda estamos engatinhando e que o discurso de unidade entre Pastoral Juvenil e Pastoral Vocacional é ambíguo, porque se considera uma unidade, mas a prática é separada. Há mais segregação do que proposta vocacional dentro das comunidades juvenis, sejam elas virtuais, temporárias ou reais, do que corajosa conscientização vocacional à luz do ser chamado a ser discípulo missionário.

 

Hoje temos uma hermenêutica de continuidade e de ruptura com relação à Animação Vocacional. A continuidade busca interpretar a crise vocacional – entenda-se por crise a ausência de sentido e da gratuidade – sem mudar muita coisa. Muda-se o nome, mas o conteúdo e a práxis são as mesmas. Na ruptura busca-se as demandas no momento atual no que diz respeito à influência das novas tecnologias na vida das pessoas, sobretudo dos jovens. Contudo, este assunto complexo precisa considerar que atrás de cada meio de comunicação há uma pessoa que deseja se relacionar, ser chamada, ser valorizada. Aí se insere o grande tema da Animação Vocacional que ressignifica o sentido da vida com o outro, como doação e compromisso, gratuidade. Por conseguinte, se rompe com os preconceitos e os medos dos instrumentos comunicacionais – diga-se virtuais – e o processo relacional, pois o virtual é, na verdade, o real.

 

A “virada popular” da Animação Vocacional é, então, o saber ouvir, o saber acolher, o saber conviver, o saber reconciliar e o saber amar sem medo do conflito. O animador vocacional deixa de ser uma pessoa, uma equipe, para ser uma comunidade eclesial, uma província religiosa, uma diocese capaz de propor e dialogar com todos, tendo instrumentos de interface que façam as devidas pontes, mas nunca substituindo o testemunho de fé de uma comunidade eclesial. Tudo isso mexerá com a proposta de conscientização vocacional, o resgate do sentido do mistério e a simbologia que envolve a experiência da fé e, por fim, com o empenhado processo de evangelização que toque a pessoa em profundidade. Até aquele FAÇA-SE em mim segundo a tua Palavra. Uma Igreja que se entenda convocada é janela aberta para novas vocações. Ao contrário, fechando-se em si, perderá o mistério e a capacidade de elaborar perguntas de significado.

 

Precisamos de vocações à vida religiosa e ao presbiterado, porém, não podemos propor sem antes ser proposta. Eis, então, o compromisso eclesial na atual conjuntura. Como dizia São Cirilo de Jerusalém aos neófitos, o importante é ser palavra viva e não discurso decorado e bem elaborado. Precisamos vivenciar a Palavra que é Jesus e não uma ideia sobre Ele. Assim resgataremos a gratuidade e a alteridade, sem as quais é muito difícil aceitar o chamado de Deus que é Dom e Mistério.

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