Relato duas experiências desse amor do brasileiro pela nossa “mãezinha do céu”:
- O Círio de Nazaré. A aglomeração de dois milhões de pessoas na maior festa popular do Pará, em homenagem a Nossa Senhora, com tudo o que tem direito: reunião das famílias, envolvimento de autoridades civis, militares e religiosas, flores, guirlanda, corda, procissão, “promesseiros”, fé verdadeira, emoção, suor, lágrimas e sangue... Nó na garganta várias vezes ao concelebrar a eucaristia, ao participar da procissão, ao ver a corda chegando à praça com a turma cantando: “Mãe, estamos chegando...”.
- Aparecida. Nosso grupo do Curso de “Atualização em Liturgia” fez-se romeiro, com a metodologia da “observação participante”. Senti de perto o calor da devoção do romeiro em diversas entrevistas. Numa delas o casal dizia: “A gente vem sempre em janeiro. Para nós, não tem sentido começar o ano sem Maria”.
O que diz a Igreja
O Documento de Aparecida fala da piedade popular como lugar de encontro com Jesus Cristo (258 a 265) e, ao falar de Maria, diz que “nossos povos... encontram a ternura e o amor de Deus no rosto de Maria. Nela veem refletida a mensagem essencial do Evangelho”.
O Concilio Vaticano II¸ com o capítulo oitavo da Lumen Gentium, coloca com todas as letras quem é Maria na história da Salvação, seu papel de Mãe de Deus e da Igreja e sua mediação materna; com a Sacrosanctum Concilium (documento sobre a Liturgia), situando o Mistério Pascal como centro de toda a história da salvação, coloca as testemunhas deste mistério nas celebrações dos próprios mistérios de Cristo, especialmente a bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, em quem vê e exalta o mais excelso fruto da redenção (SC 103).
A exortação apostólica Marialis cultus (o culto de Maria), de Paulo VI, afirma que a reforma litúrgica “permitiu que (no calendário litúrgico) fosse inserida de maneira mais orgânica, e com uma ligação mais íntima, a memória da mãe no ciclo dos mistérios do Filho” (2).
O que diz a liturgia
Nas orientações da Igreja, “Maria está intimamente ligada ao mistério do Filho, e sua missão está unida à dele, desde o seu nascimento até à cruz e ressurreição. Por isso, desde o início a intuição da fé incluiu na memória da páscoa de Jesus a memória de sua mãe, valendo-se de sua intercessão e olhando Maria como a ‘cheia de graça’, símbolo do Israel fiel, a discípula grávida do Verbo, a primeira entre os discípulos e discípulas de Jesus, aquela que acreditou e que seguiu Jesus até o fim. A liturgia, assumindo o poder da oração de Maria, tão forte na devoção popular, reforça a sua condição de criatura em relação a Deus e de discípula em relação ao Cristo, evitando atribuir a Maria título ou função própria de Cristo” (Penha Carpanedo, in Liturgia em Mutirão, “O lugar de Maria na liturgia”, pg. 209, edições CNBB, 2007).
Vamos para um exemplo prático: no dia 12 de outubro, o calendário romano contempla a solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, padroeira principal do Brasil. Vejamos o que a liturgia propõe para a missa (eucaristia) do dia:
Antífona da Entrada:
“Com grande alegria rejubilo-me no Senhor; e minha alma exultará no meu Deus, pois me revestiu de justiça e salvação, como a noiva ornada de suas joias” (Is 61,10).
Salmo Responsorial (44):
Refrão: “Escutai, minha filha, olhai, ouvi isto: que o Rei se encante com vossa beleza!”
Aclamação ao Evangelho:
Verso após o Aleluia: “Disse a Mãe de Jesus aos serventes: ‘fazei tudo o que Ele disser!’”
Antífona da Comunhão:
“Seus filhos se erguem, para proclamá-la bem-aventurada. Ela se levanta antes da aurora para dar o alimento a cada um” (Pr 31, 28.15).
Vê-se claramente a ligação profunda de Maria com o mistério de Jesus e do próprio Deus.
Para ajudar-nos a celebrar bem esta missa, vamos conferir os cantos do CD Festas Litúrgicas III, Paulus, 2003. Aí se encontra a missa própria de Nossa Senhora Aparecida, dentro do espírito do canto litúrgico, com as letras que falam do mistério de Maria dentro do mistério de seu filho Jesus e do mistério da Igreja. São letras inspiradas na Bíblia, na própria liturgia e na vida do povo!
Agora, algumas perguntas:
- Qual a compreensão que sua comunidade (seu ministério de música, sua equipe de liturgia) tem sobre o lugar de Maria na obra da redenção?
- Como isso aparece nas celebrações marianas de sua comunidade?
- Você conhece os cantos de Festas Litúrgicas III, que contempla três grandes festas marianas: Assunção, Nossa Senhora Aparecida e Imaculada Conceição?
O desafio é grande, porque implica em sair do costumeiro, do lugar comum, do contentar-se com cantos marianos populares durante a celebração, sem levar em conta o que pede a liturgia e o que pede a Palavra de Deus! Mãos à obra! Ainda está em tempo!