Sexualidade e chamado de Deus

Quarta, 21 Novembro 2018 17:35 Escrito por 
A partir deste artigo, padre João Mendonça inicia uma nova série de reflexões no Boletim Salesiano, tendo como tema sexualidade e vocação religiosa. Nas próximas edições, o tema será aprofundado em artigos sobre aspectos específicos.  

No projeto pessoal de vida não pode faltar a compreensão da sexualidade humana diante do Mistério do chamado de Deus. Aliás, acreditamos que Deus chama homens e mulheres para uma doação total de si dentro de um carisma específico na vida religiosa consagrada. Porém, estamos em tempos de sensações diversas e intensas, somadas ao culto da sensualidade, de estímulos permanentes que expõem, sobretudo os jovens, em vários condicionamentos: o desejo e a lei, impulso e desejos de satisfação sexual, controle e negação da satisfação. Tudo isto interfere, pois há diferentes formas de viver a sexualidade e a forma de entender um projeto de vida celibatário.

 

Medo de amar

Outra questão é o medo de amar, pois o amor já não é plenamente aceito como a capacidade de entrega ao outro. Simpatia não é amor; amar é partilhar a vida, dar e receber afeto. Isso às vezes provoca sentimentos de dor e preocupações. Não é raro encontrar, sobretudo nos dias de hoje, orientações para a vida religiosa que castram emocionalmente. Muitos jovens buscam os claustros, os seminários e o esconderijo do hábito para se proteger da carga de sensualidade da sociedade líquida.

 

A sexualidade é uma energia que faz tremer as entranhas de nossas vidas, mexe com nossa sensibilidade, circula em nossos sentidos (saber ouvir, saber ver, saber cheirar, saber degustar, saber sentir) e gera o ciclo do prazer e do desprazer que nos faz imaginar, sonhar, fantasiar, desejar, sublimar e até seduzir; tudo em nome de Deus. Atrás do sim generoso de uma pessoa consagrada pode estar escondida uma personalidade pervertida ou, de fato, um ser humano em contínuo processo de maturidade fundamentado no amor ao próximo e, consequentemente, a Deus.

 

Embora seja difícil descrever este movimento da sexualidade vamos arriscar o desenvolvimento de algumas reflexões sobre o tema. O objetivo é ajudar os animadores e formadores a fazer um caminho de resposta de fé generosa, sem deixar-se engolir pelo dragão das almas (Ap 12,17) que está dentro de nós e que varre nossas entranhas.

 

Entender a sexualidade

O que é a sexualidade humana? Ela é uma energia que habita em nós de forma obscura, frágil e tensa. Trata-se de uma força misteriosa, impulsiva e integradora de nossas relações sempre a partir de um EU, no encontro com um TU. Portanto, sempre comunicação. Contudo, ninguém caia na tentação de achar que está totalmente integrado e resolvido neste embate. Há sempre surpresas! Às vezes prazerosas como também com desprazeres.

 

Esse dilema da esfinge que configura a sexualidade sentiremos sempre no longo percurso das idades, crises e vitórias que passamos ao longo da vida. Quando digo idades no plural estou me referindo ao tempo cronológico vivido nas experiências de crescimento, idade madura e envelhecimento. Dentro deste complexo cenário, a sexualidade pode ser compreendida como uma das energias que movimentam a vida humana. Consequentemente, ela toca a individualidade das pessoas, a vivência em sociedade e nossos múltiplos relacionamentos, inclusive na concepção e relação com Deus.

 

Não há sexualidade sem corpo

No entanto, a sexualidade sempre se articula dentro de um corpo e de seus limites. Na concepção vocacional isto não é diferente. O chamado de Deus não é algo fora do corpo, mas surge dentro de uma inquietação, de uma provocação, de um desejo; enfim, de uma história em ebulição. Quando alguém se sente chamado para uma vida de exclusiva pertença a Deus na vida religiosa consagrada acontece algo que nos interliga a outras pessoas e a Deus.

 

A sexualidade também mexe com a decisão vocacional porque se expressa no “corpo espiritual”, pois no ser humano é o espírito, a “alma da alma”, como dizia Edith Stein, o lugar onde se configura a corporeidade. Então, necessariamente, entra a afetividade, a capacidade de amar e ser amado, odiar e ser odiado, desejar e ser desejado. Por isso o corpo é o templo de Deus. Mas este será assunto de outro artigo.

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Sexualidade e chamado de Deus

Quarta, 21 Novembro 2018 17:35 Escrito por 
A partir deste artigo, padre João Mendonça inicia uma nova série de reflexões no Boletim Salesiano, tendo como tema sexualidade e vocação religiosa. Nas próximas edições, o tema será aprofundado em artigos sobre aspectos específicos.  

No projeto pessoal de vida não pode faltar a compreensão da sexualidade humana diante do Mistério do chamado de Deus. Aliás, acreditamos que Deus chama homens e mulheres para uma doação total de si dentro de um carisma específico na vida religiosa consagrada. Porém, estamos em tempos de sensações diversas e intensas, somadas ao culto da sensualidade, de estímulos permanentes que expõem, sobretudo os jovens, em vários condicionamentos: o desejo e a lei, impulso e desejos de satisfação sexual, controle e negação da satisfação. Tudo isto interfere, pois há diferentes formas de viver a sexualidade e a forma de entender um projeto de vida celibatário.

 

Medo de amar

Outra questão é o medo de amar, pois o amor já não é plenamente aceito como a capacidade de entrega ao outro. Simpatia não é amor; amar é partilhar a vida, dar e receber afeto. Isso às vezes provoca sentimentos de dor e preocupações. Não é raro encontrar, sobretudo nos dias de hoje, orientações para a vida religiosa que castram emocionalmente. Muitos jovens buscam os claustros, os seminários e o esconderijo do hábito para se proteger da carga de sensualidade da sociedade líquida.

 

A sexualidade é uma energia que faz tremer as entranhas de nossas vidas, mexe com nossa sensibilidade, circula em nossos sentidos (saber ouvir, saber ver, saber cheirar, saber degustar, saber sentir) e gera o ciclo do prazer e do desprazer que nos faz imaginar, sonhar, fantasiar, desejar, sublimar e até seduzir; tudo em nome de Deus. Atrás do sim generoso de uma pessoa consagrada pode estar escondida uma personalidade pervertida ou, de fato, um ser humano em contínuo processo de maturidade fundamentado no amor ao próximo e, consequentemente, a Deus.

 

Embora seja difícil descrever este movimento da sexualidade vamos arriscar o desenvolvimento de algumas reflexões sobre o tema. O objetivo é ajudar os animadores e formadores a fazer um caminho de resposta de fé generosa, sem deixar-se engolir pelo dragão das almas (Ap 12,17) que está dentro de nós e que varre nossas entranhas.

 

Entender a sexualidade

O que é a sexualidade humana? Ela é uma energia que habita em nós de forma obscura, frágil e tensa. Trata-se de uma força misteriosa, impulsiva e integradora de nossas relações sempre a partir de um EU, no encontro com um TU. Portanto, sempre comunicação. Contudo, ninguém caia na tentação de achar que está totalmente integrado e resolvido neste embate. Há sempre surpresas! Às vezes prazerosas como também com desprazeres.

 

Esse dilema da esfinge que configura a sexualidade sentiremos sempre no longo percurso das idades, crises e vitórias que passamos ao longo da vida. Quando digo idades no plural estou me referindo ao tempo cronológico vivido nas experiências de crescimento, idade madura e envelhecimento. Dentro deste complexo cenário, a sexualidade pode ser compreendida como uma das energias que movimentam a vida humana. Consequentemente, ela toca a individualidade das pessoas, a vivência em sociedade e nossos múltiplos relacionamentos, inclusive na concepção e relação com Deus.

 

Não há sexualidade sem corpo

No entanto, a sexualidade sempre se articula dentro de um corpo e de seus limites. Na concepção vocacional isto não é diferente. O chamado de Deus não é algo fora do corpo, mas surge dentro de uma inquietação, de uma provocação, de um desejo; enfim, de uma história em ebulição. Quando alguém se sente chamado para uma vida de exclusiva pertença a Deus na vida religiosa consagrada acontece algo que nos interliga a outras pessoas e a Deus.

 

A sexualidade também mexe com a decisão vocacional porque se expressa no “corpo espiritual”, pois no ser humano é o espírito, a “alma da alma”, como dizia Edith Stein, o lugar onde se configura a corporeidade. Então, necessariamente, entra a afetividade, a capacidade de amar e ser amado, odiar e ser odiado, desejar e ser desejado. Por isso o corpo é o templo de Deus. Mas este será assunto de outro artigo.

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