Um grande presente

Terça, 02 Abril 2019 13:40 Escrito por 
Um grande presente iStock.com
O terceiro artigo da série sobre vocação religiosa e sexualidade trata sobre como esse assunto é abordado no documento final do Sínodo dos Bispos, que foi realizado com o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.    

Gostei imensamente do número 38 da proposição entregue ao Papa, fruto do Sínodo dos Jovens, onde aparece este pensamento: “É neste contexto que as famílias cristãs e as comunidades eclesiais tentam fazer com que os jovens descubram a sexualidade como um grande presente, habitado pelo Mistério, para viver as relações segundo a lógica do Evangelho. No entanto, nem sempre são capazes de traduzir esse desejo em uma adequada educação afetiva e sexual, que não se limita a intervenções esporádicas e ocasionais. Onde essa educação foi realmente tomada como uma escolha propositiva, são observados resultados positivos que ajudam os jovens a compreender a relação entre a adesão à fé em Jesus Cristo e o modo de viver a afetividade e os relacionamentos interpessoais. Esses resultados encorajam um maior investimento em energia eclesial nesse campo”.

 

Exatamente isto: a sexualidade como um grande presente de Deus e uma educação afetiva e sexual que ajude a entender a relação entre adesão a Jesus e vivência da afetividade. É isso o que falta em nossas comunidades e no magistério da Igreja. Muitas vezes, as intervenções são moralistas, meros juízos dos comportamentos, e nada acrescentam ao que se vive na realidade dos jovens de hoje. Isso deve mudar.

 

Deus habita na sexualidade

É preciso entender que a sexualidade é um presente de Deus e não um castigo a ser reprimido como se isso fosse a solução para a vivência correta da afetividade e da sexualidade. Nela, a sexualidade, Deus habita, ele assumiu a nossa natureza, menos o pecado, como afirma o texto aos Hebreus, mas isso não significa que a sexualidade seja um pecado.

 

Muitos jovens hoje vivem um drama terrível em relação à própria sexualidade porque a limitaram ou foram instruídos a considerá-la como algo ruim, sujo, a ser evitado, quase como um vício a ser combatido a cada dia. Então, as fantasias, as atrações, o desejo, que fazem parte do ser pessoa humana, se transformaram em dramáticos medos contra si mesmo. Perde-se o sentido da vigilância, do conhecimento de si, do controle e passa-se a sustentar uma prática sexual do medo e da frustração.

 

Evidentemente, assim também se expressam os padres sinodais, que as mudanças socioculturais trazem dúvidas e desorientam os jovens (Proposição 39), no entanto, a Igreja precisa evitar o tom meramente moralista e de condenação, pois isso não contribui para uma melhor vivência da sexualidade como dom de Deus.

 

Corpo espiritual

A influência platônica da Filosofia grega não conseguiu unir corpo e espiritualidade. Ao contrário, separou e considerou a carne como algo desprezível, inferior, o que atingiu em cheio a moral cristã, escapando da compreensão bíblica, que considera o corpo como Templo vivo de Deus, com todas as suas energias, inclusive a afetividade-sexualidade.

 

Por sua vez, São Paulo, com forte influência grega, separou carne e espírito. No entanto, na Bíblia, sobretudo no Antigo Testamento, o ser humano é compreendido como carne, quer dizer, espírito e vida, pois a carne se origina da mãe terra: “Ela é carne da minha carne” (Gn 2,23). Esta bela expressão de Adão diz muito sobre o valor da carne na experiência humana, algo sagrado que, devidamente articulado, une o ser humano a Deus, pois o corpo humano transcende a todas as outras criaturas e se torna símbolo corpóreo de Deus.

 

Jesus tocou na carne

O próprio Jesus foi um homem que tocou a carne humana (Mt 11,4-5). Ele se doou aos outros e não teve nenhum tipo de rejeição aos que viviam na carne o desprezo por serem pecadores, cegos, coxos, leprosos (1Jo 1), porque em Jesus mesmo a divindade habitou e desceu à nossa condição (Cl 2,9). Assim é mais fácil entender que as curas realizadas por Jesus manifestam a salvação da carne e a manifestação do Reino. A Igreja apostólica seguiu por esta mesma práxis, curando os doentes, libertando os presos, ressuscitando os mortos (Mt 10,7-9; Lc 9,1-2), ungindo com óleo muitos dos enfermos (Mc 6,13).

 

Continuarei com esta reflexão no próximo artigo para fazer eco ao pedido dos padres sinodais, ou seja: é preciso investir numa nova energia eclesial no campo da sexualidade humana.

 

Avalie este item
(0 votos)
Última modificação em Terça, 02 Abril 2019 13:45

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.


Um grande presente

Terça, 02 Abril 2019 13:40 Escrito por 
Um grande presente iStock.com
O terceiro artigo da série sobre vocação religiosa e sexualidade trata sobre como esse assunto é abordado no documento final do Sínodo dos Bispos, que foi realizado com o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.    

Gostei imensamente do número 38 da proposição entregue ao Papa, fruto do Sínodo dos Jovens, onde aparece este pensamento: “É neste contexto que as famílias cristãs e as comunidades eclesiais tentam fazer com que os jovens descubram a sexualidade como um grande presente, habitado pelo Mistério, para viver as relações segundo a lógica do Evangelho. No entanto, nem sempre são capazes de traduzir esse desejo em uma adequada educação afetiva e sexual, que não se limita a intervenções esporádicas e ocasionais. Onde essa educação foi realmente tomada como uma escolha propositiva, são observados resultados positivos que ajudam os jovens a compreender a relação entre a adesão à fé em Jesus Cristo e o modo de viver a afetividade e os relacionamentos interpessoais. Esses resultados encorajam um maior investimento em energia eclesial nesse campo”.

 

Exatamente isto: a sexualidade como um grande presente de Deus e uma educação afetiva e sexual que ajude a entender a relação entre adesão a Jesus e vivência da afetividade. É isso o que falta em nossas comunidades e no magistério da Igreja. Muitas vezes, as intervenções são moralistas, meros juízos dos comportamentos, e nada acrescentam ao que se vive na realidade dos jovens de hoje. Isso deve mudar.

 

Deus habita na sexualidade

É preciso entender que a sexualidade é um presente de Deus e não um castigo a ser reprimido como se isso fosse a solução para a vivência correta da afetividade e da sexualidade. Nela, a sexualidade, Deus habita, ele assumiu a nossa natureza, menos o pecado, como afirma o texto aos Hebreus, mas isso não significa que a sexualidade seja um pecado.

 

Muitos jovens hoje vivem um drama terrível em relação à própria sexualidade porque a limitaram ou foram instruídos a considerá-la como algo ruim, sujo, a ser evitado, quase como um vício a ser combatido a cada dia. Então, as fantasias, as atrações, o desejo, que fazem parte do ser pessoa humana, se transformaram em dramáticos medos contra si mesmo. Perde-se o sentido da vigilância, do conhecimento de si, do controle e passa-se a sustentar uma prática sexual do medo e da frustração.

 

Evidentemente, assim também se expressam os padres sinodais, que as mudanças socioculturais trazem dúvidas e desorientam os jovens (Proposição 39), no entanto, a Igreja precisa evitar o tom meramente moralista e de condenação, pois isso não contribui para uma melhor vivência da sexualidade como dom de Deus.

 

Corpo espiritual

A influência platônica da Filosofia grega não conseguiu unir corpo e espiritualidade. Ao contrário, separou e considerou a carne como algo desprezível, inferior, o que atingiu em cheio a moral cristã, escapando da compreensão bíblica, que considera o corpo como Templo vivo de Deus, com todas as suas energias, inclusive a afetividade-sexualidade.

 

Por sua vez, São Paulo, com forte influência grega, separou carne e espírito. No entanto, na Bíblia, sobretudo no Antigo Testamento, o ser humano é compreendido como carne, quer dizer, espírito e vida, pois a carne se origina da mãe terra: “Ela é carne da minha carne” (Gn 2,23). Esta bela expressão de Adão diz muito sobre o valor da carne na experiência humana, algo sagrado que, devidamente articulado, une o ser humano a Deus, pois o corpo humano transcende a todas as outras criaturas e se torna símbolo corpóreo de Deus.

 

Jesus tocou na carne

O próprio Jesus foi um homem que tocou a carne humana (Mt 11,4-5). Ele se doou aos outros e não teve nenhum tipo de rejeição aos que viviam na carne o desprezo por serem pecadores, cegos, coxos, leprosos (1Jo 1), porque em Jesus mesmo a divindade habitou e desceu à nossa condição (Cl 2,9). Assim é mais fácil entender que as curas realizadas por Jesus manifestam a salvação da carne e a manifestação do Reino. A Igreja apostólica seguiu por esta mesma práxis, curando os doentes, libertando os presos, ressuscitando os mortos (Mt 10,7-9; Lc 9,1-2), ungindo com óleo muitos dos enfermos (Mc 6,13).

 

Continuarei com esta reflexão no próximo artigo para fazer eco ao pedido dos padres sinodais, ou seja: é preciso investir numa nova energia eclesial no campo da sexualidade humana.

 

Avalie este item
(0 votos)
Última modificação em Terça, 02 Abril 2019 13:45

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.