Migrantes e refugiados: e eu com isso?

Quinta, 17 Mai 2018 13:35 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
Migrantes e refugiados: e eu com isso? Foto: CNBB
“Com espírito de misericórdia, abraçamos todos aqueles que fogem da guerra e da fome ou se veem constrangidos a deixar a própria terra por causa de discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental” – Papa Francisco.  

Em 1° de janeiro deste ano, o Papa Francisco nos presenteou com a tradicional mensagem para celebração do Dia Mundial da Paz. Para esta edição, o Santo Padre escolheu, como tema, “Migrantes e refugiados: homens e mulheres em busca de paz”. Pauta constante de seu pontificado, Francisco quis tratar do assunto que afeta milhares de pessoas no mundo à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, na perspectiva das migrações e do refúgio: quem são essas pessoas? Como vivem? Como nós, cristãos e católicos, podemos nos compadecer de seu sofrimento e ajudá-las efetivamente?

 

Como dito, o tema é constantemente tratado pelo Papa Francisco, principalmente porque, como bispo de Roma, tem se atentado à realidade que o circunda. A Europa tem sido palco constante de crises de migrantes e refugiados, que deixam sua terra natal para procurar asilo em lugares com melhores condições de vida, ou até mesmo em busca de paz, porque a guerra os expulsou de onde viviam.

 

Mas todos esses temas nos parecem tão longe: refugiados, africanos e sírios, pessoas obrigadas a deixar suas famílias, suas terras, histórias e sua origem, porque guerras ou outras causas as obrigaram a migrar... Será que essas pessoas estão, de fato, tão longe assim de nós? Será que as migrações e os pedidos de refúgio são distantes de nossa realidade? Somos cada vez mais chamados a nos atentarmos com a realidade que nos circunda, e, a exemplo do Papa, ajudar a mudar essa realidade, afagando pessoas e amenizando suas dores.

 

Quem são migrantes? E refugiados?

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), órgão da ONU responsável por cuidar das pessoas nestas situações, refugiados “são pessoas que escaparam de conflitos armados ou perseguições”.

 

Por sua vez, migrantes são pessoas que “escolhem se deslocar não por causa de uma ameaça direta de perseguição ou morte, mas principalmente para melhorar sua vida em busca de trabalho ou educação, por reunião familiar ou por outras razões. À diferença dos refugiados, que não podem voltar ao seu país, os migrantes continuam recebendo a proteção do seu governo”.

 

Situações que chamam a atenção

Em ambas as hipóteses, seja de migração, seja de refúgio, temos pessoas que deixam seus lares a procura de uma terra melhor para viver. São seres humanos, filhos e filhas de Deus, e merecem todo o amor e dignidade. Por isso, devemos compreender as causas que fazem milhares de pessoas saírem de suas localidades, a força ou por vontade própria.

 

São João Paulo II incluiu o número crescente de refugiados entre os efeitos de “uma sequência infinda e horrenda de guerras, conflitos, genocídios, ‘limpezas étnicas’” que caraterizaram o século XX. E até agora, infelizmente, o novo século não registou uma verdadeira viragem: os conflitos armados e as outras formas de violência organizada continuam a provocar deslocamento de populações no interior das fronteiras nacionais e para além delas. O Papa Francisco ainda acentuou que “as pessoas migram também por outras razões, sendo a primeira delas ‘o desejo de uma vida melhor, unido muitas vezes ao intento de deixar para trás o desespero de um futuro impossível de construir’. As pessoas partem para se juntar à própria família, para encontrar oportunidades de trabalho ou de instrução: quem não pode gozar destes direitos, não vive em paz”.

 

Para salvaguardar o direito à vida e à liberdade dessas pessoas, as nações têm enfrentado uma série de problemáticas: de um lado, além de cuidar dos problemas internos de seus países – como desemprego, inflação, falta de moradia e má distribuição de renda –, precisam também estender a mão para pessoas de fora, estrangeiros; de outro, estão estes seres humanos que clamam por ajuda, e que não podem, mais uma vez, ter as portas do auxílio fechadas em sua cara.

 

Desse conflito de interesses nascem, em não raras as vezes, demonstrações de ódio, de xenofobia. Os cidadãos dos países clamam por ajuda a seus próprios problemas, e, mesmo assim, deparam-se com pessoas em pior situação.

 

É certo que não podemos fechar os olhos para a realidade interna das nações – onde também há desemprego, fome, pessoas dormindo ao relento... – mas, igualmente, não podemos deixar migrantes e refugiados sem qualquer auxílio. Esse dever moral transcende nossa existência enquanto cristãos – afinal, Jesus já nos convidou a cuidar e acolher os estrangeiros (Mt 25, 35) – e une a todos, independentemente de origem, distinção de credo ou religião, como seres humanos.

 

Perto de todos nós

Vemos essas situações de migrantes e refugiados no cotidiano dos noticiários, com maior amplitude, nas regiões de guerra no norte da África e no Oriente Médio, razão pela qual milhares de pessoas têm os países da Europa como “a terra prometida”, ou “um novo lar”. Mas será que estamos tão distantes assim dessas pessoas e situações?

 

No início de fevereiro, acompanhei a Comissão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em sua visita à fronteira do Brasil com a Venezuela. Visitei postos da Polícia Federal, autoridades e abrigos para refugiados. Pude constatar como há, aqui tão perto de nós, pessoas em situações de fome e calamidade, até mesmo de perseguição política.

 

A semana que passei em Roraima, entre as cidades de Boa Vista (capital) e Pacaraima (no interior do estado, na divisa dos países), me fez perceber que aquele “problema” não é apenas deles, venezuelanos, que fogem da fome ou da perseguição política. Também, não é um problema exclusivamente nosso, dos brasileiros. É um problema que nos une como seres humanos, como cristãos, filhos e filhas de Deus.

 

Aquelas pessoas têm necessidades de diversas magnitudes, começando desde o básico: aonde dormir, o que comer, o que vestir... muitas não vieram para o Brasil “em paz”, em busca de mera ascensão social e melhores perspectivas de vida. Vieram por medo. Vieram em razão da dor. O que faremos nós, em relação a elas? Lavaremos as mãos, como fez Pôncio Pilatos na condenação de Jesus à cruz? Perpetuaremos preconceitos, “piadinhas” e xenofobia quando nos encontramos com esses irmãos que têm andado, a pé, centenas, às vezes milhares de quilômetros, em busca de pão e água?

 

Precisamos nos unir e dar dignidade àquelas pessoas. Claro, sem nos esquecermos dos problemas que já enfrentamos cotidianamente no Brasil, precisamos seguir o exemplo do Papa Francisco e “acolher” essas pessoas, nos importar com elas. Não precisamos, de forma literal, colocá-las para dentro da nossa casa – embora o próprio sucessor de Pedro e líder da Igreja assim o fez, e convidou todos a fazerem o mesmo gesto. Podemos, por exemplo, conhecer iniciativas de pessoas e instituições dispostas a doar a própria vida para ajudar, com o devido sustento, e ainda que temporariamente, essas pessoas.

 

E você, já pensou nisso?

 

Missão Fronteiras Venezuela – Brasil

A CNBB, em parceria com a Diocese de Roraima, tem liderado uma coleta de doações para ajudar pessoas em situação de migração e refúgio na fronteira do Brasil com a Venezuela. Há homens, mulheres e crianças em situação de extrema vulnerabilidade social.

Para doar, pode-se depositar qualquer quantia na conta da Diocese de Roraima junto ao Banco do Brasil (agência n° 4129-7, e conta corrente n° 7746-1).

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 24 anos, é advogado, formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve) da Presidência da República, e ex-secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE).
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Migrantes e refugiados: e eu com isso?

Quinta, 17 Mai 2018 13:35 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
Migrantes e refugiados: e eu com isso? Foto: CNBB
“Com espírito de misericórdia, abraçamos todos aqueles que fogem da guerra e da fome ou se veem constrangidos a deixar a própria terra por causa de discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental” – Papa Francisco.  

Em 1° de janeiro deste ano, o Papa Francisco nos presenteou com a tradicional mensagem para celebração do Dia Mundial da Paz. Para esta edição, o Santo Padre escolheu, como tema, “Migrantes e refugiados: homens e mulheres em busca de paz”. Pauta constante de seu pontificado, Francisco quis tratar do assunto que afeta milhares de pessoas no mundo à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, na perspectiva das migrações e do refúgio: quem são essas pessoas? Como vivem? Como nós, cristãos e católicos, podemos nos compadecer de seu sofrimento e ajudá-las efetivamente?

 

Como dito, o tema é constantemente tratado pelo Papa Francisco, principalmente porque, como bispo de Roma, tem se atentado à realidade que o circunda. A Europa tem sido palco constante de crises de migrantes e refugiados, que deixam sua terra natal para procurar asilo em lugares com melhores condições de vida, ou até mesmo em busca de paz, porque a guerra os expulsou de onde viviam.

 

Mas todos esses temas nos parecem tão longe: refugiados, africanos e sírios, pessoas obrigadas a deixar suas famílias, suas terras, histórias e sua origem, porque guerras ou outras causas as obrigaram a migrar... Será que essas pessoas estão, de fato, tão longe assim de nós? Será que as migrações e os pedidos de refúgio são distantes de nossa realidade? Somos cada vez mais chamados a nos atentarmos com a realidade que nos circunda, e, a exemplo do Papa, ajudar a mudar essa realidade, afagando pessoas e amenizando suas dores.

 

Quem são migrantes? E refugiados?

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), órgão da ONU responsável por cuidar das pessoas nestas situações, refugiados “são pessoas que escaparam de conflitos armados ou perseguições”.

 

Por sua vez, migrantes são pessoas que “escolhem se deslocar não por causa de uma ameaça direta de perseguição ou morte, mas principalmente para melhorar sua vida em busca de trabalho ou educação, por reunião familiar ou por outras razões. À diferença dos refugiados, que não podem voltar ao seu país, os migrantes continuam recebendo a proteção do seu governo”.

 

Situações que chamam a atenção

Em ambas as hipóteses, seja de migração, seja de refúgio, temos pessoas que deixam seus lares a procura de uma terra melhor para viver. São seres humanos, filhos e filhas de Deus, e merecem todo o amor e dignidade. Por isso, devemos compreender as causas que fazem milhares de pessoas saírem de suas localidades, a força ou por vontade própria.

 

São João Paulo II incluiu o número crescente de refugiados entre os efeitos de “uma sequência infinda e horrenda de guerras, conflitos, genocídios, ‘limpezas étnicas’” que caraterizaram o século XX. E até agora, infelizmente, o novo século não registou uma verdadeira viragem: os conflitos armados e as outras formas de violência organizada continuam a provocar deslocamento de populações no interior das fronteiras nacionais e para além delas. O Papa Francisco ainda acentuou que “as pessoas migram também por outras razões, sendo a primeira delas ‘o desejo de uma vida melhor, unido muitas vezes ao intento de deixar para trás o desespero de um futuro impossível de construir’. As pessoas partem para se juntar à própria família, para encontrar oportunidades de trabalho ou de instrução: quem não pode gozar destes direitos, não vive em paz”.

 

Para salvaguardar o direito à vida e à liberdade dessas pessoas, as nações têm enfrentado uma série de problemáticas: de um lado, além de cuidar dos problemas internos de seus países – como desemprego, inflação, falta de moradia e má distribuição de renda –, precisam também estender a mão para pessoas de fora, estrangeiros; de outro, estão estes seres humanos que clamam por ajuda, e que não podem, mais uma vez, ter as portas do auxílio fechadas em sua cara.

 

Desse conflito de interesses nascem, em não raras as vezes, demonstrações de ódio, de xenofobia. Os cidadãos dos países clamam por ajuda a seus próprios problemas, e, mesmo assim, deparam-se com pessoas em pior situação.

 

É certo que não podemos fechar os olhos para a realidade interna das nações – onde também há desemprego, fome, pessoas dormindo ao relento... – mas, igualmente, não podemos deixar migrantes e refugiados sem qualquer auxílio. Esse dever moral transcende nossa existência enquanto cristãos – afinal, Jesus já nos convidou a cuidar e acolher os estrangeiros (Mt 25, 35) – e une a todos, independentemente de origem, distinção de credo ou religião, como seres humanos.

 

Perto de todos nós

Vemos essas situações de migrantes e refugiados no cotidiano dos noticiários, com maior amplitude, nas regiões de guerra no norte da África e no Oriente Médio, razão pela qual milhares de pessoas têm os países da Europa como “a terra prometida”, ou “um novo lar”. Mas será que estamos tão distantes assim dessas pessoas e situações?

 

No início de fevereiro, acompanhei a Comissão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em sua visita à fronteira do Brasil com a Venezuela. Visitei postos da Polícia Federal, autoridades e abrigos para refugiados. Pude constatar como há, aqui tão perto de nós, pessoas em situações de fome e calamidade, até mesmo de perseguição política.

 

A semana que passei em Roraima, entre as cidades de Boa Vista (capital) e Pacaraima (no interior do estado, na divisa dos países), me fez perceber que aquele “problema” não é apenas deles, venezuelanos, que fogem da fome ou da perseguição política. Também, não é um problema exclusivamente nosso, dos brasileiros. É um problema que nos une como seres humanos, como cristãos, filhos e filhas de Deus.

 

Aquelas pessoas têm necessidades de diversas magnitudes, começando desde o básico: aonde dormir, o que comer, o que vestir... muitas não vieram para o Brasil “em paz”, em busca de mera ascensão social e melhores perspectivas de vida. Vieram por medo. Vieram em razão da dor. O que faremos nós, em relação a elas? Lavaremos as mãos, como fez Pôncio Pilatos na condenação de Jesus à cruz? Perpetuaremos preconceitos, “piadinhas” e xenofobia quando nos encontramos com esses irmãos que têm andado, a pé, centenas, às vezes milhares de quilômetros, em busca de pão e água?

 

Precisamos nos unir e dar dignidade àquelas pessoas. Claro, sem nos esquecermos dos problemas que já enfrentamos cotidianamente no Brasil, precisamos seguir o exemplo do Papa Francisco e “acolher” essas pessoas, nos importar com elas. Não precisamos, de forma literal, colocá-las para dentro da nossa casa – embora o próprio sucessor de Pedro e líder da Igreja assim o fez, e convidou todos a fazerem o mesmo gesto. Podemos, por exemplo, conhecer iniciativas de pessoas e instituições dispostas a doar a própria vida para ajudar, com o devido sustento, e ainda que temporariamente, essas pessoas.

 

E você, já pensou nisso?

 

Missão Fronteiras Venezuela – Brasil

A CNBB, em parceria com a Diocese de Roraima, tem liderado uma coleta de doações para ajudar pessoas em situação de migração e refúgio na fronteira do Brasil com a Venezuela. Há homens, mulheres e crianças em situação de extrema vulnerabilidade social.

Para doar, pode-se depositar qualquer quantia na conta da Diocese de Roraima junto ao Banco do Brasil (agência n° 4129-7, e conta corrente n° 7746-1).

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 24 anos, é advogado, formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve) da Presidência da República, e ex-secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE).
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