Uma pessoa azeda contribui para o pessimismo comunitário. Esta é uma constatação que nos faz Francisco na exortação apostólica Evangelii Gaudium (EG – Alegria do Evangelho) n. 85. “Quem começa, diz ele, sem confiança perdeu de antemão da batalha e enterra os seus talentos”. Esse deserto da indiferença começa quando renunciamos ao ambiente da comunidade cristã como lugar do encontro, das relações e da participação.
Sim, é verdade que hoje, com as novas tecnologias, o ser humano começa a ter acesso a um mundo virtual que o desloca do lugar da comunidade física para a comunidade virtual, nas interfaces do clique que nos aproximam e distanciam da realidade. Eis aqui o perigo de substituir o valor da comunidade de pessoas. Porque há uma busca de Deus na renúncia do encontro com o outro, como se Deus fosse o sem rosto! Nesse deserto o cristão é convocado a ser “cântaro” (EG,86) para aliviar a sede do estar com os outros.
Encontrar o outro
A comunidade entra no projeto pessoal de vida como o lugar de “viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o abraço, apoiar-nos, participar” (EG, 87). Para isto, é preciso sair de si mesmo. Do esconderijo da virtualidade e do anonimato para fazer o bem dentro da experiência cotidiana da comunidade. Rompendo, assim, com o “veneno amargo da imanência” (EG, 87).
Francisco nos alerta a vencer o medo da suspeita, da desconfiança, da privacidade, para aderir à dimensão social do Evangelho, pois o “Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com seu sofrimento e suas reivindicações, com sua alegria contagiosa permanecendo lada a lado” (EG, 88). Na medida dessa experiência tocamos de fato na carne do Senhor Jesus Cristo e mergulhamos no mistério de sua encarnação.
Fraternidade mística
A comunidade cristã é esse cântaro que oferece a água que cura, liberta, enche a vida de paz e harmonia. Aqui há um gancho para o projeto pessoal de vida. Trata-se da vivência da religiosidade popular como lugar da fé encarnada que inclui relações, aprendizado e evangelização. Rompe com a tentação da espiritualidade do bem-estar e da prosperidade sem comunidade (EG, 89-90).
Também é importante sublinhar que a fé como dom pessoal se amadurece, experimenta e transparece na fé comunitária na medida em que cuidamos do outro. E, sobre isto, bem disse o papa emérito Bento XVI: “O grande mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se responsável por quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o facto de sermos irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a ver no outro um verdadeiroalter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão” (Cf. Mensagem para a Quaresma 2012).
Tudo isso nos leva a uma “fraternidade mística”, quer dizer, saber descobrir o rosto de Deus na pessoa do outro superando as moléstias, os conflitos, o fechamento do coração e abrir-se ao amor divino (EG, 92). Isso tudo não é fácil para nenhum de nós, por isto vivemos a crise da comunidade de forma tão avassaladora. Como não se consegue vencer e viver com as diferenças facilmente se escorrega para atitudes de indiferença, que alimentam a doença do mundo contemporâneo: a ansiedade. Corre-se o dia inteiro para não pensar, não confrontar, não contemplar, não se comprometer com o outro. É a doença do ser pessoa sem fraternidade (EG 91).
No projeto de vida vocacional o cristão rompe condicionamentos do isolamento na medida em que desperta para o valor da comunidade e se desloca dos espaços isolados de anonimato para encontrar o outro. Assim, nada nos poderá roubar a comunidade, dom de ser pessoa em fraternidade evangelizadora.