Quando Dom Bosco entrou no seminário de Chieri, em 1835, encontrou o lema episcopal do bispo fundador daquele grande centro de estudos, dom Columbano Chiaverotti: Da mihi animas, cetera tolle (Gn 14,21). Aos 20 anos, João Bosco estava empolgado com a vida e com a possibilidade de tornar-se padre. Aquele lema tornou-se parte de sua vida e ele se apropriou do mesmo como meta de toda a sua existência.
Perguntemo-nos, então, o que seria característico do carisma salesiano a partir desta frase bíblica? O que seria mais próximo possível do coração de Dom Bosco histórico? Histórico porque, na busca de apresentar a personalidade do fundador, alguns estudos, anedotas e relatos do cotidiano de Valdocco tornaram-se míticos e até exagerados. Porém, aos poucos, os estudos críticos foram revelando o Dom Bosco real, o homem da região de Piemonte, o homem do campo, o jovem que rompeu condicionamentos sociais, econômicos e até religiosos, que migrou rumo à cidade na busca de realizar um sonho. É a história do pastor dos Becchi que se transformou em mensageiro da Palavra de Deus aos jovens que ele soube ver, amar e chamar para um projeto grande de missão. Esse Dom Bosco do “Dá-me as pessoas” é que pretendo descrever neste artigo.
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas [almas]”foi ousado. Ele deixou o campo, o lugar estreito, e foi em busca do seu ideal de vida, do lugar espaçoso. Migrou para Butigleira, Sussambrino, Moglia, Castelnuovo D´Asti, Chieri e Turim. Ele queria crescer, sair do anonimato; queria cultura para poder conhecer mais a religião; enfim, ele queria ser o que para muitos era impossível. Queria ser um padre diferente.
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas” não teve medo do trabalho. Ele foi um jovem empreendedor, destemido, criativo. Em Chieri, entrou em contato com as pessoas que podiam ajudá-lo a estudar, trabalhar e crescer na sociedade. Conseguiu ganhar o pão de cada dia com honestidade sem recorrer ao roubo e a mentiras;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”não teve medo da dúvida salutar para descobrir a vontade de Deus. Desde jovem, buscou a sabedoria de divina para discernir o que seria valioso para ele, como confrontar seus sonhos, como entender os apelos do Senhor; por isto, foi aberto ao senhorio de Deus em sua vida;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”deixou-se questionar e inquietar quando viu numerosos jovens abandonados, presos e condenados. Acompanhava o padre Cafasso nas visitas às prisões e participava das experiências daquele padre fervoroso, a tal ponto de apropriar-se de uma delas para justificar sua opção pelos jovens na narrativa emblemática do encontro com Bartolomeu Garelli;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”não se contentou em ganhar dinheiro para sobreviver, mas partilhou a vida com meninos órfãos e abandonados, colocando-se com eles em situação de risco. Com eles migrou em busca de um lugar para fixar sua obra e garantir um lugar de acolhida, amizade, estudo, lazer, trabalho e experiência religiosa;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”foi operário, mestre, confessor, político, escritor, padeiro, sapateiro; enfim, um padre diferente que tocou na carne daquela juventude empobrecida. Viajou para grandes centros urbanos da época como Roma e Paris, sempre em busca de colaboradores e de dinheiro para manter com dignidade seus jovens e sua obra.
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”não teve medo de lutar por seus ideais, de defender, de protestar, de organizar campanhas e de dialogar com os poderosos da época na defesa da religião, da verdade e do bem da Igreja;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”atraiu jovens corajosos para continuarem sua missão. Ele sabia que tudo aquilo era da vontade de Deus. Ele tinha consciência que o sonho de 1825 não era um pesadelo, mas nasceu do coração de Deus e da bondade da senhora majestosa. Aquele projeto era divino e ele era apenas um instrumento de Deus;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”tinha um coração missionário, além fronteiras. Era um homem de coragem que espalhou pelo mundo a presença do carisma recebido de Deus. Ele sabia que a missão está sempre mais à frente e que Deus o esperava nos jovens;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”foi fundador de grande envergadura. No tempo certo começou a propor aos jovens um projeto ousado, em um contexto anticlerical e árido. Moldou homens como Rua, Cagliero, Costamagna, e foi sensível à presença da mulher na evangelização. Soube reconhecer no grupo de Mornese uma possibilidade de expansão do seu carisma na educação feminina e não teve medo de reconhecer em Mazzarello o mesmo carisma e a mesma inquietação pela educação e evangelização das jovens;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”enfrentou grandes conflitos eclesiais e políticos em uma Turim em transformação. Não aceitou a manipulação dos jovens para as ideologias nacionalistas e não os preparou para os campos de batalha. Para ele, os jovens deveriam ser honestos cidadãos e bons cristãos, mesmo em uma sociedade hostil e anticlerical;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”aprendeu que a santidade é um projeto de vida a ser vivido no banquete do Reino de Deus, quer dizer: deixar-se envolver pela primazia de Deus, pois a “vida dos justos está nas mãos de Deus” (Sab 3,1). Portanto, é possível ser santo e este ideal deveria ser apresentado aos jovens com alegria, otimismo, compromisso e união plena com Deus;
O Dom Bosco do “Dá-me as pessoas”foi sensível à educação do jovem e, para tanto, foi capaz de observar e traduzir para eles a preventividade educativa, a religião atrativa, a caridade ativa e o raciocínio construtivo. Foi o homem prático que soube dar respostas concretas aos desafios cotidianos.