O que esperar do Sínodo Pan-Amazônico?

Terça, 27 Novembro 2018 09:10 Escrito por 
O que esperar do Sínodo Pan-Amazônico? O encontro promovido pela REPAM em parceria com a CRB foi realizado em Manaus, dias 16 a 18 de novembro Foto: Divulgação
A Igreja é lenta e prudente quando o assunto é mudanças. Digamos até resistente. O corpo eclesial é muito grande e pesado. Isso às vezes dificulta a assimilação dos sinais dos tempos e a resposta. Entretanto, com Papa Francisco estamos vivendo algumas surpresas. Alguns temas guardados nas gavetas da história desde o Concílio Vaticano II estão sendo revistos e as questões ainda não enfrentadas parecem que começam a ser novamente pensadas. Vivemos tempos na Igreja de provocações e de retrocessos. Contudo, o tempo é excelente.  

Participei em Manaus, AM, nos dias 16 a 18 de novembro de 2018, do encontro promovido pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) em parceria com a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), sob a orientação do secretariado do Sínodo. Éramos 34, entre religiosos e religiosas das regionais Norte 1, Norte 2, Noroeste, Nordeste 5 e Oeste. Foi uma rica e provocativa experiência de escuta dentro deste vasto horizonte que prepara o Sínodo extraordinário Pan-Amazônico, convocado pelo Papa no dia 15 de outubro de 2018. O papa deseja que um grande número de pessoas participe deste caminho sinodal que requer escuta, reflexão e discernimento para novos caminhos de evangelização junto aos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caboclos, gente da cidade e gente do campo, rejuvenescendo as lideranças cristãs leigas, religiosos e religiosas e pastores autóctones.

 

A palavra Sínodo vem do grego synódos. SYN, quer dizer juntos; ÓDOS, significa caminho. Trata-se de um longo percurso com suas dificuldades, avanços, tensões e saídas. Para tanto, precisamos estar imbuídos da presença do Deus Trindade, que nos faz perseguir o ideal da união plena (Jo 17,21). O estar juntos e pensar juntos não pode cair na tentação de meras análises da realidade e descobertas de desafios, isto qualquer sociólogo o faz sem dificuldades. Nossa intenção vai muito além, pois temos que passar pela cruz, morte, conversão, para a graça, Páscoa, deixando-nos guiar pelo Espírito Santo que conduz a Igreja criando-a e recriando-a a cada instante. Como Maria que, desde o sim, guardou no coração os sinais, palavras e gestos de Jesus, nós também devemos superar as noites sombrias das dúvidas para chegar ao raiar do dia. Portanto, a sinodalidade é um laboratório de comunhão e participação na escuta do Espírito Santo de Deus para discernir os sinais dos tempos e os tempos de sinais.

 

É urgente, portanto, pensar uma Igreja com rosto amazônico, que personifique a inculturação do Evangelho. Contudo, precisamos estar mergulhados no critério da sinodalidade. Evidentemente que não se trata de romper com o passado, mas mudar os paradigmas. O Evangelho não se adequa às culturas, no entanto, ele penetra e toca em profundidade para regar as sementes do Verbo já presentes nas diversidades culturas; senão, a evangelização fica como um verniz, como bem disse São Paulo VI na Evangelii Nuntiandi. Agora, como podemos sonhar com este Sínodo sem viver uma grande frustração?

 

A montanha pode parir um rato

Acredito que não dá para imaginar uma mudança doutrinária de grandes proporções com relação aos ministérios, sobretudo a aceitação de padres casados, diaconisas e sacerdotisas. Pode ser que eu me engane e haja um avanço em relação a alguns destes itens. Francisco é muito sensível aos problemas pastorais contemporâneos, ele mesmo afirma na Evangelii Gaudium: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionando mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (n.27). Mais adiante, de forma até profética, ele afirma com veemência: “Não tenhamos medo de os rever! Da mesma forma, há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida” (n.43). Contudo é bom não esperar demais. “A montanha pode parir um rato”!

 

No entanto, podemos sim esperar uma maior conscientização global sobre a complexa realidade Amazônica; levando para o centro do mundo, neste caso Roma, as questões que implicam numa ecologia integral com a preocupação da “casa comum”, porque esta é causa de vida ou morte. Neste sentido, a encíclica Laudato Si` é a carta magna que guiará os novos rumos do planeta também do compromisso missionário da Igreja.

 

O caminho sinodal

O resgate da sinodalidade que já sentimos na preparação do Sínodo dos jovens e agora com a preparação desta Assembleia Pan-Amazônica, nos dá garantias de que avançaremos cada vez mais com passos firmes e remadas seguras para uma caminhada em conjunto, pautada na escuta, na reflexão e no discernimento. Este é um novo paradigma que favorece a assimilação de vozes diferentes e até contrárias a Igreja na busca de maior eficácia e sensibilidade pastoral. Trata-se de uma “Igreja em Saída”, com suas portas abertas, facilitadora da graça de Deus (EG, 47), uma Igreja sem medo de falhar, mas que alimenta os famintos (EG, 49).

 

A sinodalidade é, sem dúvida, a marca de Francisco, e garantirá ações ousadas e proféticas, amadurecidas no processo participativo, tornando mais eficaz e concreta a ação missionária no mundo de hoje.

 

A luz da REPAM

Sem sombra de dúvida o Sínodo fortalecerá a REPAM. Acredito que Francisco não deixará por menos os avanços que a Rede vem realizando com os nove países que a compõem. Isto tem enriquecido e fortalecido a presença da Igreja junto aos povos originários, as vocações autóctones e o vigor das Igrejas locais. Neste sentido, espero que o Sínodo reforce algumas questões eclesiais pertinentes:

 

–  A mudança nos critérios de nomeação de bispos para a Pan-Amazônia, dando maior credibilidade aos candidatos autóctones;

 

– Criar uma solidariedade financeira para garantir a formação de lideranças leigas, religiosas e presbiterais com a manutenção das igrejas locais que sobrevivem a duras penas;

 

– Renovar a liturgia para fortalecer a inculturação da fé, valorizando os elementos das culturas locais;

 

– Valorizar a presença da mulher na ação missionária, nos conselhos pastorais, diocesanos e nas decisões de governo;

 

– Dar maior visibilidade e protagonismo aos jovens com a efetiva iniciação cristã, o associacionismo, a formação de lideranças e a educação sexual para garantir novas gerações de cristãos católicos mais comprometidos e novas vocações especificas;

 

– Repensar a ministerialidade para a Pan-Amazônia, descentralizando do sacramental e atendendo assim à grande demanda evangelizadora;

 

– Resgatar o valor das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) como novo jeito de ser Igreja, sobretudo no interior, e repensar a pastoral urbana para atender as novas relações de tempo, espaço e lugares de interesses;

 

Vida Religiosa Consagrada

Acredito que a VRC (Vida Religiosa Consagrada) será retomada com mais vigor nesta grande Paz-Amazônia, haja visto a presença de muitos religiosos e religiosas em lugares de maior carência entre os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e caboclos.  Neste sentido, a CLAR precisa ser mais visível entre nós, fortalecendo as Conferências de religiosos e a animação da VRC. A liquidez vocacional está fragilizando as Congregações, cujo envelhecimento acelerado pode travar o dinamismo da presença profética da VRC na Paz-Amazônia.

 

À guisa de conclusão

Apesar de todos os desafios que o caminhar sinodal nos apresenta, reconheço que o tempo é excelente. O caminho é longo e nele o processo de mudança vai acontecer. Por conseguinte, o Sínodo não pode ser reduzido àqueles dias em Roma, mas deve ser considerado em todo o processo que as diversas escutas estão fazendo. Acreditar na sinodalidade é pensar que já estamos vivendo o Synódos e que alcançaremos “novo céu e a nova terra” (2Pd 3,13).

Fonte: Inspetoria São Domingos Sávio

 

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O que esperar do Sínodo Pan-Amazônico?

Terça, 27 Novembro 2018 09:10 Escrito por 
O que esperar do Sínodo Pan-Amazônico? O encontro promovido pela REPAM em parceria com a CRB foi realizado em Manaus, dias 16 a 18 de novembro Foto: Divulgação
A Igreja é lenta e prudente quando o assunto é mudanças. Digamos até resistente. O corpo eclesial é muito grande e pesado. Isso às vezes dificulta a assimilação dos sinais dos tempos e a resposta. Entretanto, com Papa Francisco estamos vivendo algumas surpresas. Alguns temas guardados nas gavetas da história desde o Concílio Vaticano II estão sendo revistos e as questões ainda não enfrentadas parecem que começam a ser novamente pensadas. Vivemos tempos na Igreja de provocações e de retrocessos. Contudo, o tempo é excelente.  

Participei em Manaus, AM, nos dias 16 a 18 de novembro de 2018, do encontro promovido pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) em parceria com a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), sob a orientação do secretariado do Sínodo. Éramos 34, entre religiosos e religiosas das regionais Norte 1, Norte 2, Noroeste, Nordeste 5 e Oeste. Foi uma rica e provocativa experiência de escuta dentro deste vasto horizonte que prepara o Sínodo extraordinário Pan-Amazônico, convocado pelo Papa no dia 15 de outubro de 2018. O papa deseja que um grande número de pessoas participe deste caminho sinodal que requer escuta, reflexão e discernimento para novos caminhos de evangelização junto aos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caboclos, gente da cidade e gente do campo, rejuvenescendo as lideranças cristãs leigas, religiosos e religiosas e pastores autóctones.

 

A palavra Sínodo vem do grego synódos. SYN, quer dizer juntos; ÓDOS, significa caminho. Trata-se de um longo percurso com suas dificuldades, avanços, tensões e saídas. Para tanto, precisamos estar imbuídos da presença do Deus Trindade, que nos faz perseguir o ideal da união plena (Jo 17,21). O estar juntos e pensar juntos não pode cair na tentação de meras análises da realidade e descobertas de desafios, isto qualquer sociólogo o faz sem dificuldades. Nossa intenção vai muito além, pois temos que passar pela cruz, morte, conversão, para a graça, Páscoa, deixando-nos guiar pelo Espírito Santo que conduz a Igreja criando-a e recriando-a a cada instante. Como Maria que, desde o sim, guardou no coração os sinais, palavras e gestos de Jesus, nós também devemos superar as noites sombrias das dúvidas para chegar ao raiar do dia. Portanto, a sinodalidade é um laboratório de comunhão e participação na escuta do Espírito Santo de Deus para discernir os sinais dos tempos e os tempos de sinais.

 

É urgente, portanto, pensar uma Igreja com rosto amazônico, que personifique a inculturação do Evangelho. Contudo, precisamos estar mergulhados no critério da sinodalidade. Evidentemente que não se trata de romper com o passado, mas mudar os paradigmas. O Evangelho não se adequa às culturas, no entanto, ele penetra e toca em profundidade para regar as sementes do Verbo já presentes nas diversidades culturas; senão, a evangelização fica como um verniz, como bem disse São Paulo VI na Evangelii Nuntiandi. Agora, como podemos sonhar com este Sínodo sem viver uma grande frustração?

 

A montanha pode parir um rato

Acredito que não dá para imaginar uma mudança doutrinária de grandes proporções com relação aos ministérios, sobretudo a aceitação de padres casados, diaconisas e sacerdotisas. Pode ser que eu me engane e haja um avanço em relação a alguns destes itens. Francisco é muito sensível aos problemas pastorais contemporâneos, ele mesmo afirma na Evangelii Gaudium: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionando mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (n.27). Mais adiante, de forma até profética, ele afirma com veemência: “Não tenhamos medo de os rever! Da mesma forma, há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida” (n.43). Contudo é bom não esperar demais. “A montanha pode parir um rato”!

 

No entanto, podemos sim esperar uma maior conscientização global sobre a complexa realidade Amazônica; levando para o centro do mundo, neste caso Roma, as questões que implicam numa ecologia integral com a preocupação da “casa comum”, porque esta é causa de vida ou morte. Neste sentido, a encíclica Laudato Si` é a carta magna que guiará os novos rumos do planeta também do compromisso missionário da Igreja.

 

O caminho sinodal

O resgate da sinodalidade que já sentimos na preparação do Sínodo dos jovens e agora com a preparação desta Assembleia Pan-Amazônica, nos dá garantias de que avançaremos cada vez mais com passos firmes e remadas seguras para uma caminhada em conjunto, pautada na escuta, na reflexão e no discernimento. Este é um novo paradigma que favorece a assimilação de vozes diferentes e até contrárias a Igreja na busca de maior eficácia e sensibilidade pastoral. Trata-se de uma “Igreja em Saída”, com suas portas abertas, facilitadora da graça de Deus (EG, 47), uma Igreja sem medo de falhar, mas que alimenta os famintos (EG, 49).

 

A sinodalidade é, sem dúvida, a marca de Francisco, e garantirá ações ousadas e proféticas, amadurecidas no processo participativo, tornando mais eficaz e concreta a ação missionária no mundo de hoje.

 

A luz da REPAM

Sem sombra de dúvida o Sínodo fortalecerá a REPAM. Acredito que Francisco não deixará por menos os avanços que a Rede vem realizando com os nove países que a compõem. Isto tem enriquecido e fortalecido a presença da Igreja junto aos povos originários, as vocações autóctones e o vigor das Igrejas locais. Neste sentido, espero que o Sínodo reforce algumas questões eclesiais pertinentes:

 

–  A mudança nos critérios de nomeação de bispos para a Pan-Amazônia, dando maior credibilidade aos candidatos autóctones;

 

– Criar uma solidariedade financeira para garantir a formação de lideranças leigas, religiosas e presbiterais com a manutenção das igrejas locais que sobrevivem a duras penas;

 

– Renovar a liturgia para fortalecer a inculturação da fé, valorizando os elementos das culturas locais;

 

– Valorizar a presença da mulher na ação missionária, nos conselhos pastorais, diocesanos e nas decisões de governo;

 

– Dar maior visibilidade e protagonismo aos jovens com a efetiva iniciação cristã, o associacionismo, a formação de lideranças e a educação sexual para garantir novas gerações de cristãos católicos mais comprometidos e novas vocações especificas;

 

– Repensar a ministerialidade para a Pan-Amazônia, descentralizando do sacramental e atendendo assim à grande demanda evangelizadora;

 

– Resgatar o valor das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) como novo jeito de ser Igreja, sobretudo no interior, e repensar a pastoral urbana para atender as novas relações de tempo, espaço e lugares de interesses;

 

Vida Religiosa Consagrada

Acredito que a VRC (Vida Religiosa Consagrada) será retomada com mais vigor nesta grande Paz-Amazônia, haja visto a presença de muitos religiosos e religiosas em lugares de maior carência entre os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e caboclos.  Neste sentido, a CLAR precisa ser mais visível entre nós, fortalecendo as Conferências de religiosos e a animação da VRC. A liquidez vocacional está fragilizando as Congregações, cujo envelhecimento acelerado pode travar o dinamismo da presença profética da VRC na Paz-Amazônia.

 

À guisa de conclusão

Apesar de todos os desafios que o caminhar sinodal nos apresenta, reconheço que o tempo é excelente. O caminho é longo e nele o processo de mudança vai acontecer. Por conseguinte, o Sínodo não pode ser reduzido àqueles dias em Roma, mas deve ser considerado em todo o processo que as diversas escutas estão fazendo. Acreditar na sinodalidade é pensar que já estamos vivendo o Synódos e que alcançaremos “novo céu e a nova terra” (2Pd 3,13).

Fonte: Inspetoria São Domingos Sávio

 

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