Família, escola e limites: uma relação diretamente proporcional

Segunda, 05 Mai 2014 21:04 Escrito por  Priscila Pereira Boy
Quais os papéis da família e da escola no estabelecimento de limites?

A indisciplina no cotidiano da escola atual tem sido vista como um grande desafio. O frequente descumprimento das regras escolares, associado à desordem e à falta de limites, vinculado à falta de participação dos pais com mais efetividade no cotidiano escolar de seus filhos, têm aumentado o problema da indisciplina na escola que, se não for tratado, pode inclusive, inviabilizar a prática educacional.

Ao longo da minha carreira como consultora educacional, tenho deparado com situações bastante desafiadoras. Por inúmeras vezes, ao iniciarmos uma formação continuada de professores, somos obrigadas a mudar de rumo, afastar-nos da proposta inicial para ouvir as queixas dos educadores em relação ao comportamento dos alunos e tecer com eles possibilidades para atenuar essa tensão que se coloca diante da indisciplina generalizada que tomou conta da escola.

Aprender novas metodologias e tecnologias diante de uma sociedade globalizada, aprender sobre habilidades e competências para atender a um novo foco da avaliação escolar, sobre  novas estratégias frente aos desafios da inclusão tornam-se secundários diante da impotência que o professor sente para ministrar suas aulas, por causa da falta de envolvimento dos alunos.

 

Trabalho conjunto

O MEC realizou uma pesquisa para identificar as causas de tanta indisciplina. Ouviu pais e professores e constatou que os dois grupos comungam das mesmas opiniões. Ambos disseram que é necessário impor limites, educar, trabalhar os valores essenciais e cultivar virtudes. Diante dessa constatação, cabe a nós uma reflexão: qual é o papel da família e qual é o papel da escola? É bem verdade que os papéis de ambos são complementares, mas deve haver muita clareza no delineamento da ação de cada um. A família é uma rede de cuidados e de afeto e é responsável por ensinar os valores e formar princípios do indivíduo. Uma vez bem estabelecidos, esses vão nortear as ações das pessoas e possibilitar o estabelecimento claro de limites. Mas, só limitar não é suficiente. É necessário dar afeto, mostrar que quando se educa, está se pensando no bem-estar do próprio indivíduo.

Esses são dois pontos importantes para o desenvolvimento e a estruturação da personalidade: limite e afeto. O limite auxilia na socialização do indivíduo e o afeto dá a estrutura. Conciliar esses aspectos não é algo simples, mas é fundamental. Para que haja limites, faz-se necessária a construção da noção de autoridade. A base dessa noção deve vir da família e deve ter continuidade na escola.

 

Demarcar as regras

Cabe ao professor estabelecer sua autoridade junto aos alunos, demarcando bem as regras, que podem muito bem ser construídas de forma coletiva. O mais importante é ser firme em relação ao cumprimento das mesmas. O professor jamais deve trocar sua autoridade por popularidade, flexibilizando as cobranças em cima de pontos fundamentais. Uma das formas de demarcar limites aos educando é trabalhar o “aprender a conviver”, um dos quarto pilares da educação do século XXI, proposto pelo francês Jacques Delors.

Nesse sentido, a escola, enquanto instituição social, se constitui em um importante espaço de ensino-aprendizagem, de trabalho coletivo e interação entre os participantes do contexto escolar e tem um papel fundamental, na construção de relações harmônicas entre as pessoas. É preciso trabalhar na tolerância, no respeito mútuo e atuar de forma preventiva, por meio do diálogo constante e de projetos que envolvam os alunos e a comunidade, tornando-os coparticipantes, tanto na elaboração das regras quanto no cumprimento delas.

 

Protagonismo juvenil

O caminho para a desconstrução da indisciplina na escola, portanto, começaria pelo chamamento à participação dos alunos e pelo envolvimento dos pais e toda a comunidade escolar. O protagonismo juvenil, um dos pilares das escolas salesianas, é uma preciosa ferramenta para trabalhar a indisciplina e a violência. A noção de pertencimento gera comprometimento. Temos de envolver a todos no processo pedagógico. O envolvimento da comunidade pode ser feito por meio de atividades culturais que a escola promove e até mesmo a criação de uma escola de pais, onde família e escola vão aprender juntas possibilidades de educação dos filhos e ações práticas de como fazê-lo.

Em meu último livro, Afinal, quem manda nesta casa?, levo os pais a perceberem que é necessário investir em quatro pilares essenciais para criar filhos bem sucedidos: cuidados físicos, intelectuais, socioafetivos e espirituais. Nas escolas, temos conversado sobre a necessidade de uma boa alimentação, boas horas de sono, horário para estudar, combinados acerca do uso do computador e games, dentre outras coisas. Estabelecer regras é fazer pessoas felizes.

Família e escola não são forças opositoras. A família sempre deve ser convidada a participar dos espaços educativos e desenvolver uma rica parceria por meio das diversas relações cultivadas. Sei de muitas experiências nas quais podemos constatar que, na medida em que a relação escola x família foi ganhando maior cumplicidade, respeito e confiança, o desempenho e comportamento dos alunos melhoraram significativamente.

Educar não é uma tarefa fácil, exige muito esforço, paciência, tranquilidade, estabelecer limites e responsabilidades. O objetivo final desse processo é a autodisciplina, construída internamente no aluno. Uma vez internalizado, o limite acontece naturalmente.

 

Priscila Pereira Boy é pedagoga, mestre em educação e escritora. Atualmente é assessora pedagógica da Inspetoria São João Bosco e tem atuado em programas de formação da família. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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Família, escola e limites: uma relação diretamente proporcional

Segunda, 05 Mai 2014 21:04 Escrito por  Priscila Pereira Boy
Quais os papéis da família e da escola no estabelecimento de limites?

A indisciplina no cotidiano da escola atual tem sido vista como um grande desafio. O frequente descumprimento das regras escolares, associado à desordem e à falta de limites, vinculado à falta de participação dos pais com mais efetividade no cotidiano escolar de seus filhos, têm aumentado o problema da indisciplina na escola que, se não for tratado, pode inclusive, inviabilizar a prática educacional.

Ao longo da minha carreira como consultora educacional, tenho deparado com situações bastante desafiadoras. Por inúmeras vezes, ao iniciarmos uma formação continuada de professores, somos obrigadas a mudar de rumo, afastar-nos da proposta inicial para ouvir as queixas dos educadores em relação ao comportamento dos alunos e tecer com eles possibilidades para atenuar essa tensão que se coloca diante da indisciplina generalizada que tomou conta da escola.

Aprender novas metodologias e tecnologias diante de uma sociedade globalizada, aprender sobre habilidades e competências para atender a um novo foco da avaliação escolar, sobre  novas estratégias frente aos desafios da inclusão tornam-se secundários diante da impotência que o professor sente para ministrar suas aulas, por causa da falta de envolvimento dos alunos.

 

Trabalho conjunto

O MEC realizou uma pesquisa para identificar as causas de tanta indisciplina. Ouviu pais e professores e constatou que os dois grupos comungam das mesmas opiniões. Ambos disseram que é necessário impor limites, educar, trabalhar os valores essenciais e cultivar virtudes. Diante dessa constatação, cabe a nós uma reflexão: qual é o papel da família e qual é o papel da escola? É bem verdade que os papéis de ambos são complementares, mas deve haver muita clareza no delineamento da ação de cada um. A família é uma rede de cuidados e de afeto e é responsável por ensinar os valores e formar princípios do indivíduo. Uma vez bem estabelecidos, esses vão nortear as ações das pessoas e possibilitar o estabelecimento claro de limites. Mas, só limitar não é suficiente. É necessário dar afeto, mostrar que quando se educa, está se pensando no bem-estar do próprio indivíduo.

Esses são dois pontos importantes para o desenvolvimento e a estruturação da personalidade: limite e afeto. O limite auxilia na socialização do indivíduo e o afeto dá a estrutura. Conciliar esses aspectos não é algo simples, mas é fundamental. Para que haja limites, faz-se necessária a construção da noção de autoridade. A base dessa noção deve vir da família e deve ter continuidade na escola.

 

Demarcar as regras

Cabe ao professor estabelecer sua autoridade junto aos alunos, demarcando bem as regras, que podem muito bem ser construídas de forma coletiva. O mais importante é ser firme em relação ao cumprimento das mesmas. O professor jamais deve trocar sua autoridade por popularidade, flexibilizando as cobranças em cima de pontos fundamentais. Uma das formas de demarcar limites aos educando é trabalhar o “aprender a conviver”, um dos quarto pilares da educação do século XXI, proposto pelo francês Jacques Delors.

Nesse sentido, a escola, enquanto instituição social, se constitui em um importante espaço de ensino-aprendizagem, de trabalho coletivo e interação entre os participantes do contexto escolar e tem um papel fundamental, na construção de relações harmônicas entre as pessoas. É preciso trabalhar na tolerância, no respeito mútuo e atuar de forma preventiva, por meio do diálogo constante e de projetos que envolvam os alunos e a comunidade, tornando-os coparticipantes, tanto na elaboração das regras quanto no cumprimento delas.

 

Protagonismo juvenil

O caminho para a desconstrução da indisciplina na escola, portanto, começaria pelo chamamento à participação dos alunos e pelo envolvimento dos pais e toda a comunidade escolar. O protagonismo juvenil, um dos pilares das escolas salesianas, é uma preciosa ferramenta para trabalhar a indisciplina e a violência. A noção de pertencimento gera comprometimento. Temos de envolver a todos no processo pedagógico. O envolvimento da comunidade pode ser feito por meio de atividades culturais que a escola promove e até mesmo a criação de uma escola de pais, onde família e escola vão aprender juntas possibilidades de educação dos filhos e ações práticas de como fazê-lo.

Em meu último livro, Afinal, quem manda nesta casa?, levo os pais a perceberem que é necessário investir em quatro pilares essenciais para criar filhos bem sucedidos: cuidados físicos, intelectuais, socioafetivos e espirituais. Nas escolas, temos conversado sobre a necessidade de uma boa alimentação, boas horas de sono, horário para estudar, combinados acerca do uso do computador e games, dentre outras coisas. Estabelecer regras é fazer pessoas felizes.

Família e escola não são forças opositoras. A família sempre deve ser convidada a participar dos espaços educativos e desenvolver uma rica parceria por meio das diversas relações cultivadas. Sei de muitas experiências nas quais podemos constatar que, na medida em que a relação escola x família foi ganhando maior cumplicidade, respeito e confiança, o desempenho e comportamento dos alunos melhoraram significativamente.

Educar não é uma tarefa fácil, exige muito esforço, paciência, tranquilidade, estabelecer limites e responsabilidades. O objetivo final desse processo é a autodisciplina, construída internamente no aluno. Uma vez internalizado, o limite acontece naturalmente.

 

Priscila Pereira Boy é pedagoga, mestre em educação e escritora. Atualmente é assessora pedagógica da Inspetoria São João Bosco e tem atuado em programas de formação da família. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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