São Francisco de Sales: A flor da caridade

Terça, 12 Julho 2022 17:45 Escrito por  Pe. Tarcizio Paulo Odelli
O traço mais característico da personalidade de Francisco de Sales é a mansidão, a doçura, que impregnava toda sua pessoa, seu estilo de vida, suas relações interpessoais e seu método apostólico.    

Essas virtudes têm nele raízes evangélicas profundas. Para o “Doutor do amor”, a caridade é perfeita quando é vivida de maneira doce e amável. Na Introdução à vida devota, ele chama essa virtude de “flor da caridade”. Através delas ele expressa toda a riqueza da sua caridade pastoral. A santidade salesiana é santidade doce e amável. É doçura para com Deus, doçura para consigo mesmo e doçura para com o próximo. É o resultado de um conjunto de virtudes, que ele chama “pequenas virtudes”. São modestas, escondidas e vivem ao pé da cruz. São, por exemplo, a paciência, a estima sincera pelos outros, a humildade, a afabilidade, a compaixão e a simplicidade.

 

Sales viveu num mundo marcado pela violência das guerras, pelas intolerâncias religiosas, pelos duelos que eram realizados em nome “da honra”. Perdoar era considerado um ato contrário à honra. Ele escolheu, então, remar contra a corrente. Num sermão da quaresma de 1617, ele disse aos fiéis: “Não perdoar é uma fraqueza humana; porém, dizer que o perdão é uma covardia, é ser herege”. Para uma religiosa, ele escreveu numa carta: “Eu lhe recomendo, sobretudo, o espírito de doçura, que é o que rouba os corações e ganha as almas”. Sales propõe a mansidão, a doçura e a bondade como um ideal para se chegar à perfeição do amor.

 

Francisco usa um termo para definir a mansidão: a condescendência, que significa fazer-se agradável ao próximo. É um termo muito próximo de solidariedade. Consiste em prevenir os desejos do próximo, em nos acomodarmos aos seus gostos, inclusive nos conformarmos à sua vontade, na medida em que isso não se oponha à vontade de Deus. Dom Bosco traduziu isso pela fórmula “gostar do que os jovens gostam”. Francisco também adotará esse modo de proceder como seu método apostólico. No processo de canonização, um depoente disse que “em menos de quinze dias, seus inimigos se convertiam em seus amigos”.

 

Doçura natural ou inata?

Como Francisco de Sales é conhecido por ser o santo da mansidão, da doçura e da bondade, os biógrafos se perguntam: essa doçura era de nascimento ou ele foi adquirindo ao longo do tempo? Ele era um verdadeiro saboiano, de temperamento colérico, impaciente e forte. Temos vários depoimentos nos quais ele ou pessoas que o conheceram confessam que ele era assim, mas que foi mudando. Por exemplo, ele disse ao seu ecônomo Rolland: “pela graça de Deus consegui domar estas paixões coléricas, às quais sou inclinado por natureza”. E ao padre Francisco De Ronis: “Fiz um pacto com a minha língua: não dizer uma só palavra quando estiver encolerizado”. O Papa Pio XI disse que “tendo colocado como modelo a imitação de Jesus Cristo manso e humilde de coração, com a ajuda da graça e do domínio de si mesmo, conseguiu reprimir e frear os movimentos de seu caráter de tal modo que chegou a ser um vivo retrato do Deus da paz e da doçura”.

 

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Depois dele, alguns entenderam de modo equivocado essa mansidão e essa doçura. León Bloy disse que “São Francisco de Sales lambuzou a Igreja da cabeça aos pés com seu mel, e a encheu de perfumes com seu unguento seráfico”. Muitas das primeiras biografias do santo deram a entender isso. Faltou compreensão para alguns, que imaginaram a amabilidade e a doçura salesianas como “melosas”. Antes, são um conjunto de virtudes e de atitudes que nascem de uma profunda e sólida caridade; que exigem controle atento dos próprios recursos emotivos e afetivos; com humor sereno constante – sinal de humanidade rica e fascinante capacidade de empatia; que criam um clima sereno, livre de conflitos e tensões; que evitam modos bruscos, severos e autoritários e se fazem com muita humildade, paciência, coragem e tenacidade.

 

Creio ser esta uma das melhores definições sobre a mansidão e a doçura salesianas. Essa doçura e essa suavidade não correspondem a fraqueza, meiguice ou pura brandura. Ao contrário, em São Francisco de Sales estavam sempre acompanhadas de firmeza. Ele manifestou muitas vezes essa firmeza, principalmente como bispo. Não teve medo de ameaçar com excomunhão, tanto eclesiásticos como o próprio príncipe, e de recordar-lhes seus direitos.

 

A mansidão salesiana

Algumas palavras descrevem quais são as maneiras de se vivenciar a mansidão salesiana: ter confiança na condição humana, simplicidade de vida, bondade de coração, disponibilidade para amar e perdoar. Também acolhida aos que nos difamam e censuram. Na Introdução à vida devota, Francisco aconselha Filoteia para que a doçura e a humildade estejam dentro do seu coração. E alerta para essa falta, “pois, um dos maiores artifícios do inimigo é fazer que muitos se disfarcem com palavras e gestos exteriores, dando mostras que estão inspirados nestas virtudes e sem examinar bem seus afetos interiores”. Ele fala em “doçura do mel (com os estranhos), e doçura do leite (com as pessoas de casa)”. E faz uma afirmação muito forte, dizendo que essas pessoas, na rua parecem anjos, mas em casa são demônios.

 

Para chegar a ser como Jesus, “manso e humilde de coração”, para chegar ao domínio de si mesmo, à harmonia e ao equilíbrio, a pessoa tem que exercitar-se pacientemente na doçura.

 

Mansidão consigo e com os outros

O primeiro próximo que eu devo respeitar sou eu mesmo. Esta é uma das características da espiritualidade da mansidão. Consiste “em aprender a não se enjoar consigo mesmo nem com as próprias imperfeições”. A pessoa tem que tender à perfeição e se corrigir com humildade e não de modo severo, com firmeza e serenidade. Isso se torna um sinal de domínio firme e vigoroso da própria pessoa e evita dois perigos: o orgulho e o desprezo dos próprios dons. Faltamos com a doçura porque não aceitamos as limitações e imperfeições de nossa condição humana. Com frequência, nossos erros nos irritam, nossas imperfeições nos exasperam, nossas fraquezas nos enervam. É necessário situarmo‐nos de modo realista diante da própria realidade, ter paciência com nosso modo de ser e humildade para ir, passo a passo, pelo caminho da virtude.

 

Francisco de Sales alerta para não confundir amor para consigo mesmo com o “amor próprio”. O amor próprio é um amor egoísta, “narcisista”, zeloso da própria beleza e preocupado unicamente com os próprios interesses. Escrevendo a uma religiosa, Francisco diz que “podemos enfraquecer o amor próprio em nós, porém, nunca morre. De vez em quando e em diversas ocasiões, aparecem brotos que atestam que mesmo que tenha sido cortado no caule, não foi cortado na raiz... o amor próprio teme que os outros nos igualem ou superem”.

 

A doçura adquirida e praticada conosco facilmente se expressa e manifesta também em doçura e mansidão nas nossas relações e no nosso estilo de vida. É importante que realmente manifestemos a bondade e a amabilidade, a paciência e a humildade, a mansidão e a doçura para com os outros. Algumas pessoas se dizem doces, “mas à menor palavra que não for do seu agrado, à menor contraposição que recebem dão prova de uma arrogância incomparável”. No coração verdadeiramente doce e amável não existe espaço para a antipatia, a inimizade, o ódio, a inveja, os ciúmes. A doçura os apaga e faz desaparecer, porque o coração doce e humilde olha o próximo em Deus.

 

Leia AQUI o BS Especial sobre São Francisco de Sales

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São Francisco de Sales: A flor da caridade

Terça, 12 Julho 2022 17:45 Escrito por  Pe. Tarcizio Paulo Odelli
O traço mais característico da personalidade de Francisco de Sales é a mansidão, a doçura, que impregnava toda sua pessoa, seu estilo de vida, suas relações interpessoais e seu método apostólico.    

Essas virtudes têm nele raízes evangélicas profundas. Para o “Doutor do amor”, a caridade é perfeita quando é vivida de maneira doce e amável. Na Introdução à vida devota, ele chama essa virtude de “flor da caridade”. Através delas ele expressa toda a riqueza da sua caridade pastoral. A santidade salesiana é santidade doce e amável. É doçura para com Deus, doçura para consigo mesmo e doçura para com o próximo. É o resultado de um conjunto de virtudes, que ele chama “pequenas virtudes”. São modestas, escondidas e vivem ao pé da cruz. São, por exemplo, a paciência, a estima sincera pelos outros, a humildade, a afabilidade, a compaixão e a simplicidade.

 

Sales viveu num mundo marcado pela violência das guerras, pelas intolerâncias religiosas, pelos duelos que eram realizados em nome “da honra”. Perdoar era considerado um ato contrário à honra. Ele escolheu, então, remar contra a corrente. Num sermão da quaresma de 1617, ele disse aos fiéis: “Não perdoar é uma fraqueza humana; porém, dizer que o perdão é uma covardia, é ser herege”. Para uma religiosa, ele escreveu numa carta: “Eu lhe recomendo, sobretudo, o espírito de doçura, que é o que rouba os corações e ganha as almas”. Sales propõe a mansidão, a doçura e a bondade como um ideal para se chegar à perfeição do amor.

 

Francisco usa um termo para definir a mansidão: a condescendência, que significa fazer-se agradável ao próximo. É um termo muito próximo de solidariedade. Consiste em prevenir os desejos do próximo, em nos acomodarmos aos seus gostos, inclusive nos conformarmos à sua vontade, na medida em que isso não se oponha à vontade de Deus. Dom Bosco traduziu isso pela fórmula “gostar do que os jovens gostam”. Francisco também adotará esse modo de proceder como seu método apostólico. No processo de canonização, um depoente disse que “em menos de quinze dias, seus inimigos se convertiam em seus amigos”.

 

Doçura natural ou inata?

Como Francisco de Sales é conhecido por ser o santo da mansidão, da doçura e da bondade, os biógrafos se perguntam: essa doçura era de nascimento ou ele foi adquirindo ao longo do tempo? Ele era um verdadeiro saboiano, de temperamento colérico, impaciente e forte. Temos vários depoimentos nos quais ele ou pessoas que o conheceram confessam que ele era assim, mas que foi mudando. Por exemplo, ele disse ao seu ecônomo Rolland: “pela graça de Deus consegui domar estas paixões coléricas, às quais sou inclinado por natureza”. E ao padre Francisco De Ronis: “Fiz um pacto com a minha língua: não dizer uma só palavra quando estiver encolerizado”. O Papa Pio XI disse que “tendo colocado como modelo a imitação de Jesus Cristo manso e humilde de coração, com a ajuda da graça e do domínio de si mesmo, conseguiu reprimir e frear os movimentos de seu caráter de tal modo que chegou a ser um vivo retrato do Deus da paz e da doçura”.

 

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O coração de Jesus como escola do amor!

Maria: a mais amante e a mais amada!

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Depois dele, alguns entenderam de modo equivocado essa mansidão e essa doçura. León Bloy disse que “São Francisco de Sales lambuzou a Igreja da cabeça aos pés com seu mel, e a encheu de perfumes com seu unguento seráfico”. Muitas das primeiras biografias do santo deram a entender isso. Faltou compreensão para alguns, que imaginaram a amabilidade e a doçura salesianas como “melosas”. Antes, são um conjunto de virtudes e de atitudes que nascem de uma profunda e sólida caridade; que exigem controle atento dos próprios recursos emotivos e afetivos; com humor sereno constante – sinal de humanidade rica e fascinante capacidade de empatia; que criam um clima sereno, livre de conflitos e tensões; que evitam modos bruscos, severos e autoritários e se fazem com muita humildade, paciência, coragem e tenacidade.

 

Creio ser esta uma das melhores definições sobre a mansidão e a doçura salesianas. Essa doçura e essa suavidade não correspondem a fraqueza, meiguice ou pura brandura. Ao contrário, em São Francisco de Sales estavam sempre acompanhadas de firmeza. Ele manifestou muitas vezes essa firmeza, principalmente como bispo. Não teve medo de ameaçar com excomunhão, tanto eclesiásticos como o próprio príncipe, e de recordar-lhes seus direitos.

 

A mansidão salesiana

Algumas palavras descrevem quais são as maneiras de se vivenciar a mansidão salesiana: ter confiança na condição humana, simplicidade de vida, bondade de coração, disponibilidade para amar e perdoar. Também acolhida aos que nos difamam e censuram. Na Introdução à vida devota, Francisco aconselha Filoteia para que a doçura e a humildade estejam dentro do seu coração. E alerta para essa falta, “pois, um dos maiores artifícios do inimigo é fazer que muitos se disfarcem com palavras e gestos exteriores, dando mostras que estão inspirados nestas virtudes e sem examinar bem seus afetos interiores”. Ele fala em “doçura do mel (com os estranhos), e doçura do leite (com as pessoas de casa)”. E faz uma afirmação muito forte, dizendo que essas pessoas, na rua parecem anjos, mas em casa são demônios.

 

Para chegar a ser como Jesus, “manso e humilde de coração”, para chegar ao domínio de si mesmo, à harmonia e ao equilíbrio, a pessoa tem que exercitar-se pacientemente na doçura.

 

Mansidão consigo e com os outros

O primeiro próximo que eu devo respeitar sou eu mesmo. Esta é uma das características da espiritualidade da mansidão. Consiste “em aprender a não se enjoar consigo mesmo nem com as próprias imperfeições”. A pessoa tem que tender à perfeição e se corrigir com humildade e não de modo severo, com firmeza e serenidade. Isso se torna um sinal de domínio firme e vigoroso da própria pessoa e evita dois perigos: o orgulho e o desprezo dos próprios dons. Faltamos com a doçura porque não aceitamos as limitações e imperfeições de nossa condição humana. Com frequência, nossos erros nos irritam, nossas imperfeições nos exasperam, nossas fraquezas nos enervam. É necessário situarmo‐nos de modo realista diante da própria realidade, ter paciência com nosso modo de ser e humildade para ir, passo a passo, pelo caminho da virtude.

 

Francisco de Sales alerta para não confundir amor para consigo mesmo com o “amor próprio”. O amor próprio é um amor egoísta, “narcisista”, zeloso da própria beleza e preocupado unicamente com os próprios interesses. Escrevendo a uma religiosa, Francisco diz que “podemos enfraquecer o amor próprio em nós, porém, nunca morre. De vez em quando e em diversas ocasiões, aparecem brotos que atestam que mesmo que tenha sido cortado no caule, não foi cortado na raiz... o amor próprio teme que os outros nos igualem ou superem”.

 

A doçura adquirida e praticada conosco facilmente se expressa e manifesta também em doçura e mansidão nas nossas relações e no nosso estilo de vida. É importante que realmente manifestemos a bondade e a amabilidade, a paciência e a humildade, a mansidão e a doçura para com os outros. Algumas pessoas se dizem doces, “mas à menor palavra que não for do seu agrado, à menor contraposição que recebem dão prova de uma arrogância incomparável”. No coração verdadeiramente doce e amável não existe espaço para a antipatia, a inimizade, o ódio, a inveja, os ciúmes. A doçura os apaga e faz desaparecer, porque o coração doce e humilde olha o próximo em Deus.

 

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