Considerações sobre o sistema preventivo

Terça, 04 Fevereiro 2014 21:46 Escrito por  SC Írio Coutinho
Dentre os vários caminhos que podemos escolher para cumprir nossa missão com o Pai, Dom Bosco escolheu o acolhimento da juventude sofrida com o regime de exclusão que se desenvolvia na Itália. Era necessário que os jovens estivessem preparados para enfrentar os novos ventos que sopravam com o desenvolvimento, e a democratização dos meios para enfrentar essa nova realidade estava figurada no aprendizado técnico.

Contudo, não era suficiente oferecer um bom curso técnico aos estudantes sem prepará-los emocionalmente e intelectualmente para o mundo do trabalho. Para isso os ensinamentos do cristianismo são sempre muito eficazes, além de uma garantia de salvação perante a morte, são de comprovado funcionamento se aplicados às coisas cotidianas como família, trabalho e lazer.

Em síntese, o que queria Dom Bosco? Queria cultivar almas para Nosso Senhor. Que missão escolheu? Trabalhar pela formação integral da juventude. Para que essa missão tivesse sucesso, vários componentes se fizeram necessários, dentre eles a formulação de um método ou sistema que atraísse as pessoas ao Evangelho e ao trabalho. Esse método foi chamado de sistema preventivo e até hoje, com suas atualizações, como assim reclamou o padre Egídio Viganò, reitor-mor em 1995, tem se mostrado como valioso instrumento na educação dos jovens.

 

“Salesianizar” a escola

O sistema preventivo não pode ser colocado como uma espécie de tratado de pedagogia, didática ou algo que o valha. Tem muito mais relação com a tarefa de como envolver de espiritualidade salesiana as relações do ambiente de ensino, sejam elas as relações de ensino-aprendizagem, professor-aluno, instrutor-estudante e quem sabe até mesmo a relação dos diversos trabalhadores do ambiente educativo como professores e funcionários.

Aqui escrevo algo que me parece ser um caminho interessante para se pensar o sistema preventivo: foi a maneira que Dom Bosco encontrou de “salesianizar” a escola. 

Salesianizar a escola significa tornar suas atividades e acontecimentos interiores e exteriores expressões salesianas. Para tanto, o componente religioso se mostra essencial, caso contrário não conseguiríamos formar “bons cristãos e honestos cidadãos”. O educador se mostra temente a Deus realizando a missão de educador, não simplesmente como alguém que transmite conteúdos, que sem dúvida são importantes ao educando, mas como alguém que tem a Deus na pessoa do Cristo como fim último de seu trabalho. Então a atitude de evangelizar educando e educar evangelizando, já se fazia presente no sistema preventivo quando Dom Bosco afirmava: “Quereis fazer uma coisa boa? Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa santa? Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa divina? Educai a juventude”.

Uma universidade, colégio, centro de formação, casa de encontros, escola técnica ou qualquer ambiente que se pretenda salesiano é antes de tudo um ambiente que homenageia a Deus e no âmbito da instrução deve destacar-se pelo ensino religioso.

 

Projeto social

Todo projeto cristão é por excelência, também, um projeto social. Cristo quando veio, veio para mudar as estruturas vigentes. Dom Bosco foi um homem que em seu tempo buscou através de suas atividades a diminuição das desigualdades que tanto desagradam a Nosso Senhor. Disso segue que não podemos admitir um centro de formação salesiano onde não se ache a angústia por vivermos em uma sociedade discriminatória. Deve-se cultivar no educando o exercício do debate e da ação em relação ao que ocorre em nosso cotidiano. Aqui encontra lugar o pátio que deve ser explorado não apenas para atividades coletivas e organizadas, mas como lugar de liberdade, diálogo e encontro com o outro. O pátio da obra salesiana deve ter a atmosfera das antigas ágoras.

No próprio nome de seu sistema essa preocupação se faz notar; Dom Bosco adota o nome “sistema preventivo” no intuito de contrapor o sistema vigente de então em que a preocupação maior era a de punir e não prevenir. Onde está o nó da questão? Dom Bosco opta por não deixar o erro acontecer, a trabalhar com o educando de tal maneira que ele não chegasse a atitudes equivocadas. Para tanto a prevenção deve ganhar primazia em relação à punição. Não é que a punição fique completamente fora de cogitação, mas como o próprio Dom Bosco se exprimiu: “Por quanto possível, jamais se faça uso de castigos”.

 

Bases seguras

Como encontrar bases seguras para conseguir êxito em uma empresa que pretende formar jovens cujas atitudes irregulares não fossem praticadas? Devido a grande pretensão da meta, urgia a necessidade de bases seguras para seu cumprimento, essas bases são encontradas em três pilares que se completam mutuamente, são eles: razão, religião e amorevolezza.

Todo ser humano é um ser de razão que tem como tendência natural, segundo Aristóteles, a ânsia pelo saber. Em sua visão positiva do homem inspirada em São Francisco de Sales, Dom Bosco crê na capacidade de aprendizado de todo educando, mesmo os mais difíceis. “Em todo jovem, mesmo no mais rebelde, existe um ponto acessível ao bem; o primeiro dever do educador é descobrir esse ponto, essa corda sensível do coração e tirar proveito disso” (MB V 367).

É necessário ao educador perceber o que inspira seu estudante para, a partir daí, tirar o melhor proveito dele. Pela dimensão da razão é que o aprendizado de teorias, ciências, línguas e técnicas é possível. Sem tais subsídios o jovem não se integrava em Valdocco e muito menos nos dias de hoje. Portanto deve-se brigar para que todo centro de ensino salesiano, em seu âmbito, seja um centro de excelência.

Como já comentamos não há salesianidade sem religião. O salesiano não pode chegar ao pátio para seus deveres de educador se seu espírito não está pronto. Podemos inferir que o estudante não pode ir a esse mesmo pátio sem uma boa sustentação espiritual. Tal espiritualidade deve ser cultivada no educando através do Evangelho e no caso salesiano, de sua tradição. Nos dias de hoje percebemos uma quantidade pequena de religiosos nos vários colégios católicos. É preciso que haja uma presença grande, inclusive em quantidade, de religiosos e religiosas, para que através disso o espírito de família cristã seja enaltecido.

“O fato de sermos muitos aumenta a alegria, serve como encorajamento para suportar as canseiras... e estimula a ver o proveito dos outros; um transmite ao outro os próprios conhecimentos, as próprias ideias, e assim um aprende com o outro. O fato de sermos muitos a fazer o bem nos anima, sem que o percebamos” (MB VII 602).

 

Amorevolezza

E finalmente temos de comentar da amorevolezza, que é uma palavra italiana que aponta para um amor com algumas particularidades, ou ainda, amorevolezza “é uma marca salesiana. Dom Bosco usava essa palavra para indicar amor, carinho, afeição demonstrada, familiaridade, presença. A amorevolezza é uma energia espiritual que nasce da mística do amor de Deus para os jovens” (Pe.Tarcísio Scaramussa e Pe. Genésio Zeferino da Silva Filho. Pedagogia do Amor o Sistema Preventivo de Dom Bosco). É inegociável que esse amor se dê a cada educando de maneira singular e não como um amor para uma “massa de gente” que nos interessa agradar de maneira geral (como se agrada uma plateia). Dom Bosco dizia que era preciso mais que amar o jovem, era preciso que o jovem se sentisse amado, logo, se não se percebe o jovem também como indivíduo, pessoa singular e com particularidades, toda a amorevolezza cai por terra.

Por fim queremos apenas registrar com o bem-aventurado papa João Paulo II que Dom Bosco atribuía significativa importância a aspectos humanos e às condições históricas do indivíduo. Nós, se quisermos nos beneficiar do sistema preventivo, não poderemos nos esquecer de considerar todas as sutilezas de nosso meio cultural e assim, sem dúvida, a atualidade de Dom Bosco será indiscutível. 

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Considerações sobre o sistema preventivo

Terça, 04 Fevereiro 2014 21:46 Escrito por  SC Írio Coutinho
Dentre os vários caminhos que podemos escolher para cumprir nossa missão com o Pai, Dom Bosco escolheu o acolhimento da juventude sofrida com o regime de exclusão que se desenvolvia na Itália. Era necessário que os jovens estivessem preparados para enfrentar os novos ventos que sopravam com o desenvolvimento, e a democratização dos meios para enfrentar essa nova realidade estava figurada no aprendizado técnico.

Contudo, não era suficiente oferecer um bom curso técnico aos estudantes sem prepará-los emocionalmente e intelectualmente para o mundo do trabalho. Para isso os ensinamentos do cristianismo são sempre muito eficazes, além de uma garantia de salvação perante a morte, são de comprovado funcionamento se aplicados às coisas cotidianas como família, trabalho e lazer.

Em síntese, o que queria Dom Bosco? Queria cultivar almas para Nosso Senhor. Que missão escolheu? Trabalhar pela formação integral da juventude. Para que essa missão tivesse sucesso, vários componentes se fizeram necessários, dentre eles a formulação de um método ou sistema que atraísse as pessoas ao Evangelho e ao trabalho. Esse método foi chamado de sistema preventivo e até hoje, com suas atualizações, como assim reclamou o padre Egídio Viganò, reitor-mor em 1995, tem se mostrado como valioso instrumento na educação dos jovens.

 

“Salesianizar” a escola

O sistema preventivo não pode ser colocado como uma espécie de tratado de pedagogia, didática ou algo que o valha. Tem muito mais relação com a tarefa de como envolver de espiritualidade salesiana as relações do ambiente de ensino, sejam elas as relações de ensino-aprendizagem, professor-aluno, instrutor-estudante e quem sabe até mesmo a relação dos diversos trabalhadores do ambiente educativo como professores e funcionários.

Aqui escrevo algo que me parece ser um caminho interessante para se pensar o sistema preventivo: foi a maneira que Dom Bosco encontrou de “salesianizar” a escola. 

Salesianizar a escola significa tornar suas atividades e acontecimentos interiores e exteriores expressões salesianas. Para tanto, o componente religioso se mostra essencial, caso contrário não conseguiríamos formar “bons cristãos e honestos cidadãos”. O educador se mostra temente a Deus realizando a missão de educador, não simplesmente como alguém que transmite conteúdos, que sem dúvida são importantes ao educando, mas como alguém que tem a Deus na pessoa do Cristo como fim último de seu trabalho. Então a atitude de evangelizar educando e educar evangelizando, já se fazia presente no sistema preventivo quando Dom Bosco afirmava: “Quereis fazer uma coisa boa? Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa santa? Educai a juventude. Quereis fazer uma coisa divina? Educai a juventude”.

Uma universidade, colégio, centro de formação, casa de encontros, escola técnica ou qualquer ambiente que se pretenda salesiano é antes de tudo um ambiente que homenageia a Deus e no âmbito da instrução deve destacar-se pelo ensino religioso.

 

Projeto social

Todo projeto cristão é por excelência, também, um projeto social. Cristo quando veio, veio para mudar as estruturas vigentes. Dom Bosco foi um homem que em seu tempo buscou através de suas atividades a diminuição das desigualdades que tanto desagradam a Nosso Senhor. Disso segue que não podemos admitir um centro de formação salesiano onde não se ache a angústia por vivermos em uma sociedade discriminatória. Deve-se cultivar no educando o exercício do debate e da ação em relação ao que ocorre em nosso cotidiano. Aqui encontra lugar o pátio que deve ser explorado não apenas para atividades coletivas e organizadas, mas como lugar de liberdade, diálogo e encontro com o outro. O pátio da obra salesiana deve ter a atmosfera das antigas ágoras.

No próprio nome de seu sistema essa preocupação se faz notar; Dom Bosco adota o nome “sistema preventivo” no intuito de contrapor o sistema vigente de então em que a preocupação maior era a de punir e não prevenir. Onde está o nó da questão? Dom Bosco opta por não deixar o erro acontecer, a trabalhar com o educando de tal maneira que ele não chegasse a atitudes equivocadas. Para tanto a prevenção deve ganhar primazia em relação à punição. Não é que a punição fique completamente fora de cogitação, mas como o próprio Dom Bosco se exprimiu: “Por quanto possível, jamais se faça uso de castigos”.

 

Bases seguras

Como encontrar bases seguras para conseguir êxito em uma empresa que pretende formar jovens cujas atitudes irregulares não fossem praticadas? Devido a grande pretensão da meta, urgia a necessidade de bases seguras para seu cumprimento, essas bases são encontradas em três pilares que se completam mutuamente, são eles: razão, religião e amorevolezza.

Todo ser humano é um ser de razão que tem como tendência natural, segundo Aristóteles, a ânsia pelo saber. Em sua visão positiva do homem inspirada em São Francisco de Sales, Dom Bosco crê na capacidade de aprendizado de todo educando, mesmo os mais difíceis. “Em todo jovem, mesmo no mais rebelde, existe um ponto acessível ao bem; o primeiro dever do educador é descobrir esse ponto, essa corda sensível do coração e tirar proveito disso” (MB V 367).

É necessário ao educador perceber o que inspira seu estudante para, a partir daí, tirar o melhor proveito dele. Pela dimensão da razão é que o aprendizado de teorias, ciências, línguas e técnicas é possível. Sem tais subsídios o jovem não se integrava em Valdocco e muito menos nos dias de hoje. Portanto deve-se brigar para que todo centro de ensino salesiano, em seu âmbito, seja um centro de excelência.

Como já comentamos não há salesianidade sem religião. O salesiano não pode chegar ao pátio para seus deveres de educador se seu espírito não está pronto. Podemos inferir que o estudante não pode ir a esse mesmo pátio sem uma boa sustentação espiritual. Tal espiritualidade deve ser cultivada no educando através do Evangelho e no caso salesiano, de sua tradição. Nos dias de hoje percebemos uma quantidade pequena de religiosos nos vários colégios católicos. É preciso que haja uma presença grande, inclusive em quantidade, de religiosos e religiosas, para que através disso o espírito de família cristã seja enaltecido.

“O fato de sermos muitos aumenta a alegria, serve como encorajamento para suportar as canseiras... e estimula a ver o proveito dos outros; um transmite ao outro os próprios conhecimentos, as próprias ideias, e assim um aprende com o outro. O fato de sermos muitos a fazer o bem nos anima, sem que o percebamos” (MB VII 602).

 

Amorevolezza

E finalmente temos de comentar da amorevolezza, que é uma palavra italiana que aponta para um amor com algumas particularidades, ou ainda, amorevolezza “é uma marca salesiana. Dom Bosco usava essa palavra para indicar amor, carinho, afeição demonstrada, familiaridade, presença. A amorevolezza é uma energia espiritual que nasce da mística do amor de Deus para os jovens” (Pe.Tarcísio Scaramussa e Pe. Genésio Zeferino da Silva Filho. Pedagogia do Amor o Sistema Preventivo de Dom Bosco). É inegociável que esse amor se dê a cada educando de maneira singular e não como um amor para uma “massa de gente” que nos interessa agradar de maneira geral (como se agrada uma plateia). Dom Bosco dizia que era preciso mais que amar o jovem, era preciso que o jovem se sentisse amado, logo, se não se percebe o jovem também como indivíduo, pessoa singular e com particularidades, toda a amorevolezza cai por terra.

Por fim queremos apenas registrar com o bem-aventurado papa João Paulo II que Dom Bosco atribuía significativa importância a aspectos humanos e às condições históricas do indivíduo. Nós, se quisermos nos beneficiar do sistema preventivo, não poderemos nos esquecer de considerar todas as sutilezas de nosso meio cultural e assim, sem dúvida, a atualidade de Dom Bosco será indiscutível. 

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