Encontrar Deus nos jovens

Segunda, 04 Mai 2015 22:00 Escrito por 
O tema da mística salesiana, um dos núcleos temáticos do Capítulo Geral 27, é retomado, aprofundando os aspectos do diálogo com a juventude e do pátio como local de encontro e partilha.

Não obstante a escolha do CG 27 pela sugestiva imagem da sarça ardente como o lugar do encontro nosso com os jovens, pessoalmente me aproprio de outro ícone para mim mais expressivo, o encontro de Jesus com a Samaritana (Jo 4,1-38). Trata-se da imagem mais eloquente da mística salesiana. Nós, salesianos, temos um poço onde vamos encontrar água, é o cenário juvenil. Um cenário bastante complexo. Há jovens que esporadicamente vivem a experiência cristã; outros são absorvidos pela prática e vivência da fé nas comunidades; muitos estão distantes da experiência de Deus, são indiferentes, como nos aponta o Quadro de referência do Dicastério para a Pastoral Juvenil Salesiana.

Os jovens, portanto, imersos neste cenário, são o poço profundo onde brota a água viva – Deus – que sacia nossa sede. No entanto, esta água não está nos limites do poço, mas na profundidade daquele que salta dos rostos dos jovens e dialoga conosco no pátio: Jesus de Nazaré. Nele e com ele, encarnado nos jovens, fazemos a experiência da cultura do encontro, como dizia Dom Bosco: “Entre vocês me sinto bem”. Aí está a verdadeira água que sacia nossas buscas.

Nossa mística está transparente neste ícone porque não nos fecha em uma experiência religiosa individual e líquida, mas abre o vasto horizonte da comunidade. É a comunidade que sai às “periferias existenciais” dos jovens para estar com eles nos “novos pátios” da comunicação, da informação e da vida cotidiana. É nesse cenário que a sentença do teólogo Rahner se torna desafiadora: “O cristão do século XX ou será um místico ou não será nada”. Parafraseando, eu digo: o salesiano de hoje e de amanhã ou será místico ou não terá visibilidade, credibilidade e fecundidade vocacional; ou buscará a Deus – água viva – nos jovens ou morrerá de sede no deserto da infertilidade.

 

Pátio místico

Nesse sentido, o pátio salesiano deve ser o “habitat” natural do salesiano místico. O pátio se caracteriza pela interface dos jogos de interesses juvenis que passam pelas novas tecnologias e redes sociais e se transformam em ambientes e centros de interesses e de ganchos evangelizadores, sem esquecer o encontro pessoal, a saída do TU ao NÓS, onde se “habilita os jovens a descobrirem a profundidade da própria experiência até perceberem o seu apelo religioso, a plena comunhão com Jesus Cristo pessoa central na relação a partir da qual se organiza a vida: atitudes, opções, ações, comportamentos” – outra indicação do Quadro de referência da PJS.

Assim, compreendemos porque Dom Bosco lutou bravamente para manter a primeira geração de salesianos no pátio. Ele sabia que os salesianos não seriam místicos se sucumbissem no deserto de uma vida distante do poço e fechada em assuntos burocráticos. No entanto, é importante entender que o pátio da mística salesiana é um ambiente aberto, acolhedor e proativo. Aqui está nosso limite. Às vezes, nossos pátios se reduzem a ambientes cheios de normas, proibições e preconceitos castradores da genialidade juvenil. Este pátio de proibições e moralista não forma a cultura do encontro, mas do desencontro. Assim, o pátio salesiano não se reduz a um ambiente geográfico, mas é uma maneira de estar com os jovens; é um ambiente acolhedor e rico de propostas.

O pátio de Valdocco era uma casa aberta e o encontro com Dom Bosco marcava os jovens, a ponto de muitos dizerem: onde estava Dom Bosco ali estava o oratório. Basta ler atentamente as crônicas do Oratório para perceber que ali não se concentravam apenas jovens bonzinhos e santos. Alguns deram muito trabalho a Dom Bosco, até decepções, mas ele não lhes fechou as portas. Ao contrário, investiu em propostas ousadas para acolhê-los e acompanhá-los. Hoje não podemos agir diferente. Proporcionar o ambiente de família e a experiência de grupo é fundamental para nossa ação educativa.

O desafio, então, é criar o pátio místico salesiano, a aldeia aberta, proativa, alegre, cheia de possibilidades, preventiva, criativa, marcada pela experiência de Deus, sobretudo com a presença do místico salesiano que escuta, vê, contempla e toca no jovem (1 Jo 1,1ss; CG 27, 18) e, desde ali, anuncia a presença do Verbo.

 

Deixar-se tocar

Papa Francisco disse aos jovens no Rio de Janeiro que ninguém passa pela cruz sem ser tocado por ela. Acredito que nenhum de nós, salesianos, pode passar pelo jovem sem ser tocado por ele, marcado por sua presença; assim, também, nenhum jovem passa por nós sem receber uma palavra, um gesto, um sorriso, um abraço. Isto é mística de quem busca a Deus em espírito e verdade (Jo 4,23s).

Assim, o Espírito sopra e nos leva com ele ao profundo das angústias e esperanças, alegrias e tristezas dos jovens e não nos deixa à margem do caminho cegos e enrolados em nossas seguranças (Mc 10, 46-52), muito menos em cima da árvore escondido entre os galhos e folhas com medo de encontrar o outro que passa pelo pátio (Lc 19,1-10). Mas, com certeza, teremos que abrir nossas mentes para acolhê-los na madrugada fria dos medos e desilusões, sempre em busca de respostas de significado (Jo 3,1-15).

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Encontrar Deus nos jovens

Segunda, 04 Mai 2015 22:00 Escrito por 
O tema da mística salesiana, um dos núcleos temáticos do Capítulo Geral 27, é retomado, aprofundando os aspectos do diálogo com a juventude e do pátio como local de encontro e partilha.

Não obstante a escolha do CG 27 pela sugestiva imagem da sarça ardente como o lugar do encontro nosso com os jovens, pessoalmente me aproprio de outro ícone para mim mais expressivo, o encontro de Jesus com a Samaritana (Jo 4,1-38). Trata-se da imagem mais eloquente da mística salesiana. Nós, salesianos, temos um poço onde vamos encontrar água, é o cenário juvenil. Um cenário bastante complexo. Há jovens que esporadicamente vivem a experiência cristã; outros são absorvidos pela prática e vivência da fé nas comunidades; muitos estão distantes da experiência de Deus, são indiferentes, como nos aponta o Quadro de referência do Dicastério para a Pastoral Juvenil Salesiana.

Os jovens, portanto, imersos neste cenário, são o poço profundo onde brota a água viva – Deus – que sacia nossa sede. No entanto, esta água não está nos limites do poço, mas na profundidade daquele que salta dos rostos dos jovens e dialoga conosco no pátio: Jesus de Nazaré. Nele e com ele, encarnado nos jovens, fazemos a experiência da cultura do encontro, como dizia Dom Bosco: “Entre vocês me sinto bem”. Aí está a verdadeira água que sacia nossas buscas.

Nossa mística está transparente neste ícone porque não nos fecha em uma experiência religiosa individual e líquida, mas abre o vasto horizonte da comunidade. É a comunidade que sai às “periferias existenciais” dos jovens para estar com eles nos “novos pátios” da comunicação, da informação e da vida cotidiana. É nesse cenário que a sentença do teólogo Rahner se torna desafiadora: “O cristão do século XX ou será um místico ou não será nada”. Parafraseando, eu digo: o salesiano de hoje e de amanhã ou será místico ou não terá visibilidade, credibilidade e fecundidade vocacional; ou buscará a Deus – água viva – nos jovens ou morrerá de sede no deserto da infertilidade.

 

Pátio místico

Nesse sentido, o pátio salesiano deve ser o “habitat” natural do salesiano místico. O pátio se caracteriza pela interface dos jogos de interesses juvenis que passam pelas novas tecnologias e redes sociais e se transformam em ambientes e centros de interesses e de ganchos evangelizadores, sem esquecer o encontro pessoal, a saída do TU ao NÓS, onde se “habilita os jovens a descobrirem a profundidade da própria experiência até perceberem o seu apelo religioso, a plena comunhão com Jesus Cristo pessoa central na relação a partir da qual se organiza a vida: atitudes, opções, ações, comportamentos” – outra indicação do Quadro de referência da PJS.

Assim, compreendemos porque Dom Bosco lutou bravamente para manter a primeira geração de salesianos no pátio. Ele sabia que os salesianos não seriam místicos se sucumbissem no deserto de uma vida distante do poço e fechada em assuntos burocráticos. No entanto, é importante entender que o pátio da mística salesiana é um ambiente aberto, acolhedor e proativo. Aqui está nosso limite. Às vezes, nossos pátios se reduzem a ambientes cheios de normas, proibições e preconceitos castradores da genialidade juvenil. Este pátio de proibições e moralista não forma a cultura do encontro, mas do desencontro. Assim, o pátio salesiano não se reduz a um ambiente geográfico, mas é uma maneira de estar com os jovens; é um ambiente acolhedor e rico de propostas.

O pátio de Valdocco era uma casa aberta e o encontro com Dom Bosco marcava os jovens, a ponto de muitos dizerem: onde estava Dom Bosco ali estava o oratório. Basta ler atentamente as crônicas do Oratório para perceber que ali não se concentravam apenas jovens bonzinhos e santos. Alguns deram muito trabalho a Dom Bosco, até decepções, mas ele não lhes fechou as portas. Ao contrário, investiu em propostas ousadas para acolhê-los e acompanhá-los. Hoje não podemos agir diferente. Proporcionar o ambiente de família e a experiência de grupo é fundamental para nossa ação educativa.

O desafio, então, é criar o pátio místico salesiano, a aldeia aberta, proativa, alegre, cheia de possibilidades, preventiva, criativa, marcada pela experiência de Deus, sobretudo com a presença do místico salesiano que escuta, vê, contempla e toca no jovem (1 Jo 1,1ss; CG 27, 18) e, desde ali, anuncia a presença do Verbo.

 

Deixar-se tocar

Papa Francisco disse aos jovens no Rio de Janeiro que ninguém passa pela cruz sem ser tocado por ela. Acredito que nenhum de nós, salesianos, pode passar pelo jovem sem ser tocado por ele, marcado por sua presença; assim, também, nenhum jovem passa por nós sem receber uma palavra, um gesto, um sorriso, um abraço. Isto é mística de quem busca a Deus em espírito e verdade (Jo 4,23s).

Assim, o Espírito sopra e nos leva com ele ao profundo das angústias e esperanças, alegrias e tristezas dos jovens e não nos deixa à margem do caminho cegos e enrolados em nossas seguranças (Mc 10, 46-52), muito menos em cima da árvore escondido entre os galhos e folhas com medo de encontrar o outro que passa pelo pátio (Lc 19,1-10). Mas, com certeza, teremos que abrir nossas mentes para acolhê-los na madrugada fria dos medos e desilusões, sempre em busca de respostas de significado (Jo 3,1-15).

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